The Nevers: ah shit, here we go again | JUDAO.com.br

Aparentemente, Joss Whedon continua sendo Joss Whedon. E isso nem sempre é uma boa notícia…

Não é necessariamente novidade que Joss Whedon é criticado pela forma como aborda e trabalha suas personagens femininas em produções cinematográficas e televisivas. Lembrem-se da quantidade de abusos que a coitada da Buffy sofreu (por mais que o próprio tenha dito que queria fazer uma série “feminista”) ou até mesmo daquele desastroso roteiro felizmente rejeitado de um filme da Mulher-Maravilha em que a heroína fazia uma DANÇA SENSUAL para distrair bandidos, entre outros absurdos.

Sobre este último, escrito em 2006, estamos falando de uma história machista e misógina que ainda é vista com bons olhos pelo diretor — e isso não deixa de ser preocupante. Uma das melhores coisas da vida é crescermos e termos a possibilidade de mudarmos nossa visão de mundo a partir de novas vivências e relacionamentos com grupos cada vez mais diversos...mas parece que o diretor não passou por esse processo.

Recentemente, Whedon anunciou que retornaria para a televisão com um drama de ficção científica intitulado The Nevers que, novamente, terá uma personagem feminina em destaque. Encomendada pela HBO, a série acompanha um grupo de mulheres vitorianas com “habilidades incomuns, inimigos implacáveis” e aquela tal missão que pode “mudar o mundo”. Tirando a ambientação, todos esses elementos estão presentes em histórias do diretor e podem ser facilmente reconhecíveis. Só que isso não necessariamente é uma coisa boa.

A Entertainment Weekly divulgou informações sobre os doze personagens de The Nevers e a descrição de algumas das mulheres mostram o retorno do padrão narrativo do cineasta, que será o showrunner/diretor/roteirista.

Assim como boa parte das suas protagonistas, a heroína da nova série, Amalia, vivida por Laura Donnelly (Outlander), é apresentada como “imprudente, impulsiva e emocionalmente danificada”. Sem precisar fazer uma análise muito aprofundada sobre todas as personagens já criadas por ele, não é difícil percebermos que suas protagonistas sempre são mulheres emocionalmente traumatizadas que passam por situações ainda mais traumatizantes no decorrer da história.

É ainda mais incômodo o fato de sempre existirem elementos de violência sexual que, muitas vezes, são usados para torturar suas heroínas. A descrição ainda aponta que a personagem é “uma ameaça à sociedade vitoriana, ela morreria pela causa e mataria por uma bebida”.

A série ainda apresenta outra personagem, a Maladie de Amy Manson, descrita como “comprometida por seu marido (e genuinamente instável), ela foi distorcida por um poder que não consegue entender e torturada por médicos decididos a encontrar sua fonte”. Frise as palavras “genuinamente instável” e “torturada por médicos” e espere uma grande quantidade de sofrimento para a personagem, que comanda uma gangue de assassinos e é descrita como “uma louca com uma causa”.

Isso não quer dizer que personagens traumatizadas não devam ser criadas, longe disso. Nem toda mulher precisa ser boazinha, queremos sim mulheres como boas personagens vilãs, malucas, perturbadas. Mas esse recurso narrativo de Whedon dificilmente serve para abordar uma temática mais profunda ou uma discussão SOBRE os problemas da personagem. O ponto está no sadismo de determinadas narrativas e a necessidade de destruir emocionalmente suas personagens sem o menor tato, apenas pelo “bem da narrativa”.

Além da obrigação de criar uma boa história, o escritor também tem a responsabilidade com a forma como lida com seus personagens. Parece fácil, mas não é. Todo personagem precisa de um desafio ou uma provação pelo caminho que justifique sua história, mas é estranho quando um roteirista apenas parece se divertir com o sofrimento das suas personagens.

No fim, Whedon cria personagens traumatizadas que ostentam muita força para se defender, principalmente a partir da violência, e são apenas mais uma representação da fantasia masculina da mulher poderosa. Assim como o tal roteiro de Mulher-Maravilha, que mostra um ser extremamente poderoso sendo direcionado pelas escolhas masculinas de Steve Trevor.

Criar representações femininas não é fácil e se torna ainda mais difícil quando o escritor está lá tão preso em suas próprias convicções equivocadas...