Germana Viana e suas piratas espaciais fodonas | JUDAO.com.br

A autora conta os segredos da criação de uma das mais divertidas HQs online da internet brasileira e ainda fala sobre a presença feminina no mundo dos quadrinhos

“Sabe aquelas séries de sci-fi nas quais a parte sci é bem duvidosa e é só uma desculpa para as personagens se enfiarem em confusões? É bem por aí”. Esta é a saborosa definição que a recifense refugiada em São Paulo Germana Viana dá para a sua série de quadrinhos online, Lizzie Bordello e As Piratas do Espaço – que, recentemente, ganhou uma edição impressa pela Editora Jambô. “Tem um climão bem Star Trek, bem Doctor Who clássico, mas com um humor mais rasgado: Douglas Adams é meu pastor e nada me faltará. Mas fiquem avisados, onde Adams era brilhante, eu sou bagaceira”. Tenho certeza que, neste ponto, você já está com vontade de ler. ;)

Misturando aventura, humor, romance e, bom, sexo, as histórias giram em torno de quatro mulheres. A líder é Lizzie Bordello (AH VÁ), capitã e cozinheira, pós-punk, educada na Escola de Phoddice para Moças de Cyber Cureide e com tendências a se portar como uma Robin Hood de periquita. Ao seu lado seguem Deus, melhor atiradora do quadrante, ex-criança prodígio, fã de Pam Grier e de filmes pornôs; Fran, a oficial de comunicação, nerd, mãe e fã de Transbrebous (qualquer semelhança com Transformers não é mera coincidência); e a novata Lambretinha, especialista em tecnologia.

A história da Germana, no entanto, é tão legal quanto a destas singelas piratas espaciais. Trabalhando como ilustradora infanto-juvenil desde meados dos anos 90 e como designer gráfica desde o início dos 2000, ela acabou se direcionando para esta área, óbvio, pela paixão pelos quadrinhos. Atuando como letrista e designer nos bastidores do mundinho das HQs, foi assistente do Joe Prado na Art&Comics, agenciando artistas para o mercado norte-americano. “Mas terminei me desligando porque o trabalho foi ficando muito mais burocrático que artístico”.

Pra ela, ter essa experiência de “bastidores” é muito legal porque dá uma perspectiva muito mais completa de como funciona a produção de uma HQ, seja ela indie ou mainstream.  “E claro, só aumentou ainda mais a vontade de fazer meus próprios quadrinhos. :)”.

Germana :)

Germana :)

A grande virada, no entanto, aconteceria durante o FIQ de 2013. “Olha, eu recomendo pra todo mundo que gosta e quer produzir quadrinhos: vá visitar o FIQ pelo menos uma vez na vida! Eu fui como civil, só passeando, e olha... se faltava coragem e sobrava insegurança, foi ali, vendo aquele clima maravilhoso, mainstream e indies todos juntos, se ajudando, que a coisa mudou! Foi lá que rolou um ‘é agora’!”. O momento “perdi a vergonha” rolou quando um amigo que estava acompanhando o George Pérez, principal convidado internacional do evento, praticamente a obrigou a mostrar um de seus desenhos para o mestre. “Rapaz, momento louco: um dos caras cuja arte fez minha cabeça por anos quando eu era teen, estava ali, vendo um desenho meu, elogiando, comentando”.

Quando Franco de Rosa, que tinha sido seu colega quando ambos trabalhavam na Mythos, a chamou pra fazer parte do coletivo As Periquitas, criado pela decana cartunista Crau da Ilha, Germana topou sem pensar. “E daí pra frente não parei mais”.

Com um nome que mistura Lizzie Bennet, a personagem de Orgulho e Preconceito (da Jane Austen) e Gogol Bordello, a banda punk cigana, a capitã das piratas intergalácticas começou a dar as caras nos cadernos de rabiscos de Germana por volta de 2006/2007, assim como Fran e Deus, que ainda não tinham nomes. A Lambretinha surgiu em 2013, quando a autora admite que deixou de enrolar e arrumar desculpas e finalmente se arriscou a publicar. “Foi quando joguei fora a insegurança (produzia material e guardava, sabe?) e decidi expor mesmo”.

