Vamos combinar uma coisa: não dá pra escutar AQUELE teclado sem começar a cantar junto!
“Geralmente, a gente tá lá, numa boa, vê um comercial de TV e pronto, lá está alguém fazendo algum tipo de paródia do clipe”. A declaração é do guitarrista norueguês Paul Waaktaar-Savoy, do A-ha, a respeito do vídeo de seu maior sucesso, a canção Take on Me, para a Entertainment Weekly. Ele menciona um episódio de Family Guy e uma propaganda de carro como exemplos. “Na verdade, eu nem sabia que estávamos no aniversário de 30 anos da música!”.
Pois é, Paul, mas estão sim. No caso, não só uma “música”, mas um clássico do synth-pop que fez sucesso não apenas pelas qualidades sonoras óbvias (leia-se: “que puta música deliciosamente grudenta!”) mas também por causa do clipe, simplesmente inesquecível. Sabe aquilo que a gente fala sempre, sobre “entrar para a história da cultura pop”? Exatamente. Foi isso que Take on Me fez.
“Nós acabamos fazendo as pazes com esta música”, afirmou a banda em entrevista para a Reuters. “Porque é mais forte do que nós. Não é algo que vai desaparecer”. E assim como acontece com o Deep Purple e Smoke on the Water, com os Rolling Stones e Satisfaction e com Anitta e o Show das Poderosas, certos astros não conseguem nunca mais cortar os laços com seus grandes hits. Nem pense em NÃO tocar esta música ao vivo.
Vejam só. Este ano, o trio voltou plenamente à ativa, lançando o ótimo Cast in Steel, seu primeiro álbum de inéditas desde 2009 e retornando aos palcos – incluindo um bastante especial para eles, o do Rock in Rio. Mas por mais que a recepção aos materiais novos tenha sido quente, quando foi que o público da Cidade do Rock entrou em êxtase? Quando começou aquele teclado. AQUELE. Que está tocando na sua cabeça neste exato momento.
“A primeira vez que Paul tocou Take on Me pra mim foi no porão da casa dos meus pais”, revelou Morten em entrevista ao The Guardian. “Ele tocava numa guitarra merda com cordas de nylon enquanto Magne [Furuholmen, guitarrista/tecladista] mandava o riff no piano. Na hora em que ouvi, sabia que aquilo ia quebrar tudo”. O restante da canção eles escreveram os três juntos – sendo que o cantor afirma que o tempo todo ficava com a propaganda de um chiclete chamado Juicy Fruit na cabeça. “Isso influenciou muito as melodias. E o Paul ainda teve a ideia de desafiar o meu alcance vocal no refrão, com notas indo até as oitavas como em Also Sprach Zarathustra, de Strauss. Para alcançar aquela última nota, cara, ou você tem bolas ou não – a voz não vem da garganta, vem do sangue”.
Na verdade, não dá para dizer que Take on Me foi algum tipo de sucesso imediato. Gravada originalmente em 1984, com produção de Tony Mansfield e remixada por John Ratcliff, a faixa foi um fracasso comercial e mal pôde ser ouvida fora da Noruega, a terra do corpse paint e das igrejas em chamas. Mas os três músicos realmente acreditavam no poder daquela música em particular. Tanto é que, para o seu álbum de estreia, Hunting High and Low (1985), convocaram a ajuda do produtor/compositor inglês Alan Tarney e lhe deram uma nova cara – gerando a versão que todos conhecemos hoje e que, esta sim, completa suas três décadas de vida. Colou.
A primeira versão de Take on Me foi um fracasso
“Bom, demorou uns quatro ou cinco meses até que ela se tornasse a música número 1 da América”, diz Waaktaar-Savoy. “Pra nós, cada semana passava como um ano. Ia subindo de posição, ia subindo, e a gente lá, acompanhando e sofrendo”. No final, exatamente no mês de outubro de 1985, Take on Me assumiu o topo das paradas da disputada lista Billboard Hot 100, permanecendo ali por honrosas 23 semanas e se consagrando no top 10 geral daquele ano.
Na verdade, foi a primeira e ÚNICA vez que os noruegueses tiveram uma música liderando as listas de “mais ouvidos” em território americano. Mas, pra eles, tudo bem. “Este foi o grande ponto de virada para nós”, conta Morten Harket, o vocalista (e galã) do grupo, em entrevista para a Classic Pop Magazine.
