A Terrível Maldição do Mainstream | JUDAO.com.br

Porque parece que é proibido ter sucesso. Bom mesmo é ralar a vida inteira numa garagem e não ter dinheiro pra chupar um picolé.

A-Arca JUDÔNICA tem como INTUITO resgatar algumas das melhores publicações dos quase 15 de existência do Judão... e d’A-Arca. Republicaremos por aqui algum artigo, entrevista, podcast ou qualquer coisa que tenhamos feito na nossa vida que faça algum sentido nos dias de hoje. Gotta get back in time!

“Ah, eu só gostava desta banda nos primeiros discos. Agora eles tocam em tudo que é rádio. Viraram pop. Se venderam”. Quem nunca ouviu este papinho furado? Pois é. Lembrei imediatamente da coluna abaixo, que escrevi no antigo espaço batizado de 88FM, por conta da repercussão da turnê do Foo Fighters no Brasil.

Da mesma forma em que as redes sociais se encheram de pessoas empolgadíssimas com as apresentações de Dave Grohl por aqui, incluindo alguns tipos que não estão necessariamente dentro do estereótipo padrão do “fã de rock”, também se entupiram de sujeitos meio blasé desdenhando dos shows. “Eles eram bons quando tocavam nas garagens de Seattle, quando faziam show nos botecos”, como se uma grande produção de palco e o fato de tocar para milhares de pessoas ao invés de um grupo de gatos pingados bêbados fosse fazer uma banda ser mais ou menos rock.

Aliás, quando foi que um grupo/artista se tornar grande e entrar de cabeça no chamado mainstream, o contrário do underground, virou pecado mesmo...?

Já tentei entender por conta própria, já tentaram me explicar exaustivamente durante horas de papo numa mesa de bar, e ainda assim não consigo compreender esta história. Funciona assim: o fulano é fã de uma determinada banda. Os caras começaram agora, tão ralando pra caramba, pagando os shows do próprio bolso, lançando discos de maneira completamente independente, experimentando formas alternativas de distribuição. Tudo no maior esquema de “sangue, suor e lágrimas”.

O som que eles fazem é bom. A legião de admiradores começa a aumentar. Um sujeito de uma gravadora abre os olhos. E pinta com um contrato para eles. Vão fazer apresentações para grandes plateias, tocar na TV, ganhar os primeiros lugares das rádios. E não demora muito para aparecerem os primeiros pentelhos que dizem: “estes caras são uns vendidos”. O João Gordo deve conhecer bem a frase: “traidores do movimento”. Afinal, ele apresenta um programa na MTV, tornou-se imediatamente um escroto e não pode mais ser considerado um cara de atitude à frente do Ratos de Porão.

Mainstream_02

Catso. Juro que isso não entra na minha cabeça.

”Eu seria vendido se trabalhasse oito horas por dia e estivesse numa folha de pagamento”, disse em entrevista a este que vos escreve o vocalista do Dead Fish, Rodrigo, para o finado portal AOL. Já a baianinha arretada Pitty, também batendo um papo comigo, foi mais fundo ainda na crítica: “Este tipo de sentimento é pura inveja. Quando vejo uma banda dando certo, se dando bem, fico mais é feliz. É uma oportunidade de mostrar seu trabalho. O que uma banda quer, meu Deus do céu? Não é lançar discos? Não é tocar para um monte de gente que se amarra no seu som? Qual é o problema de se associar a um selo ou gravadora de maneira honesta?”.

E eu sou obrigado a concordar em gênero, número e grau.

Pensemos: o sonho do cara é ser músico. É viver de música, é ter isso como sua profissão. E não ter que trabalhar como bancário durante o dia inteiro para ter que quebrar a cabeça aos finais de semana enquanto tenta arranjar qualquer boteco para poder tocar com os colegas de banda, gastando o que tem e o que não tem para levar os instrumentos. Quando finalmente surge esta chance, a oportunidade de ouro para poder se dedicar 100% a isso, quando a música enfim vira trabalho e as estruturas começam a trabalhar a favor do negócio todo, surgem também as críticas.

Aconteceu assim, por exemplo, com o Sepultura quando veio a consagração internacional (“eles não são mais a mesma banda de antes”, diziam os puristas) e com o CPM 22, assim que eles emergiram do cenário HC independente.

Mainstream_04Mas, vem cá… não é legal que a sua banda favorita possa trabalhar do jeito que sempre quis, dedicando-se de corpo e alma aos seus projetos, atingindo uma galera muito maior? Não seria legal ver aquela sua banda tão querida rolando em tudo quanto é rádio, atingindo públicos muito maiores? Eu fico cá comigo, matutando, como seria demais se todas as pessoas tivessem mais oportunidades de conhecer coisas das quais eu gosto tanto quanto o Blind Guardian e o Edguy, por exemplo. Os discos chegariam de maneira mais fácil por aqui, os shows aconteceriam com ainda mais freqüência, eu poderia comprar camisetas deles em qualquer lugar… Isso não seria lindo? Ou é só a minha cabeça bizarra trabalhando a todo vapor?

O problema é que boa parte dos fãs ainda têm em mente um tipo de conceito pré-estabelecido da música pop dos anos 80, aquele arquétipo meio babaca da indústria fonográfica como uma batalha do bem contra o mal – é mainstream, todo mundo ouve, todo mundo gosta, então automaticamente é uma porcaria. E eu estou proibido de gostar também. Tsc, tsc. Quem foi que disse que, quando um artista acaba dentro de uma gravadora, é sinal de que ele vai ser vítima de contratos abusivos e nunca mais vai poder manter o controle criativo sobre seu trabalho? Vejamos o caso de nomes como o R.E.M. e o Pearl Jam. Quem, em sã consciência, poderia dizer que caras como Michael Stipe ou Eddie Vedder são meros “paus-mandados”, que não fazem o que bem entendem com sua música mesmo tendo suas assinaturas em contratos bilionários?

É possível, sim, estar “na mídia” e ainda assim manter sua postura e sua dignidade. Se fosse assim, já teriam mandado os caras do Rage Against The Machine ou mesmo do System of a Down calarem a boca há muito tempo.

Putz. Será que estes fãs pentelhos querem ver todo mundo se lascando a vida inteira?

Desculpem pelo desabafo. Mas eu precisava disso. Argh.