Inicialmente, as garotas foram parar na internet, onde “você não precisa necessariamente da estrutura mais convencional de publicação: impressão, estoque, distribuição para expor seu trabalho. Isso faz com que a internet seja mais uma opção para chegar nos leitores”, admite Germana, com o olhar de quem já esteve durante bons anos trabalhando nos meios tradicionais. “Fora que gosto muito da ideia de que se a pessoa que lê está dura ou não está afins de gastar antes de conhecer o material, ela tem como ler – não precisa piratear as Piratas”, brinca.

No entanto, Germana já está trabalhando num segundo volume de histórias impressas das meninas, seguindo o mesmo formato: como no volume 1, esta segunda parte terá histórias que aparecerão tanto online quanto impressas (incluindo a que está atualmente se desenvolvendo no blog) e também histórias exclusivas para quem comprar o encadernado.

Além de Lizzie e suas bravas companheiras estelares, a quadrinista está envolvida em pelo menos dois outros projetos: já em andamento, um deles é Oceano de Brumas, outra HQ online, escrita por Luis Kosmiskas e com uma pegada bem high fantasy. O outro, planejado pro futuro, com arte e roteiro dela, é a dupla Clotilde e Marione. “São duas senhoras, na casa dos 70, que resolvem crimes, meio que um mix entre Miss Marple e Batman, mas ainda está em desenvolvimento”, conta. “E vou participar de algumas coletâneas esse ano, mas ainda não posso falar delas :D”.

Clotilde e Marione

Com tanta coisa rolando, Germana resolveu arriscar pra tentar participar do Artist’s Alley da CCXP deste ano. “Ano passado, quando abriram as inscrições, apesar de já ter um bom volume de páginas tanto de Lizzie Bordello e as Piratas do Espaço quanto de Oceano de Brumas, não tentei participar do Artist’s Alley, achei que seria cedo demais pra mim. Besteira!”. Mesmo assim, o volume 1 de Lizzie Bordello saiu pela Jambô naquela mesma época, permitindo que ela participasse do evento, ainda que longe das mesas. “Mas cada vez que eu passava naqueles corredores dos artistas, eu tinha certeza que no ano seguinte eu tentaria!”. Ela tentou... e foi aprovada. “O que espero? Me divertir muito, fazendo o que gosto, com amigos que fazem o que gostam”.

Mas ser uma mulher, trabalhando tão ativamente com gibis em um universo de cultura pop ainda resistente à diversidade (e se você acompanha o JUDÃO, claro, sabe bem disso), não é tarefa tão complicada quanto ficar fazendo páginas e mais páginas madrugada adentro? “Olha, obviamente, já passei por situações bem engraçadas, como um arte-finalista norte-americano, que terminou virando um amigaço mas que num primeiro contato, por e-mail, achava que eu era homem”, diverte-se. “Ou outras menos engraçadas, como em um evento de quadrinhos em que eu estava dividindo mesa com uns amigos e o cara só falava com eles, assumindo, acredito eu, que eu devia ser ‘a namorada, irmã, amiga’ que estaria acompanhando um deles – pior, se eu tentava falar algo, o cara olhava pra mim com olhar parado, sem prestar atenção. Bobão”.

Ela afirma, no entanto, que, especialmente entre os colegas, é bom demais perceber que tem muito mais caras legais, que abraçam quem está chegando, “não se importando se é mulher, homem, gato, cachorro”. Germana conta ainda que, entre leitores, a coisa é “muito linda” e que tanto garotas quanto caras, e numa quantidade muito equivalente, vêm falar com ela. “Ou escrevem pra mim para contar o que acharam de Lizzie Bordello e As Piratas <3”.

Também, gente, vamos combinar. São meninas fodonas. Que são piratas. E estão no espaço. Dava pra errar nesta fórmula? :)