Taylor Swift e o direito de controlar seu próprio passado, presente e futuro | JUDAO.com.br

Goste você ou não da cantora, tá tudo bem, mas uma coisa é fato: não apenas ela, mas todo artista ou banda DEVERIA ter os direitos sobre suas próprias obras. Simples assim.

Olha só, se você tem um interesse mínimo a respeito de música pop e não viveu em Marte nos últimos dias, já deve ter cruzado com uma história envolvendo a cantora Taylor Swift e a Big Machine Label, sua antiga gravadora — uma ~treta que envolveu direta ou indiretamente Justin Bieber, Demi Lovato, Ed Sheeran, Ariana Grande e mais uma galera da constelação fonográfica mainstream.

Vou só deixar, antes de qualquer coisa, uma parada clara aqui: todo mundo pode — e, num mundo ideal, até deve — ter a sua opinião sobre a Taylor. Uma das queridinhas da América atualmente, uma das estrelas mais importantes e poderosas do mercado americano antes mesmo dos 30 anos que completa só em Dezembro, ela conseguiu chegar num patamar em que tem força o suficiente pra peitar Apple, Spotify e até mesmo o Google/YouTube. Você pode gostar ou não da música da moça. Pode ou não ter questões na sua recém-encerrada desinteligência com a Katy Perry. Pode ou não ter paciência para os muitos discos dedicados aos muitos ex. Pode até questionar, com justiça, a questão do “feminismo branco” da Srta. Swift.

Tudo isso dá pra discutir. O que não dá pra discutir é, tendo ela uma fortuna na conta bancária ou não, o direito que a Taylor Swift tem de possuir as próprias músicas. De ser a legítima proprietária das canções que compôs e/ou interpretou como artista solo. E de não querer que este ou aquele cara seja o responsável por explorar os seus direitos musicais. Ela tem este direito, inalienável, como têm quaisquer músicos grandes ou pequenos, ricos ou pobres, pop ou rock, contratados ou independentes. E isso não vai mudar.

Este pedaço da história nem deveria estar, de fato, sendo discutido, seja ou não Scooter Braun o babaca que parte dos envolvidos nesta ~polêmica tanto defendem. Se bem que, vamos lá, representante do Kanye West, né, aquele excelente músico que infelizmente é um baita babaca. Em nada me espantaria. ¯\_(ツ)_/¯

Aliás, justamente a relação de Braun com Kanye West está no centro desta história toda. Vocês talvez se lembrem, VMA de 2009, o músico subiu ao palco e arrancou o microfone das mãos de Taylor Swift enquanto ela recebia o prêmio de melhor clipe feminino, fazendo um discurso sobre como a Beyoncé merecia a honraria. Não me importa se ele estava certo ou não: foi um idiota. O mesmo idiota que depois escreveu uma música dizendo que ela tinha que transar com ele, já que ele fez “aquela vadia” ficar famosa (?). E que depois fez um clipe no qual está na cama ao lado de uma sósia da cantora. É, então, este aí.

Mas antes de falarmos sobre Braun e West, vamos falar sobre Scott Borchetta, fundador da gravadora independente Big Machine Label. O cara que, em 2004, viu uma jovem garota chamada Taylor, de apenas 15 anos, tocando num bar em Nashville e resolveu que seria uma boa oferecer um contrato pra ela, já que a menina tinha um talento surpreendente. De prodígio country no país da música country, ela se tornou superestrela, enveredou pro pop e conquistou a América e o mundo, dominando as paradas de sucesso. Taylor fez o selo simplesmente explodir e se tornou, obviamente, a sua garota dourada, alguém de quem eles não estavam dispostos a abrir mão.

Só que contratos são contratos. Taylor entendeu exatamente o que queria fazer de sua carreira, o quanto queria ter controle sobre seus trabalhos não apenas presentes e futuros, mas também os passados. E, em Novembro do ano passado, quando seu Reputation completou um ano de lançamento, pela primeira vez em sua história enquanto artista profissional ela estaria livre do contrato inicial. E, portanto, estaria livre para negociar com quem quisesse. Muita gente apostava que ela continuaria no BML, ali é “família”, aquele papo todo. Mas Taylor preferiu seguir outro caminho e assinou com a Republic Records, selo da poderosa major Universal Music Group (UMG). O grande ponto? De maneira inteligente, ela se manteve dentro do ecossistema, já que a Universal é que distribui os discos da BML.

