Spielberg: um documentário que quem gosta de cinema deveria assistir

Ainda que muitos assuntos controversos tenham ficado de lado e seja extremamente simples, são 2h20 de uma aula do que é cinema

A melhor maneira de explicar pra alguém o que é cinema de verdade é pegar um filme do Steven Spielberg e mostrar como ele consegue contar uma história através de imagens. Dá pra mostrar como cada frame tem um significado, como a gente acaba sentindo exatamente o que o filme pretende que a gente sinta, na hora em que pretende... Enfim.

Há muito o que pode ser criticado na carreira, nos filmes e/ou vida do diretor, é verdade. Mas Spielberg, documentário que inaugura a temporada da HBO, resolveu se focar apenas e tão somente no lado cinematográfico da vida desse americano de 70 anos, se transformando numa obra obrigatória pra fãs do diretor e do cinema.

Dirigido por Susan Lacy, Spielberg é um documentário bastante simples e que em momento algum resolve colocar dedo em feridas como a de Hook, seguindo de maneira cronológica a carreira do diretor, começando por quando assistiu a Lawrence da Arábia trocentas vezes no cinema e decidiu que era aquilo o que faria da vida (“ou morreria tentando”), passando pela grande maioria dos seus sucessos, com entrevistas de pessoas diretamente relacionadas a eles — especialmente a TCHURMA formada por Brian de Palma, George Lucas, Martin Scorsese — contando CAUSOS relacionados aos filmes ou ao próprio diretor.

Interessante, sim, mas provavelmente nada que não pudesse ser encontrado na Wikipedia ou em trivias por aí.

O valor de Spielberg, porém, está mesmo na contextualização dos filmes em relação à vida do diretor, que basicamente usou três temas durante toda a sua carreira: bullying, a relação conturbada com seu pai e política, ainda que, como o próprio diretor diz, todos os filmes sejam sobre “separação e reunificação”.

Steven Spielberg define Encurralado, por exemplo, como o caminhão sendo o VALENTÃO da escola e o carro sendo ele; Contatos Imediatos de 3o Grau e E.T – O Extraterrestre, entre outros, mostra a ausência ou fim daquela “família de margarina”, com algumas coisas BEM diretamente relacionadas à sua vida pessoal; enquanto Lincoln, Munique e A Lista de Schindler mostram a merda que o mundo pode ser (ou, enfim, é) pelas razões mais diferentes possíveis.

A Lista de Schindler, aliás, também representa a sua própria reunificação com o fato de ser judeu, que durante a adolescência e boa parte da vida adulta, ele renegava.

Spielberg também mostra um pouco a coisa de que o diretor acreditava ser capaz de fazer qualquer filme (como a comédia 1941) e que não necessariamente deveria ter feito, como no caso de A Cor Púrpura (basicamente, todos no documentário concordam que ele não era a pessoa certa pra dirigir aquele filme, naquela época). Nada, claro, que o coloque em MAUS LENÇOIS, porque, novamente, o intuito da produção nunca foi essa.

Se nós já concordamos que um filme nunca é só um filme, que pra melhorar sua experiência é necessário que se olhe através dos mais diversos pontos de vista, Spielberg é a melhor compilação possível de filmes que você com certeza assistiu mas que talvez nunca tenha pensado em tudo o que ele queria dizer, ou mesmo em toda a importância que ele tinha pra quem fez e o contexto em que foi criado.

Um documentário simples, que deixa muita coisa de fora, mas que toda e qualquer pessoa que diz que gosta de cinema deveria assistir.