Segundo a diretora Juliana Rojas, seu primeiro trabalho solo evoca tanto “o teatro épico de Brecht quanto as fantasias da Disney”. :D
A palavra grega “Necrópole”, além de significar “Cidade dos Mortos”, é um sinônimo para cemitério. É praticamente uma cidade dentro de uma outra cidade – e no caso do filme Sinfonia da Necrópole, foi exatamente esta a intenção da diretora Juliana Rojas. “A gente tentou pensar o cemitério como se fosse uma cidade. Há também as representações do que seria uma comunidade. O administrador, que é o patrão, os coveiros, que são os trabalhadores”, explica ela, em entrevista para o jornal Folha de S.Paulo. Ela explica, no entanto, que sua intenção não é lançar um aspecto sombrio sobre São Paulo. “É mais o contrário. O que queremos é conseguir ver o cemitério também como um microcosmo. Como um espelho da metrópole, não o contrário. O cemitério reproduz a lógica arquitetônica da cidade. É uma lógica de divisão de classes, de diferença econômica”.
Comédia musical de humor negro que vem fazendo algum barulho no circuito de festivais desde 2014 (Paulínia, Gramado, Mostra de Tiradentes, Indie Festival BH e ainda em outros países como Argentina, Uruguai, Suécia e França), finalmente Sinfonia da Necrópole vai chegar ao circuito comercial brasileiro no próximo dia 14 de Abril.
A trama gira em torno da rotina do aprendiz de coveiro Deodato (Eduardo Gomes), um sujeito que não anda lá muito animado com a profissão. Meio medroso, acabou nesta parada por indicação do tio, profissional da ARTE dos enterros. A coisa muda de figura quando surge em seu caminho Jaqueline (Luciana Paes), uma funcionária do serviço funerário com perfil de burocrata que tem uma missão: um levantamento sobre os túmulos abandonados para iniciar um recadastramento. Deodato acaba ficando apaixonado, o que o impede de pedir demissão. Mas digamos que certos eventos de cunho sobrenatural passam a rondar Deodato e a tornar a história bem mais esquisita...
Sinfonia da Necrópole é o primeiro trabalho de Juliana sozinha por trás das câmeras – antes disso, ela já tinha feito o igualmente divertido – e crítico – Trabalhar Cansa (2011), em parceria com Marco Dutra, amigo com quem vem produzindo projetos desde a época da faculdade de cinema, na USP. O longa, que também flerta com o terror e um bocado de elementos fantásticos, chegou a ser exibido na mostra Um Certo Olhar, em Cannes, e premiado em festivais como o de Brasília.
Trata-se, aliás, do produto mais conhecido do coletivo criativo do qual Juliana e Marco fazem parte, o Filmes do Caixote, descrito por eles não como uma produtora mas sim como uma assinatura, uma oficina de ideias, na qual a colaboração mútua é a chave. Também faz parte do grupo o cineasta Caetano Gotardo, de O Que se Move (2012). Foi sob a assinatura do Filmes do Caixote que Marco lançou no mesmo ano o seu Quando Eu Era Vivo, adaptação do livro A Arte de Produzir Efeito Sem Causa, de Lourenço Mutarelli, um filme de terror com Antonio Fagundes e Sandy. Agora foi a vez de Juliana alçar seu voo solo.
A diretora já tinha feito, em 2012, uma versão do filme em formato média-metragem, para a 4a edição do projeto Telefilmes da TV Cultura, com o título de Ópera do Cemitério. Para os cinemas, Juliana deu uma encorpada na trama, com canções compostas pessoalmente por ela, em parceria com Ramiro Murillo (que assina a produção musical, coreografia e arranjos) e com o eterno amigão Marco Dutra.
No elenco, um monte de atores vindos da cena do teatro paulistano – a maior parte dos coadjuvantes, por exemplo, vieram de grupos como Cia do Latão, Cia São Jorge de Variedades e o CPT de Antunes Filho. As gravações aconteceram nos cemitérios do Araçá, Santíssimo Sacramento, da Consolação e da Vila Mariana, todos na cidade de São Paulo.
“Acho que fui encontrando o tom ao longo do processo do filme”, explica Juliana, em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo. “Aqui, o musical e o tom cômico como que se impuseram, tendo em vista o que eu tinha em mente. Busco uma relação mais lúdica com o cinema e gosto também de evocar os filmes com os quais me divertia quando estudante, isto é, os de fantasia e de terror”. As referências dela são tanto a obra do dramaturgo e poeta alemão Bertold Brecht, com o chamado “teatro épico” (que tem, como principal pressuposto, o efeito de distanciamento ou de estranhamento por parte do espectador, já que o ator não busca identificação plena com o personagem) quanto as típicas fantasias musicais da Disney. ;)
“Pensei em fazer musical porque eu acho que ajuda a criar esse distanciamento”, conta ela. “Quando começa a tocar uma música você entende que não é uma coisa que busca ser totalmente naturalista. Para criar um distanciamento crítico e também para dar uma leveza no filme”.
No entanto, ela deixa claro que sua história tem também um subtexto mais crítico ao tratar a questão da especulação imobiliária a partir da reorganização dos túmulos. Para a Folha, ela revela que é o que enxerga como moradora da cidade de São Paulo há duas décadas. “A gente sente a questão da especulação imobiliária por culpa do aumento dos preços para moradia. Muitas pessoas acabam se mudando para bairros mais afastados por culpa da alta de preços. Tem a questão de derrubarem as coisas para construírem prédios muito grandes, para fazer uma exploração comercial dos espaços da cidade. Nisso você vê derrubarem casas que tinham uma importância histórica também, aí vai descaracterizando a cidade”, opina.
“No filme é um pouco essa lógica: por culpa do crescimento da cidade, faltam túmulos e eles fazem o processo de reutilizar os abandonados para construir túmulos novos, para serem vendidos também. Os que estão abandonados acabam sendo esquecidos. É a lógica que acaba oprimindo quem é mais pobre”, finaliza.