Um de seus principais motivos para sair era justamente a questão dos masters — no caso, a gravação original de seus álbuns durante seus anos ali dentro. Se você compra um disco, ouve em streaming, escuta um trecho de suas canções num filme ou série de TV, é porque o detentor dos direitos, que tem os masters em mãos, licenciou a parada e obviamente é quem ganha mais dinheiro com ela. Quando as gravadoras têm os direitos master sobre um disco/música, claro que elas pagam uma parte dos chamados royalties para os artistas, por mais que este percentual claramente varie de artista pra artista. E com o tamanho que Taylor Swift tomou enquanto MARCA, nada mais natural pra artista não apenas querer ampliar esta fatia mas sim receber o bolo completo. Taylor queria ser a dona de suas masters. Não rolou.

Assim sendo, a cantora foi lá pra Republic Records sob um contrato que garante que ela será a dona de seus masters a partir de agora, considerando o que gravar daqui PRA FRENTE. No entanto, seu catálogo prévio continua sob poder da BML, rendendo pra ela apenas um pequeno percentual do que poderiam (de acordo com a legislação de direitos autorais americana, Taylor poderia requerer o controle total de seus masters depois de 35 anos do lançamento). Isso poderia ser um problema no caso de ficar nas mãos de Borchetta? Não necessariamente, apesar dela reclamar de não ter tido a chance de fazer uma proposta para COMPRAR seus masters. Mas eis que entra no caminho uma certa Ithaca Ventures, grupo que comprou a BML. E, por um acaso, adivinha quem é o todo-poderoso da empresa que teria desembolsado 300 milhões de dólares pela gravadora? Scooter Braun.

Obviamente que, assim que descobriu, Taylor não gostou nada da situação bizarra que seria ter um de seus maiores desafetos, alguém que segundo ela teria apoiado as atitudes de Kayne e ainda feito bullying com a garota, comportando-se de maneira machista, controlando as decisões finais sobre suas músicas. Algo que poderia ir desde a diminuição dos direitos pagos pela utilização até fazer uso / aprovando sua utilização para algo que a cantora jamais aprovaria. Percebe agora a seriedade da parada?

“Durante anos eu pedi pela chance de ser a dona do meu trabalho”, afirmou Taylor num desabafo publicado no Tumblr e que explodiu toda a situação. “Ao invés disso eu recebi a oportunidade de assinar um novo contrato com a Big Machine Records e ‘ganhar’ os direitos de um álbum antigo de volta a cada novo que eu lançasse. Eu fui embora porque sabia que, uma vez que assinasse o contrato, Scott Borchetta venderia a gravadora e, com ela, vendendo a mim e ao meu futuro. Assim, tive que fazer a escolha dolorosa de deixar meu passado pra trás. Músicas que escrevi no chão do meu quarto e vídeos com os quais sonhei e paguei com meu próprio dinheiro, ganho tocando em bares, clubes e depois em arenas e estádios”.

A cantora diz ainda que ficou sabendo do envolvimento de Braun junto com todo mundo, quando as notícias da compra foram anunciadas, e tudo que conseguia pensar era no “bullying manipulativo que recebi das mãos dele ao longo dos anos”. Ainda segundo ela, “o meu legado musical ficará nas mãos de alguém que tentou desmontá-lo”. Afinal, quando deixou suas masters nas mãos de Borchetta, ela ficou em paz com o fato de que ele eventualmente os venderia, mas nunca em seus “piores pesadelos” imaginou que Braun fosse o comprador. “Todas as vezes que Scott Borchetta escutou as palavras ‘Scooter Braun’ saírem da minha boca, ou eu estava chorando ou tentando não chorar”. E deixou o recado: “jovens artistas com sonhos musicais, leiam isso e aprendam como se proteger numa negociação. Vocês merecem ser donos da arte que fazem”.

Novamente, pra mim, esta última frase da Taylor é o grande ponto deste papo todo. Acima de gostar ou não dela ou da música que faz, acima de todas as fofocas e manchetes sensacionalistas. ESTA defesa deveria valer para todo mundo.

