O produtor Bryan Burk nos leva em uma grande viagem pelo processo de produção de Star Wars: O Despertar da Força, enquanto acompanhamos a história sendo feita na frente de nossos olhos
Existem poucas coisas que marcaram a história da cultura pop, que mudaram ou moldaram o mundo como o conhecemos e que se tornam uma herança cultural de mãe pra filha, virando uma lenda moderna. Star Wars é isso: a Guerra de Tróia, a Ilíada, dos tempos modernos. Faltando um pouco mais de uma semana pra estreia de O Despertar da Força, é como se estivéssemos esperando Homero colocar nas livrarias de Atenas a primeira edição da Odisseia.
Não, não me venha com as PREQUÊNCIAS: agora é realmente a primeira vez na história que, com Guerra nas Estrelas consolidado como um fenômeno mundial, não sabemos muita coisa do que está por vir, do histórico dos protagonistas ou o que vai acontecer com eles. Nada. A surpresa será comparável à de assistir ao primeiro Star Wars, em 1977.
No meio desse furacão, o JUDÃO conversou com o produtor do novo filme da franquia, Bryan Burk, que passou por São Paulo na última semana pra divulgar o filme. E, como em qualquer momento histórico, ele escolheu bem as palavras pra explicar um pouco do processo de produção do Episódio VII da saga.
Vale dizer, antes de qualquer coisa, que, George Lucas tinha um plano próprio pra esse novo filme. Em certo momento, ele imaginou a saga de Guerra nas Estrelas com três trilogias, nove filmes. A última parte seria formada justamente pelos Episódios VII, VIII e IX, mas, como você sabe, esse projeto nunca aconteceu. Lucas acabou vendendo a LucasFilm pra Disney que, já de cara anunciou que finalmente faria o Episódio VII. Mas esse não seria exatamente aquele imaginado pelo criador.
“Eu não li os tratamentos do roteiro do George. Isso veio antes de mim. Quando viemos para o projeto, George já tinha dado sua benção para continuarmos com este universo”, conta Burk, que foi anunciado na produção do filme ao lado do diretor JJ Abrams em janeiro de 2013. “Então, desde o começo passamos a ter conversas com Kath [Kennedy], Michael Arndt, Larry Kasdan e o JJ. Todos nós conversando sobre o que queríamos para um filme de Star Wars e para onde os personagens foram, para onde poderiam ter ido... E isso se tornou O Despertar da Força”, completa o produtor, citando inclusive Arndt – responsável pela primeira versão do roteiro e que deixou o filme em outubro de 2013.
[small_info_middle]“Quando viemos para o projeto, George já tinha dado sua benção para continuarmos com este universo”[/small_info_middle]Apesar de não ter visto, ouvido ou trabalhado com os roteiros originais, Burk aproveita para elogiar o ex-dono da lojinha. “Obviamente existem inúmeras possibilidades de se contar histórias pela galáxia, então eu nem posso imaginar a experiência que seria ter esse bebê do George, no qual ele trabalhou por tanto tempo, mas ele confiou em nós para fazer este filme, então foi o que fizemos”.
Se George Lucas não participou deste Episódio VII, outro nome importante para a saga consta nos créditos: Lawrence Kasdan. Foi Larry – como é chamado por Burk – que coescreveu os roteiros de O Império Contra-Ataca e O Retorno do Jedi. Ou seja, se tem uma SEGUNDA pessoa pra saber o que os personagens de Guerra nas Estrelas fariam depois do fim da trilogia original, esse cara é o Larry. “Ele pôde falar sobre por que ele fez o que fez com o George, e os motivos. Nós tivemos essas conversas, quando eu falava ‘foi assim quando vi o filme, foi uma coisa maluca sentir isso’, e o Larry ficava [imitando o jeitão de falar do Kasdan] ‘George e eu estávamos falando sobre Império e o Yoda...’. ‘Fale mais, fale mais, Larry’. Foi uma experiência incrível, de juntar as pontas”.
Nesses encontros também foi surgindo o tom de O Despertar da Força, assim como as semelhanças com os três filmes originais. Pra Burk, por exemplo, o mais legal entre eles é justamente O Império Contra-Ataca (“exceto quando era garoto, esse era o meu menos favorito, porque lembro de chegar no fim e pensar ‘vou ter que esperar mais três anos pra ver a continuação?’”). Pro JJ, esse posto é do original, Uma Nova Esperança. E, claro, tem o Larry – diretamente envolvido com Império e O Retorno de Jedi. O resultado, de acordo com o produtor, é que O Despertar da Força “é meio que como uma colagem entre Star Wars [o primeiro] e Império”, o que, ao menos na teoria, é sensacional.