Obviamente que um dos principais motivos do sucesso de Take on Me se deve ao seu inventivo videoclipe, justamente numa era em que grande parte dos gostos era ditada pelo visual do que passava na telinha da MTV. A primeira versão da música, aquela que fracassou antes de sair da Noruega, tinha tido um clipe, com os caras cantando em cima de um fundo azul. Tudo acabou sendo descartado. Porque, se a ideia era atingir o público da emissora em cheio, nada melhor do que buscar alguém que tenha colaborado com um de seus ícones máximos: Michael Jackson. De clipe, porra, este cara entendia. Então, com total apoio da Warner Music, que estava disposta a investir no trio, ‘bora buscar Steve Barron, que dirigiu Jacko em Billie Jean.
“Foi um sonho trabalhar com um cara com ele”, diz o guitarrista sobre o diretor, lembrando que o resultado final foi responsável por fazer o trio levar pra casa nada menos do que seis estatuetas no VMA de 1986. Mas ele faz também questão de deixar claro que, neste caso, “trabalho” este sempre ligado à palavra “muito”. Para começar, eles optaram por contar esta história de amor misturando gravações em live-action com um método chamado “rotoscopia”.
Criado por Max Fleischer – aquele mesmo da animação clássica do Superman da década de 1940 – o rotoscópio é um aparelho que permite que os animadores “redesenhem” trechos previamente filmados para usar numa animação, tentando dar aos personagens animados movimentos mais “realistas”. Mais ou menos uma versão feita à mão do que o Zemeckis fez em O Expresso Polar e Beowulf, sabe? Você já imagina, portanto, que este processo não é daqueles mais simples, não é mesmo? ;)
O vídeo de Take on Me demorou quatro meses pra ficar pronto. “Normalmente, clipes são gravados inteiros em um dia, com a banda tocando em um galpão abandonado e deu. Mas, neste caso, por exemplo, foi um dia inteiro apenas para fazer a filmagem que daria origem à parte que parece história em quadrinhos”, explica Paul. Depois, foi a vez do ilustrador Mike Patterson entrar em cena, fazendo nada menos do que 2.000 ilustrações em cima das cenas com os atores e os músicos.
“Eu tinha feito um curta chamado Commuter, que usava este mesmo estilo de animação do vídeo de Take on Me”, revela Mike Patterson, também ao The Guardian. “Eu estava experimentando. Se você olhar para as pinturas de JMW Turner (pintor inglês conhecido como o pintor da luz), vai ver de onde veio a inspiração: o estilo é impressionista, mas dá para ver a realidade. Eu queria fazer animação com aquela qualidade”. Tentando vender o curta para Hollywood, ele chegou até a negociar com um figurão do cinema que queria a coisa praticamente de graça. “Eu mandei ele se foder”. Mas Mike ficou com o telefone do sujeito mesmo assim. Quase um ano depois, lá estava ele em Los Angeles, sem dinheiro, e aí resolveu tirar aquele papel amassado da carteira e ligar para o cara e disse “Olha só, você tá interessado em fazer um clipe?”.
Logo depois, o ilustrador estaria diante de Jeff Ayeroff, um dos grandes figurões da Warner, responsável por lançar ninguém menos do que a Madonna, escutando ele contar sua ideia para o vídeo do A-há: “Pensei numa coisa meio assim: um personagem de quadrinhos que sai das páginas e se apaixona por uma garota do mundo real”. O resultado a gente já sabe. :)
“Certa vez, parei num posto pra abastecer o carro”, conta ele, “e o atendente estava sentado desenhando. Eu perguntei o que ele estava fazendo. E ele disse: estou copiando o trabalho deste cara. Sabe, aquele que fez o vídeo do A-ha?”.
Depois de uma versão Deluxe lançada pela Warner em 2010, agora está saindo nos EUA a versão pica das galáxias Super Deluxe Edition do disco Hunting High and Low. Estão lá as versões demo das músicas, versões estendidas, lados B, versões nunca ouvidas das músicas e até um DVD com os clipes de todas as músicas – incluindo aquele de Take on Me gravado em 1984. Para os fanáticos por informação, o álbum traz ainda um livro em capa dura de 60 páginas, contando como a banda surgiu, como foram descobertos e todo o processo de gravação do disco, incluindo fotos inéditas e até imagens dos bastidores da foto da capa do disco.