Season finale da série do Corredor Escarlate consegue fechar lá em cima uma grande temporada, redefinindo as histórias da DC na TV como um todo
Quem nunca quis ter a chance de voltar no tempo? De mudar algo que aconteceu errado, de salvar alguém que ama? A primeira temporada de The Flash foi inteirinha sobre isso, sobre como um herói pode salvar a vida de todos, menos aquela que está no passado. Aquela que, pra ele, é a mais importante.
A própria mãe.
O season finale da série do Corredor Escarlate, exibida lá nos EUA na última terça-feira (19), foi do caralho, conseguindo conseguiu entregar de forma consistente as últimas pistas e acontecimentos que eram prometidos desde o episódio piloto. Barry Allen finalmente confronta aquele que todos imaginavam ser Harrisson Wells, mas que, na realidade, era Eobard Thawne, o Flash Reverso AND arqui-inimigo do Flash – mas não DAQUELE Flash. E é aí que fica latente o primeiro toque de gênio dessa temporada, a primeira grande LIÇÃO.
The Flash mostrou que é possível, de um lado, ser fiel ao espírito dos gibis e à concepção dos personagens, mas ao mesmo tempo não ficar preso ao que já foi contado nas revistas. Exatamente como vimos nas HQs há alguns anos, a série introduziu o conceito de que o Reverso voltou no tempo e matou Nora Allen – para, a partir daí, criar um plot twist ótimo: a morte da mãe de Barry faz com que ele nunca se torne um herói. Em um efeito em cadeia, Thawne não consegue mais acessar a Força de Aceleração e fica preso no passado, sem conseguir voltar para a própria época. É obrigado a matar e se passar pelo Professor Wells, fazendo as coisas acontecerem para que Barry se torne o herói que ele precisa, para só então conseguir voltar pra casa.
Aquele que Thawne desejava matar se torna a principal salvação. Mais do que isso: se torna quase que como um filho. Bom, dizem que amor e ódio são faces da mesma moeda. Se colocasse tudo isso numa minissérie escrita por um nome famoso e com uma arte legal, seria uma das maiores graphic novels da história. Só que foi contado em uma série de TV. Do canal CW.
A hashtag que a Marvel tentou emplacar pra Agents of SHIELD / Vingadores: Era de Ultron
se encaixa e funciona muito melhor em The Flash. Com o que vimos no season finale, é possível entender bem cada um dos mistérios que vêm desde o primeiro episódio, começando pelo misterioso jornal, já que ele sempre foi o termômetro para o falso Wells saber se o plano dele estava certo e Barry Allen se tornaria realmente o Flash que ele precisava.
Outro detalhe que fica claro, por exemplo, é como Cisco conseguiu ter flasbacks do futuro alternativo evitado por Barry, quando ele morre pelas mãos (ou, literalmente, pela mão) do Reverso: ele consegue sentir as vibrações dos universos paralelos, um dom dado pela explosão do acelerador de partículas do episódio piloto. Cisco já é (ao menos quando falamos de poderes) o herói Vibro, mesmo que ninguém tenha percebido, nem ele próprio.
Só que sem perceber, também, isso já introduziu o conceito do MULTIVERSO. Algo que fica ainda mais claro lá pra frente no episódio, quando pouco antes do Flash Reverso embarcar na máquina do tempo vemos a chegada do capacete do Flash da Terra-2, Jay Garrick, o personagem original da Era de Ouro e que no Brasil foi chamado por muitos anos de Joel Ciclone.
Se tudo se encaixou antes, vai continuar se encaixando agora. O capacete não apareceu lá à toa. “É a minha deixa”, explicou Wells ao vê-lo, deixando claro que ele sabe o motivo daquele capacete do outro Flash estar ali — é de se esperar que o vilão tenha imaginado que tudo fosse dar errado e utilizou o Multiverso pra sair daquela situação e o Flash-Reverso provavelmente está vivo. Até porque o produtor executivo Andrew Kreisberg JÁ confirmou que o ator Tom Cavanagh continua como parte do elenco na segunda temporada.
E isso é sensacional, afinal Cavanagh (e o Grant Gustin!) chutaram todas as bundas neste primeiro ano.
Digamos também que aqueles acontecimentos foram a deixa pra diversos outros plots futuros. Pra começar, a própria existência do Multiverso abre as portas não só pra contar outras histórias, como também fazer uma ponte consistente entre o que é contado na TV e o que está saindo nos cinemas. Dois Flashs, um na tela grande e outro na pequena? Parte do Multiverso! Não precisa necessariamente haver crossovers entre Grant Gustin e Ezra Miller, mas só deixar essa janela aberta com algumas brincadeiras e easter eggs já é o suficiente. Lembrando que, claro, o Flash das HQs consegue viajar entre os Multiversos usando uma esteira cósmica igualzinha aquela que tem nos Laboratórios STAR da TV.
E o Flash, que tinha 1mins52segs pra salvar a mãe? 52, esse número que já apareceu diversas vezes na série, é justamente o número de Terras alternativas do atual Multiverso DC dos quadrinhos.
Além disso, a morte do Wells cria um paradoxo no tempo que não apenas alimenta o wormhole que eles tinham acabado de fechar, como também abre espaço para os acontecimentos que devem motivar a série DC’s Legends of Tomorrow. Já sabemos, pelo trailer que rolou, que tudo envolve o vilão Vandal Savage, viagens temporais e o viajante do tempo Rip Hunter. É fácil imaginar que o problema deve ter começado justamente na burrada feita por Barry e seus amigos.
(Aliás, bem que eles poderiam ter esperado uma semaninha pra revelar Legends of Tomorrow, né? Imagina a galera enlouquecendo com o que veria nesse episódio?)
