Templo Satânico não gostou nada de ver o Baphomet na série da Sabrina | JUDAO.com.br

Lucien Greaves, cofundador do grupo chamado The Satanic Temple, acha que a estátua de Baphomet que aparece no programa se parece DEMAIS com aquela que eles inauguraram como protesto em 2015 — e isso pode ser não apenas um problema de direitos autorais

Quem acompanha o mundinho da cultura pop tá mais do que acostumado a ver notícias a respeito de grupos religiosos conservadores se posicionando contra este ou aquele filme / seriado / gibi / banda. Nomes como a Westboro Baptist Church e o One Million Moms já se tornaram bastante comuns em protestos, manifestos e ações judiciais contra produções tão diversas como as séries dos Muppets, Lucifer, Preacher e até um gibi que mostrava o casamento de dois personagens gays.

Agora... confesso que, nestas mais de duas décadas trabalhando com jornalismo de entretenimento, é a PRIMEIRA vez que vejo uma organização satânica se manifestando contra uma série de TV. Mas e não é que isso tá REALMENTE acontecendo? :)

O alvo, no caso, é O Mundo Sombrio de Sabrina, série que o Netflix estreou na última semana. E quem tá ameaçando com o famoso processinho é o Satanic Temple, organização americana surgida em 2012 e fundada por Malcolm Jarry e Lucien Greaves — este último, no caso, seu principal porta-voz e a pessoa que inicialmente anunciou a medida legal em sua conta no Twitter.

Até o momento, tudo que rolou foi que o advogado que representa a associação enviou uma carta ao serviço de streaming de Los Gatos, pedindo que a imagem da estátua que é recorrentemente vista no centro da escola de magia que Sabrina frequenta, a Academy of Unseen Arts, seja mudada, sabe-se lá como, e que haja, de alguma forma, uma retratação.

O ~problema é que ela é idêntica àquele monumento de quase três metros de altura que o grupo inaugurou em 2015 e atualmente está na cidade de Detroit. Em ambas, temos a imagem da entidade conhecida como Baphomet (cujas primeiras menções surgiram ainda na época das Cruzadas e que acabou popularizada principalmente como parte da cosmologia do ocultista Aleister Crowley) com a mão direita erguida e ladeada por duas crianças.

A arte lembra uma popular ilustração do século 19, dos livros do francês Eliphas Lévi, o bode humanoide com duas asas e pentagrama na testa, que passou a ser associado à uma figura do panteão satânico. Mas, em ambos os casos, sem os seios, cujo objetivo era justamente tornar a representação andrógina.

Na real, a semelhança entre ambas as representações já tinha sido notada ANTES, e a Vice inclusive tinha perguntado a respeito para Lisa Soper, designer de produção da série. “Eu acho que é só uma coincidência. Há realmente algumas estátuas de Baphomet: eles têm sua estátua e nós temos a nossa estátua, na série. Se você olhar para pinturas de Goya, se você olhar para muitas das cartas de tarô, ou para a obra de Crowley – ele sempre com seu pessoal ao redor, como um tipo de figura paterna”.

Esta versão de Sabrina não é, nem de longe, a mesma que se viu naquela série da Nick de 1996, Sabrina, Aprendiz de Feiticeira, toda fofa e inocente. A produção do Netflix é inspirada na HQ Chilling Adventures of Sabrina, escrita por Roberto Aguirre-Sacasa numa pegada bem mais sombria e macabra. Justamente por isso, a figura do diabo, o principal antagonista da garota meio-bruxa meio-humana, é tão importante na trama. Mas estamos falando aí de um sujeito violento e misógino. E está AÍ a questão.

“Isso é muito problemático para nós”, afirma Greaves, que diz ter visto pelo menos um pouco da série, em entrevista ao SFGate. “Mas mesmo que não fosse o caso, seríamos obrigados a fazer esta reinvindicação de direitos autorais porque é assim que eles funcionam”. Ele ainda explica que seria preciso fazer isso já na estreia, caso contrário teriam o argumento esvaziado. “Nós teríamos que mandar uma mensagem”.

Mas a principal preocupação do Satanic Temple, na verdade, é um pouco maior do que apenas uma questão artística. “É angustiante porque você tem que se preocupar com a associação que está sendo feita. As pessoas verão nosso monumento e não saberão qual veio primeiro. De certa forma, isso enfraquece o nosso ícone central”. Para ele, isso pode ajudar a incitar o que ele está chamando de “pânico satânico”. Eles têm medo que esta interpretação visual faça com que este Baphomet seja automaticamente interpretado como algo “mau” e faça, portanto, com que as pessoas tenham medo do grupo.

Eu sinto que o uso de nossa imagem, exibida ficcionalmente como central para algum culto canibalístico ou algo assim, tenha efeitos prejudiciais no mundo real para nós

Olha, a preocupação do Satanic Temple é justificável, por mais que esta história toda pareça (e, bom, de alguma forma seja mesmo) uma divertida loucura. Porque tanto o Satanic Temple quanto a Church of Satan, de Anton LaVey, não são, como a sabedoria popular pode sugerir, grupos de pessoas que sacrificam virgens em cerimônias de sangue. Na real, eles não são nem exatamente uma “religião”, porque não acreditam no Satanás sobrenatural, mas sim na sua versão literária, o eterno rebelde contra a autoridade e as normas sociais, enquanto metáfora para se focar em pilares como o pragmatismo, a racionalidade, a autonomia e a curiosidade.

“Incentivar a benevolência e empatia entre todas as pessoas”, é a missão declarada do Satanic Temple, que faz uma série de ações públicas por vezes artísticas e bem-humoradas e por vezes legais, a ponto de ir aos tribunais, para garantir a liberdade religiosa e, ao mesmo tempo, ajudar a mostrar toda a hipocrisia por trás dos dogmas religiosos. Entre suas principais defesas, estão a luta contra leis que restringem de forma não científica a autonomia reprodutiva das mulheres (aka a galera contra o aborto), contra praticantes pseudocientíficos nocivos fraudulentos (aka a galera antivacina) e contra reclamações sobre cuidados de saúde mental (aka a galera do “depressão é frescura”).

A tal estátua de Baphomet é um destes exemplos de ações provocativas que os caras resolveram conduzir. Em 2014, eles entraram com uma campanha de financiamento coletivo para poder construir a parada, com o objetivo de colocar na frente do capitólio do estado de Oklahoma. O objetivo? Ter o mesmo destaque que um certo monumento em homenagem aos Dez Mandamentos, instalado no mesmo lugar, em 2012, por Mike Ritze, membro da câmara de representantes do estado. Porque, afinal, se uma crença pode, por que as outras não poderiam? ;)

No final, o Satanic Temple venceu a batalha, porque a Suprema Corte de Oklahoma determinou que o tal monumento dos Mandamentos “violou a proibição constitucional de Oklahoma no que diz respeito ao uso de propriedade pública para beneficiar uma religião em particular”. Estado laico, já ouviu falar?

“Uma das nossas maiores missões sempre foi combater caças às bruxas e o temor público de pânicos irracionais”, explica Greaves, agora pra Vice. “Temos vistos sinais de um revival deste pânico sobre Satã voltando e, como satanistas, queremos fazer o nosso melhor para lutar contra representações negligentes. (...) Caso eles tivessem nos pedido, a resposta teria sido NÃO”.