They are Twisted FUCKING Sister | JUDAO.com.br

Finalmente lançado em DVD/Blu-ray e já disponível no Netflix, documentário acerta no alvo ao mostrar um lado da banda que quase ninguém conhece

Faz todo o sentido que o documentário We Are Twisted Fucking Sister!, dirigido pelo alemão Andrew Horn e lançado originalmente em 2014, esteja ganhando mais uma chance este ano, com o lançamento nas versões em DVD/Blu-ray e sendo enfim disponibilizado em plataformas de streaming como o Netflix. Afinal, é no próximo dia 30 de Maio que o Twisted Sister dá início à sua turnê de despedida, que também celebra oficialmente seus 40 anos de carreira e faz uma justa homenagem ao baterista AJ Pero, morto em 2015. Em seu lugar, toca ninguém menos do que Mike Portnoy (ex-Dream Theater), que o próprio Pero substituiu no supergrupo Adrenaline Mob.

Por causa de The Nomi Song, documentário de 2004 sobre a vida do cantor alemão Klaus Nomi, o cineasta Horn se aproximou dos músicos do Twisted Sister – afinal, Nomi chegou a abrir apresentações do TS em New Jersey. Conforme foi conhecendo a história dos 10 primeiros anos da banda, o diretor se interessou em retratar aquele período e fez uma campanha de financiamento coletivo no Indiegogo, que contou inclusive com o ENDOSSO do próprio vocalista, Dee Snider. Deu no que que deu. :)

Você muito provavelmente deve conhecer o Twisted por causa do figurino excêntrico e dos hits I Wanna Rock e We’re Not Gonna Take It, que geraram clipes icônicos e hilários. Mas este filme não chega nem perto deste momento. Acertadamente, ele explora o nascimento do grupo muito antes de se tornar queridinho da MTV e dominar as paradas de sucesso. O recorte histórico que o diretor fez mostra o quinteto em suas origens de muita ralação na cena dos bares de Long Island e região no começo dos anos 1970, tornando-se uma espécie de fenômeno local.

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Jay Jay French, guitarrista e ainda um jovem aspirante a músico, ficou pirado lá em 1972 com a pegada glitter de nomes como David Bowie, Mott The Hoople e principalmente os New York Dolls. Quando foi montar sua própria banda, justamente em meio à efervescência do punk em Nova York, não teve medo de colocar todo mundo vestindo roupas femininas e usando maquiagem pesada. Eram um bando de drags roqueiras. Mas, conforme um executivo da Secret Records, gravadora inglesa que foi a primeira a dar uma chance para a banda relatou, eles eram caras grandes, fortes, feiosos, com pinta de malvados, tocando um som ríspido e agressivo. Mas de batom (segundo Dee, o mais vermelho possível, aliás).

Pareciam lenhadores vestidos de mulher, isso sim.

Dee Snider, aliás, estava longe de ser um frontman típico. De voz rasgada, sem falsetes, ele provocava a plateia. Uma verdadeira metralhadora de palavrões, chegava a fazer uma espécie de bullying quando percebia que alguém estava ali, meio de lado, de braços cruzados, sem curtir a apresentação como deveria. Tanto ele quanto Jay Jay falavam pra caralho no palco, entre as músicas, fazendo piadas e promovendo joguinhos de “quem bebe mais até vomitar” e incentivando a destruição de cartazes sobre a disco music, considerada o inimigo a ser combatido. Até fotos do John Travolta eles rasgavam.

Detalhe: mesmo naquela época, Jay Jay e Dee não bebiam, não fumavam e não usavam drogas. Eram loucos assim bem caretas mesmo. :)

Twisted Sisters

O trecho em que eles revelam que se tornaram a banda preferida de boates disco que estavam fechando e tinham tretas rolando com os senhorios é impagável. “Tragam seu público para cá e deixem que eles destruam tudo”, era o pedido. O Twisted Sister cumpria. E com as provocações tradicionais, em pouco tempo tinha gente agindo de forma tão selvagem que estava arrancando até as pias dos banheiros. o_O

Aliás, dá pra dizer que We Are Twisted Fucking Sister! talvez seja um dos documentários de rock mais divertidos da história, porque a trama de ralação tem uma dose cavalar de humor, dada a imensa quantidade de roubadas nas quais eles se metiam.