O Despertar da Força “é meio que como uma colagem entre Uma Nova Esperança e O Império Contra-Ataca”
A partir daí, foi sendo definida a história em si. Um dos objetivos, de acordo com o produtor, era construir algo que não fosse apenas acessível ao fã das antigas — alguém que, como ele, tava lá na pré-estreia de O Retorno de Jedi em Los Angeles — mas também pra nova geração. “A nossa intenção também era de se aproximar de quem nunca viu Star Wars antes, com novos personagens dos quais ninguém ouviu falar”.
Aliás, o mais legal aqui: esses novos personagens vão ter justamente um paralelo de conhecimento com esse público que tá chegando agora na franquia. “É estranho, porque começamos a conversar com gente que nunca viu Star Wars. Eles sabem basicamente o que nossos personagens sabem. Eles apenas ouviram palavras como Skywalker, como Han Solo, ou viram reminiscências do Império”. Se você se enquadra nessa categoria dos novatinhos, um recado mais direto do produtor: “Alguns dos personagens vão estar na mesma jornada que você. Há uma forma para todos os públicos encontrarem seu caminho no filme”.
Nessa história de “todos os públicos”, ele vai mais fundo. “Se as pessoas acham que não gostam de ficção científica e que Star Wars é pra outra pessoa, vão ficar agradavelmente surpresas. [...] Star Wars não é realmente um filme de ficção científica, mas mais um filme de fantasia”. Além disso, por mais que lutas com lasers e sabres-de-luz possam fazer muitos pensarem desta forma ultrapassada, Star Wars não é só para garotos e seus pais. “O fato é que mães, namoradas, esposas, irmãs e filhas também amam isso”.
Em certo momento, a finalização do roteiro e o processo de aparar as arestas do enredo foi se misturando com a procura dos atores para o elenco. E, nesse estágio, a busca foi por novos nomes a talentos. “Quando você começa o processo de casting, você está aberto a qualquer um. É difícil se você escala alguém que é muito conhecido, porque então fica ‘Daisy Ridley, whatever, e BRAD PITT!’, quem eu amo e mal posso esperar a hora de trabalharmos juntos, mas não é o que estamos tentando criar, neste universo”, conta Burk – que, vamos lembrar, fez a mesma coisa com uma outra franquia com STAR no nome. “Com Star Trek foi a mesma coisa, mas foi um pouco mais fácil encontrar atores em ascensão. Neste caso [de Star Wars], não era a intenção escalar estrelas, mas sim encontrar gente. Quando a Daisy apareceu, foi um ‘OH MY GOD, ela tá pronta’. O John Boyega nós conhecíamos antes, e o personagem Finn foi mudando, foi evoluindo. É um processo constantemente fluido. Assim que começamos a realmente focar no Finn, John veio e foi novamente como ‘OH MY GOD, nós amamos o John’. E ele se tornou o Finn. Foi um processo de encontrar a pessoa certa para o papel certo”
Um exemplo para esse processo “fluído” é justamente a escalação de Gwendoline Christie para o papel da Capitã Phasma, uma das integrantes da Primeira Ordem – que, pelo que deu pra sacar até agora, são meio que os “herdeiros” do velho Império. Originalmente, Phasma era pra ser um homem e, de acordo com um rumor, Benedict Cumberbatch foi cogitado para o papel. Só que os planos mudaram, assim como o gênero da personagem e o papel acabou com Gwendoline (que, ainda, não estava naquela primeira e famosa foto do elenco do filme que você viu lá em cima). “O mundo não é feito só de heróis homens”, lembra o produtor.
O mundo não é feito só de heróis homens
Vamos combinar, isso de mudar o gênero ou etnia de um personagem não deveria ser chocante. Não mais. Os personagens devem estar à serviço da história e de quem tem a melhor capacidade para interpretá-los, seja homem, mulher, negro, latino ou qualquer outra coisa. “Tem múltiplas pessoas que fazem a galáxia”, diz o próprio Burk. E foi nisso que a produção do filme se guiou.
