Shadow of the Demon Lord já tá chegando ao Brasil | JUDAO.com.br

Diferente de muitas obras que ganham versão em português décadas depois, o elogiado RPG desenvolvido por Robert J. Schwalb e lançado ano passado já está em financiamento coletivo pra sair por aqui

Imagina assim: aquele cenário básico de fantasia medieval, tipo Dungeons & Dragons, inspiração tolkieniana clássica. Anões, elfos, halflings (a versão RPGística para os hobbits), orcs, goblins, bárbaros, paladinos, aquela coisa toda. Agora abre um portal para o inferno e deixe sair todos os tipos de criaturas sombrias, demoníacas e macabras de jogos como Ravenloft, In Nomine, Call of Cthulhu e até mesmo os seres antigos mais sanguinários do Mundo das Trevas (Vampiro, Lobisomem e afins). Coloque um heavy metal bem sinistro pra rolar, talvez um black metal norueguês que evoca os reinos satânicos e pronto, o clima tá completo.

Este é o gênero chamado costumeiramente de dark fantasy, com elementos de horror espalhados por uma ambientação de fantasia. Uma mistura de Senhor dos Anéis com Stephen King, ou algo assim. É nesse universo que se encaixa Urth, o mundo no qual se passa o RPG Shadow of the Demon Lord.

O último grande império da humanidade, à beira da aniquilação. O apocalipse bate à porta, com guerras, pragas e terrores ancestrais por todos os lados. Um lugar infestado por demônios, hordas de mortos-vivos, magia estranha, cultistas desequilibrados. O caos completo, basicamente, com doses cavalares de violência — tudo responsabilidade do tal Demon Lord, uma espécie de destruidor cósmico que se aproxima aos poucos de Urth, lançando sua sombra e a sua fome crescente não apenas pelo planeta abaixo de si, mas também por toda a realidade.

Tá mais do que claro que este é um mundo que precisa de heróis. Mas em meio ao desespero, exatamente de que tipo de heróis estamos falando mesmo? Para lutar contra a escuridão, contra as sombras do Lorde dos Demônios, vale tudo. Não precisa ser necessariamente um lutador honrado em nome da justiça. Também tem espaço pra gente que vai desde os loucos mais incontroláveis até os patifes mais miseráveis. Você vai lutar contra os demônios ou irá queimar tudo e dançar sobre as cinzas?

Shadow of the Demon Lord é uma criação da Schwalb Entertainment, empresa do veterano escritor e desenvolvedor de jogos Robert J. Schwalb. O nome dele deve ser bem familiar para os mais fanáticos: além de ajudar em livros auxiliares da 3a e da 4a edições de Dungeons & Dragons, também fez parte do time principal responsável pelo design da 5a edição. Fora da Wizards of the Coast, Schwalb trabalharia ainda na 2a edição do Warhammer Fantasy Roleplay e também no A Song of Ice and Fire Roleplaying, a adaptação da Green Ronin Publishing para Game of Thrones.

Financiado coletivamente nos EUA e tendo o módulo básico lançado oficialmente em agosto do ano passado, o RPG já está em campanha no Catarse para ganhar sua versão em português — praticamente um ano depois, num espaço de tempo curtíssimo que seria impensável pouco tempo atrás, retrato de um mercado de RPG bastante aquecido por aqui. Pensemos que In Nomine, por exemplo, demorou quase 30 FUCKING ANOS para ter a sua tradução oficial para a nossa língua.

O projeto de trazer Shadow of the Demon Lord para a nossa terrinha é da Pensamento Coletivo, que já lançou por aqui títulos como BASH!, Interface Zero (cenário cyberpunk para Savage Worlds) e Jadepunk (uma espécie de steampunk misturado com o velho cenário da China).

Este RPG faz uso de um sistema simples, jogado utilizando um D20 e um D6, que serão rolados juntos sempre que seu personagem quiser desempenhar uma tarefa, que são modificadas por características batizadas de banes (desgraças) e boons (benefícios). Dos números rolados para boons, você adiciona o número mais alto ao número que saiu no seu D20. Portanto, de todos os números rolados para banes, você subtrai o maior número rolado diretamente do número que apareceu no D20. Ou, como a própria editora descreve: “um sistema único para resolver qualquer tarefa, seja atravessar a garganta de um demônio com sua espada, chutar uma porta para fugir dele ou até para escapar do vômito ácido que ele cospe”.