Obviamente que eles começaram como todo mundo, tocando covers – de Bowie, dos Stones, do Zeppelin, até do Dylan. Mas logo decidiram que não queriam mais ser “uma jukebox humana para bebuns e adolescentes com tesão se agarrando na pista”. Eles não queriam ser trilha sonora dos boliches e bares da praia de Long Island, para meia dúzia de gatos pingados. “Não vamos ser ignorados”, virou o seu lema. E deixando as versões pra lá, começaram a fazer os visitantes engolirem suas músicas autorais, construindo ao longo de uma década uma base de fãs fiéis — batizados de Sick Mother Fuckers (SMF) — que os seguiam a qualquer um dos clubes de maior porte (entre 2.000, 3.000, chegando até a 5.000 pessoas) na chamada tri-state area de Nova York, Nova Jersey e Connecticut.

“Nosso agente nos fazia trabalhar até a morte, tocando entre 5 e 6 noites por semana, fazendo de 4 a 5 shows por noite. Tinha apresentação que ia acabar às 6 da matina”, contou Jay Jay, em entrevista ao Blabbermouth. “Naqueles tempos, chegamos a tocar em um clube de 3 a 6 noites seguidas. No caso do Mad Hatter, que fica em East Quouge, tocamos 78 noites entre os meses de maio e setembro”.

O foco da história, obviamente, acaba girando muito mais em torno de Jay Jay e Dee, aqueles que falam melhor e são os principais porta-vozes da banda – inclusive sem medo de retratar a “rivalidade” que existia entre eles. Dee, o mais novo do time tanto em tempo de casa quanto em idade, já conhecia a fama local do Twisted Sister quando entrou. Mas Jay Jay, na posição de líder, não aceitava as suas composições. Foi o bastante para que o cantor teimoso e FALASTRÃO pensasse: “ah, é? Pois vou mostrar pra este filho da puta quem é que manda”. E produziu de maneira tão insana que, algum tempo depois, se tornaria o principal compositor do grupo.

O que não faltava era gente pirando com os caras, comprando as camisetas, fitas demo e qualquer pedaço de merchandising que eles mesmos faziam. Mas eles tinham chegado ao ápice. Por mais que fossem gigantes dentro daquele circuito, eles ainda eram vistos pela indústria como uma banda de boteco. Como um bando de palhaços que se vestiam de mulher. Não eram levados a sério. E ali começou uma outra luta: fazer com que os executivos de gravadoras entendessem o potencial da banda e dessem a eles a chance de lançar um disco e mostrar a cara. Aqueles 5.000 fãs que lotavam as casas nas quais eles tocavam poderiam se transformar em milhões.

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Nem que, para isso, eles tivessem que enfrentar os olhos virados de homens de negócios tradicionalistas, aviões pifando quando deveriam trazer a pessoa certa para ver seu show, fitas de apresentação sendo jogadas no lixo sem nunca ser ouvidas, gravadoras indo à falência pouco depois de lançar seu álbum – e até o público pouco amigável de uma banda barulhenta para a qual eles foram abrir na Terra da Rainha, um tal de Motörhead. E quando Dee e Jay Jay contam o que aconteceu depois, quando as garrafas estavam sendo preparadas para ser jogadas no palco, acredite: você vai amar o Lemmy ainda mais. <3

“A real história do Twisted Sister é esta dos 10 anos nos clubes”, crava o guitarrista, no comunicado oficial sobre o filme. “Os anos que passamos desenhando o nosso caminho nesta cena dos bares. Aprendendo como fazer a ordem surgir do caos e como vencer em situações horríveis. E isso foi único para o Twisted. Eu falo com centenas de bandas e nenhuma passou pelo que passamos”.

Uma pena que esta seja última turnê dos caras – porque, conforme disse Randy Jackson, vocalista da Zebra, banda de hard rock que dividiu os mesmos bares muitas vezes com o Twisted Sister, eles são invencíveis ao vivo. Eu pude ver isso pessoalmente quando, em 2009, eles passaram pelo Brasil pela primeiríssima vez, em uma performance monstruosa no finado Via Funchal, em São Paulo. Sério: um dos melhores shows que já vi na vida. Aliás, SHOW, tudo assim mesmo, em caixa alta.

Se esta turnê de despedida passar pelo Brasil, minha sugestão é para que você esteja lá. Eu, pelo menos, estarei. Porque, não importa quantos discos já tenham lançado e quantas entrevistas já tenham dado: quando estão no palco, estes respeitáveis senhores tocam com a mesma fúria e vontade de quando estavam diante de um bando de bêbados nos botecos de Long Island.

Afinal, como diz a própria música deles: the fire still burns.