Jovens artistas com sonhos musicais, leiam isso e aprendam como se proteger numa negociação. Vocês merecem ser donos da arte que fazem

Justin Bieber, por exemplo, que aparece numa foto que Taylor mostrou como um exemplo de sacanagem que Braun faria com ela, se desculpou pela brincadeira sem graça, disse o quanto era grato pela colega tê-lo deixado abrir seus shows no começo, maaaaaaaaas defendeu Braun num post do Instagram. “Tudo que sei é que eu e Scooter amamos você. Sinto que a única maneira de resolver conflitos é através da comunicação. (...) Normalmente não respondo a este tipo de coisa, mas quando você tenta manchar o caráter de alguém que eu amo, está cruzando um limite”. A esposa de Braun postou algo defendendo o cara, Demi Lovato também saiu em sua defesa de alguma forma, enquanto do outro lado os veículos de comunicação especializados em celebridades monitoraram que diversos músicos pararam de seguir sutilmente o executivo nas redes sociais, como a própria Katy Perry, Rihanna, Britney Spears, Miley Cyrus...

Já o cantor Todrick Hall, que outrora foi representado por Braun, deu sua parcela de opinião no Twitter ao afirmar que ele é um “sujeito malvado” cujo único objetivo é alimentar sua própria fortuna e seu ego. “Eu ainda acho que ele é homofóbico e ouvi de sua própria boca que ele não gosta da Swift”, completou.

Pra tentar se defender, Borchetta também publicou uma carta aberta no site da gravadora, explicando que teria mandado uma mensagem avisando a cantora sobre a notícia da venda antes do anúncio para a imprensa e reforçando que, sim, ofereceu a ela a oportunidade de ser dona de seus masters, dentro dos termos que uma gravadora independente conseguiria — o que ELA MESMA disse, aliás, mas sem concordar com os termos disso estar conectado a um NOVO CONTRATO de uma década. Além disso, o cara quis reforçar que Scott Swift, pai da cantora, é acionista da gravadora e que também teria sido de alguma forma avisado da venda durante as obrigatórias CALLS para acionistas, pans. Coisas do mundinho dos negócios.

Taylor pode ter ou não visto a tal mensagem. O pai dela pode ou não ter, conforme um representante da cantora afirmou para a People, assinado um documento no qual justamente se desobrigava de participar deste tipo de ligação. Tanto faz. Nada muda no fato de que Taylor tem todo o direito de querer ser dona de seus masters e de que esteja decepcionada por saber que um cara que NO MÍNIMO apoiava as babaquices contra ela agora tem controle sobre seus trabalhos passados. Porque, apenas reforçando aqui, não é preciso gostar da Taylor Swift pra admitir que Kayne West foi um imbecil com ela. PONTO.

Borchetta ainda compartilhou a mensagem na qual Taylor abre o jogo com ele e conta que está negociando com outra gravadora, dizendo que ambos cortaram relações comerciais totalmente numa boa. “Ter o controle dos meus masters era muito importante pra mim, mas percebi que existiam coisas que significavam ainda mais pra mim no contexto geral”, teria escrito a cantora. “Tive que escolher entre apostar no meu passado ou no futuro e acho que, me conhecendo como você conhece, pode adivinhar qual eu escolhi”. De novo, tudo totalmente de acordo com o que a própria Taylor escreveu no Tumblr.

Importante ainda reforçar um detalhe neste papo todo e que está passando batido: na mensagem de Taylor que Borchetta compartilhou, ela diz a seguinte frase: “Também enxerguei uma oportunidade rara de exercer uma mudança positiva para um monte de outros artistas com a influência que tenho agora”. A que ela se refere? Simples: uma cláusula de seu contrato com a Republic/Universal faz questão de deixar claro que, caso o grupo venda sua participação no Spotify — sim, alguns selos musicais, como Warner, Sony e a própria Universal, tinham originalmente participação no gigante sueco de streaming — precisa distribuir esta grana para os seus artistas todos, de maneira não-recuperável (ou seja, isso não pode ser usado apenas e tão somente para descontar automaticamente de quaisquer dívidas que os artistas tenham com a gravadora).

“Eles terem aceitado isso é um sinal de que alguma forma estamos num momento de mudança positiva para os criadores — um objetivo que nunca vou parar de tentar atingir, de quaisquer formas consiga”, afirmou a cantora publicamente no final do ano passado.

Esta não é uma história sobre a Taylor, o Justin, o Kanye. Sobre quem gosta de quem, quem traiu quem, sobre squads, sobre time isso ou aquilo. Mas sim sobre os artistas terem completo direito de controlar suas próprias obras. Simples assim. A discussão deveria ter partido daí e se focado nisso. Mas ainda dá tempo. Vamos lá.