“Eu espero que isso não tenha que se tornar uma conversa do tipo ‘olha, isso é uma ocasião especial’. Não deveria ser uma ocasião especial”, afirma. “Nós nunca olhamos dessa perspectiva. Nós olhamos como ‘aquela é uma personagem espetacular, que vem a ser uma jovem mulher’. Foi assim que Alias nasceu, ou Lost ou qualquer um dos filmes que trabalhamos. A parte divertida sobre o filme é quando as pessoas veem o quão incrível a Daisy Ridley é. Assim como a Gwendoline é, ou a Lupita [Nyong’o] é. Há alguns ótimos personagens neste filme e vamos ter um monte de novos favoritos”.
Ok, tem os novos personagens. E tem os clássicos. Han, Luke, Leia, a santíssima trindade da galáxia muito, muito distante, está presente. Como produtor, Burk ressalta que não fica tão próximo assim dos atores durante as gravações, acompanhando de perto os processos de cada um deles, mas não se contém ao elogiar o trio. “Foi uma coisa estranha quando o Harrison Ford entrou no set e começou a atuar. Ele É Han Solo. Ele se torna aquele personagem. É incrível ver a Carrie se tornar a Leia. Você sabe que ela é divertida, brincalhona... Digo, a Leia é divertida, mas de uma forma diferente, ela é sarcástica. Com o Mark Hamill é a mesma coisa. É algo esquisito. Eu acho que é a combinação deles estarem juntos com esses personagens icônicos que interpretam que faz isso ser incrível”.
[small_info_middle]“Se as pessoas acham que não gostam de ficção científica e que Star Wars é pra outra pessoa, vão ficar agradavelmente surpresas”[/small_info_middle]Com isso tudo vai surgindo o pacote completo, que, depois de editado e com TROCENTOS efeitos especiais adicionados, vira o filme que todo mundo vai ver no cinema — e, em breve, cada um terá uma interpretação própria para essa história — e uma delas pode ter a ver com esse momento de política tão polarizada quanto os que vivemos nos EUA, na Europa e até no Brasil. “Obviamente, quando você está fazendo um filme como Star Wars, a intenção não é fazer uma grande declaração política, mas sim algo divertido para a nossa experiência. Por natureza, tem coisas que você pode relacionar com o que acontece no mundo em qualquer época. Sabe, como as pessoas olham para Star Wars original e comparam com o que está acontecendo no mundo”, explica o produtor. “Não é meu trabalho mostrar isso [no Despertar da Força], tenho certeza que as pessoas vão fazer isso ao assistir ao filme. Mas é estranhamente um filme atemporal, que faz materializar em quem assiste esses sentimentos de frustração, de esperança e de perigo, que nos fazem pensar na nossa própria vida. Eu espero que as pessoas se sintam melhores no final do que estavam no começo. Mas, pra mim, Star Wars está apenas apresentando as possibilidades, mostrando que com foco, orientação e fé na Força, grandes coisas podem acontecer”.
Este está sendo um caminho longo. Entre aquele anúncio de 2012 e a estreia de Star Wars: O Despertar da Força, que acontece no próximo dia 17 aqui no Brasil, são 37 meses. Um pouco mais de três anos. E, se não foi feito pelo criador original disso tudo, foi ainda melhor: foi feito por gente que cresceu com essa mitologia na cabeça, que consegue ter um respeito até maior que a galera que desbravou o cinema blockbuster no final dos anos 70.
Por tudo isso, Bryan Burk acredita que o resultado final de O Despertar da Força é muito próximo ao que a equipe original da Lucasfilm teria feito, no final das contas. “Todas as pessoas envolvidas com a equipe, ou eles eram fãs ou os pais deles trabalharam nos filmes originais, e havia um objetivo bem claro para o que deveria ser feito. Ainda não sei tudo o que vai acontecer depois da estreia, mas o que eu sei, tenho certeza disso, é que as pessoas vão receber o filme de Star Wars que elas querem. Eu me sinto confiante”.
Dessa forma, uma nova Odisseia vai surgir e uma nova geração de fãs será formada. Aliás, ela JÁ está sendo formada. Depois da entrevista e ao final do painel de Star Wars, dei uma última volta pela CCXP. Vi um pai, que apontava incessantemente para um cosplay do Boba Fett, tentando chamar a atenção do filho. “Eu já vi, pai” respondeu o garoto sem levantar a cabeça, enquanto olhava, vidrado, para o boneco do Kylo Ren que tinha nas mãos.
Vai lá, garoto. Não sei também o que virá pela frente, mas essa história já está em suas mãos. ;)