São tantas deixas que acabei nem mencionando, propositalmente, algumas delas. Quando Barry viaja no tempo, vê diversos fatos do futuro e do passado. Entre eles, a Caitlin Snow como a vilã Nevasca, o Museu do Flash e o que aparenta ser o próprio Barry Allen preso. Um universo paralelo, talvez? Pode ser. Mas também pode ser uma referência ao arco dos gibis nos anos 80, Trial of the Flash, quando o nosso herói é julgado (e condenado!) por quebrar o pescoço do Flash Reverso. Também, o vilão tinha matado a Iris e se preparava para fazer o mesmo com a nova esposa de Barry Allen...
Outro fato interessante é quando Barry finalmente chega no passado, momentos antes da mãe ser morta. Entre a dúvida de salvá-la e arrumar algo que não deveria acontecer ou não salvá-la e manter a linha temporal como ele conhece, o Flash olha para a versão futura dele próprio que faz um sinal de “não”. Teoricamente, aquele Flash futuro nunca perdeu a mãe. Teoricamente, aquele Flash futuro ia gostar de ver uma versão passada dele mesmo, pra poder pedir uma ajuda.
Mas, teoricamente, ele já pode ter voltado no tempo e tentado salvá-la. “Been there, done that”. Teoricamente, aquilo talvez não tenha dado certo... Nunca vamos saber – provavelmente foi só uma brincadeira dos produtores – mas, nos gibis, Barry Allen faz exatamente a mesma coisa, evitando que o Flash Reverso mate a mãe dele, e isso causa um efeito borboleta que leva a DC ao caótico universo paralelo de Flashpoint.
Por mais que não fosse originalmente para Nora Allen morrer, qualquer ligeira alteração pode ter significados enormes para todo o universo.
Ok, ainda assim dá pra dizer que rolou um “efeito borboleta” por conta de The Flash, mas isso foi em Arrow. A série do herói encapuzado começou extremamente sombria, bebendo de uma versão mais pesada do Arqueiro Verde nos gibis (pra você que vive falando no Batman, sugerimos a leitura de Caçadores) e com claras influências do clima que Christopher Nolan tinha criado nos cinemas. Só que a produção não ficou presa a esse tom, estática.
O mais legal de Arrow sempre foi a construção de Oliver Queen em Arqueiro e, eventualmente, em Arqueiro Verde. Na primeira temporada, ele era o justiceiro assassino conhecido como Capuz. Na segunda temporada, passou a usar a máscara ao invés da pintura de guerra e migrou de assassino para um herói. Nesta terceira temporada, com o uniforme cada vez mais super-herói e a participação mais ativa de elementos vindos de Flash (incluindo até um vilão com superpoderes, coisa que não rolou nas temporadas anteriores), vimos o Arqueiro questionando sua própria identidade e tentando entender, depois de tudo que rolou nos últimos anos, quem era o verdadeiro Oliver Queen (bola que a gente tinha cantado aqui, aliás).
O Corredor Escarlate ajudou os produtores de Arrow a encontrarem um tom próprio, algo que não seja como o lugar sombrio que a DC tem visitado nos últimos anos nos cinemas, mas também que não seja exatamente algo como a Marvel está fazendo. No fim, quando Oliver Queen larga o uniforme e resolve deixar Starling City nas mãos de seus companheiros pra viver intensamente o romance com Felicity, temos um gancho para que ele se torne um pouco mais leve, sem todo o peso das tragédias que carregava desde seus dias tendo que sobreviver naquela ilha maldita. Quando começar a quarta temporada, tudo indica que este Oliver estará ainda mais próximo de sua contraparte mais conhecidas nas HQs.
Stephen Amell já disse, inclusive, que usou o uniforme de Arrow pela última vez. Faz sentido. A reputação daquela persona está arruinada depois de tudo que aconteceu, por mais que Roy Harper tenha assumido a identidade e limpado a barra de Oliver. Mas o Arqueiro, do jeito que o conhecemos, virou motivo de desconfiança em Starling City. Assim que Oliver e Felicity voltarem (o que, obviamente, deve acontecer), Oliver Queen vai precisar de outro uniforme. Um que seja menos sombrio, pra ganhar novamente a confiança da população. Um que seja mais heroico. Está aberta a porta para que vejamos, de uma vez por todas, Oliver se tornando o Arqueiro Verde de fato. Tudo com um clima que, se não vai ser tão leve e iluminado quanto o do Flash, promete ser mais light, pelo menos.
E John Diggle? Tudo leva a crer – incluindo a piadinha final na porta do elevador – que ele vai continuar ajudando as meninas do #TeamArrow, a Canário Negro e a Speedy vivida por Thea Queen, com seu próprio uniforme mascarado. Voltam à tona todas as discussões sobre ele se tornar John Stewart. Junte a isso Amell dizendo que Coast City, a cidade do Lanterna Verde, vai ter um papel importante na próxima temporada, as menções recorrentes à Ferris Air e a um certo “piloto desaparecido” (Hal Jordan, alguém?) e bingo, tome mais um herói pra a coleção.
Por isso Flash e Arrow são tão legais. Elas hoje são a DC em seu estado mais puro, mas sem nunca serem óbvias. É algo que é divertido, empolgante e, principalmente, acessível ao telespectador normal enquanto se mantém ainda mais interessante pro cara que lê (ou já leu) os gibis.
Por tudo isso, dá pra dizer: Zack Snyder e seu pessoal ainda terão que comer muito arroz com feijão pra chegar próximo do que a galera de Arrow e Flash conseguiu fazer na TV com muito menos dinheiro...