É importante sacar que, da mesma forma que HP Lovecraft fazia em suas obras, os personagens aqui podem enlouquecer à medida em que se depararem com mais e mais horrores. É a característica chamada de Insanity (Insanidade). Afinal, sofrer um ferimento quase fatal (como perder uma parte do corpo), ver uma pessoa amada sendo brutalmente assassinada ou experimentar a sensação de voltar do mundo dos mortos podem mexer com a cabeça de qualquer um, seja ele humano, elfo, anão ou o que quer que seja. E dar de cara com uma monstruosidade cheia de lodo com mais de 10 metros de altura se aproximando da sua cidade também pode não ajudar muito...

Como a ideia é que Shadow of the Demon Lord seja um jogo amoral, com o bem e o mal não muito claros, é preciso ter uma espécie de freio mínimo, que garante que certas ações possam ter graves consequências, desde matar alguém a sangue frio até tortura, passando pelo aprendizado de magia negra ou demonologia. Tudo isso pode deixar marcas na alma de alguém e, por isso, o jogo tem uma característica denominada Corruption (Corrupção), que determina o nível de mácula que alma deste ou daquele personagem sofreu. Normalmente, acumular alguns poucos pontos não pega nada, mas alguém com muitos níveis marcados na planilha pode fazer as crianças na sua presença começarem a chorar, os animais se enfurecerem, a comida e as flores apodrecerem e as sombras se contorcerem de maneira estranha. Mais filme de terror, impossível.

Shadow of the Demon Lord

No começo do jogo, os personagens são todos de nível 0, do tipo que não sabe que um destino maior aguarda por eles. Sua primeira decisão, enquanto jogador, é escolher a sua ascendência. Além de raças clássicas de ambientações de fantasia como elfos, anões e humanos, dá para jogar com Jotuns (humanoides albinos enormes que têm o sangue dos gigantes correndo em suas veias, referência direta aos gigantes do gelo da mitologia nórdica) ou Clockworks (uma pessoa feita de molas e engrenagens, uma espécie de androide steampunk), por exemplo. O jogador escolhe a raça do personagem e preenche a planilha de acordo com o que reza a ascendência. Simples assim, coisa de no máximo 10 minutos.

Assim que o grupo completar sua primeira aventura, aí sim eles estarão prontos para seguir o caminho dos Novices (Novatos), com base em situações que rolaram ao longo desta história inicial. Se o personagem passou mais tempo quebrando o pau e se metendo em batalhas, ele pode ser um guerreiro; mas se ele encontrou um livro com magias secretas, é natural que ele se torne um mago. Estereótipos básicos que podem ser refinados conforme o grupo completar mais histórias e então estiver liberado para seguir o caminho do Expert (Especialista): aí rola ser oráculo, druida, arqueiro, ladino, estas paradas todas. E ao chegar na trilha do Master (Mestre), as características se tornam ainda mais refinadas (pistoleiro, metamorfo, monge) para refletir a linha de atuação à qual o personagem se dedica em seu treinamento. A cada escolha, mais complexo e profundo o PC se torna.

O benefício destas campanhas mais curtas é que o jogo te permite criar mais histórias, mais personagens e experimentar mais das muitas opções que o jogo tem a oferecer

“O benefício destas campanhas mais curtas é que o jogo te permite criar mais histórias, mais personagens e experimentar mais das muitas opções que o jogo tem a oferecer”, explica a página original de Shadow of the Demon Lord no Kickstarter. “Como jogador, você não fica preso em um único personagem por mais de um ano. Dá pra jogar com vários. E como mestre, é possível conduzir uma campanha completa em um tempo menor. Isso dá ainda a chance de outros integrantes do grupo quererem se tornar o mestre da próxima vez, possibilitando um rodízio”.

Falando especificamente do lado do narrador, ele pode optar por pesar mais ou menos a mão no tom apocalíptico da aventura. Se a ideia não é detonar tudo logo de uma vez, dá pra fazer uma aventura um pouco menos perigosa, mais fantasia e menos horror. Mas se a ideia é botar pra foder e enfiar o pé no acelerador da catástrofe, o que não faltam são opções para encher a narrativa de pandemias globais, enchentes, terremotos, tempestades, ataques de zumbis. Fica ao gosto do freguês.

Qualquer que seja a opção, no entanto, as histórias ou aventuras podem ser completadas usualmente em uma sessão de jogo com duração de 3 a 5 horas. Elas costumam ser curtas, cerca de uma página por hora de jogo. Dá pra completar uma campanha típica, com 10 ou 11 aventuras conectadas, em 10 sessões de jogo. Se o seu grupo se encontrar para jogar uma vez por semana, para sessões com cerca de 4 horas, dá para completar uma campanha em algo em torno de dois meses. São seis campanhas num ano. Imagina só como cada personagem vai estar evoluído ao final deste período? Se o PC vai estar realmente inclinado a largar mão dele depois deste tempo é que são elas de verdade... :)