Anthony Russo, codiretor de Capitão América: Guerra Civil e Vingadores: Guerra Infinita, fala dos desafios de adaptar um dos arcos mais famosos dos quadrinhos, da introdução do novo Homem-Aranha e de como a amizade vai ter um papel importante na luta entre Homem de Ferro e Capitão América
Los Angeles, terça-feira, 28 de Outubro de 2014. Num painel da Disney todo especial fora de qualquer comic con, no cinema El Capitan, em Hollywood, a Marvel Studios anunciava sua grande leva de filmes para a Fase 3 da Casa das Ideias nos cinemas. E a palavra-chave naquele encontro era GUERRA. Guerra Civil, Guerra Infinita — em duas partes. Tudo liderado pelos irmãos Anthony e Joe Russo, os mesmos responsáveis por Capitão América: Soldado Invernal.
Um pouco mais de um ano depois, Anthony veio ao Brasil promover a primeira parte dessa TRINCA de guerras, Capitão América: Guerra Civil, que estreia em 28 de Abril do próximo ano. O JUDÃO, claro, conversou com o cara, que contou um pouco do processo de produção do novo filme do Bandeiroso e de como ele e o irmão estão partindo desse ponto de vista político pra TOMAR DE ASSALTO o Universo Cinematográfico da Marvel.
“Olha, nós nos sentimos bem empolgados sobre [adaptar a Guerra Civil], porque eu e meu irmão somos muito fãs”, conta Tony Russo. “Ter a oportunidade de fazer isso é muito raro e especial. Esse é tipo o filme das nossas vidas, então estamos muito felizes. Sabemos que é muita responsabilidade, nós sentimos isso, por causa dos fãs”.
A empolgação do diretor tem uma explicação: Guerra Civil foi o crossover mais bem-sucedido da Marvel Comics nos anos 2000, que só nos EUA teve 2,1 milhões de exemplares vendidos em suas sete edições – mais os 317 mil de seu EPÍLOGO, Captain America #25, e, claro, as versões encadernadas que vieram depois. É fácil explicar tanto sucesso: tratava-se de um assunto que naquele momento parecia tão atual, colocando frente a frente um lado que defendia a liberdade de atuação e o anonimato contra quem acreditava que era necessário abrir mão de certas liberdades individuais e das identidades secretas para alcançar um bem maior. Nos quadrinhos, era sobre super-heróis e suas atitudes impensadas. Na vida real, era a guerra ao terror. Não havia certo ou errado, mas sim o caminho que cada um acreditava ser o melhor.
Adaptar essa HQ pro cinema não é uma tarefa fácil. Não é porque o assunto ficou velho, pelo contrário: os recentes ataques terroristas pelo mundo e os comentários durante a pré-campanha presidencial nos EUA fazem tudo isso soar como algo extremamente atual. Na verdade, o desafio fica no fato de que o Universo Marvel dos cinemas é infinitamente menor que o dos gibis, em número de personagens e identidades secretas – algo muito importante para a história original – não serem assim algo tão importante nessa versão live action.
“Tem um monte de personagens que estão na HQ e não estão no filme. Então, nós tivemos que mudar a história um pouco, porque realmente o que estamos tentando fazer é dar algo de valor ao que foi estabelecido no Universo Cinematográfico. Sabe, tem uma história serializada do que acontece no Universo Marvel, e é a isso que nós, como contadores de história, estamos nos servindo primariamente”, explica Russo. “Nós pegamos inspirações dos gibis, em termos do que acontece, mas a história está servindo ao que foi estabelecido nos filmes e como queremos levá-los adiante. As coisas que tiramos do gibi são, certamente, a ideia de um registro; a ideia dos Vingadores tendo um erro que reúne os governos do mundo para quererem registrá-los; a ideia mais divertida do gibi, deles lutarem entre si, que é a parte central do filme. Há outros pequenos detalhes dos quadrinhos, mas primariamente o que estamos fazendo é pegar esses conceitos e colocá-los no filme”.
Até o momento, a Casa das Ideias tem sido cuidadosa no que divulga sobre o filme. Mas, principalmente pelo primeiro trailer, sabemos que a versão cinematográfica do Registro de Super-Humanos dos gibis atende pelo nome de Acordos de Sokovia, ou Sokovia Accords – referência à Batalha de Sokovia, de Vingadores: Era de Ultron, quando a capital do país, chamada Novi Grad, foi destruída na luta contra o Ultron. Imagina-se que o acordo regule as ações de indivíduos superpoderosos, principalmente Os Vingadores. Ou, melhor dizendo, os Novos Vingadores, que surgiram no final de Era de Ultron.
O ponto catalizador dessa história é justamente a redenção de Bucky, o inimigo-título de Capitão América: O Soldado Invernal. Dá pra imaginar que é por conta do amigo, um sujeito superpoderoso que fez muita coisa errada enquanto sofria os efeitos da lavagem cerebral, que Steve Rogers resolva ficar contra o Acordo de Sokovia de forma mais contundente. Por outro lado, uma parte dos heróis acha que o acordo é bem razoável, sim, e que deve ser seguido – incluindo aí Tony Stark, o Homem de Ferro. E é aí que a luta começa, uma luta que será, vamos combinar, entre amigos que juntos já salvaram a Terra várias vezes.
“A história é muito sobre amizade. Não é só a amizade entre o Steve e o Bucky, mas também a amizade entre os Vingadores, que são quase o que pensamos de uma família. A maneira que sempre pensamos nesse filme desde o começo, quando começamos a considerar a Guerra Civil, pensamos em algo como, sabe, quando você vai num casamento e uma briga começa entre dois irmãos ou primos, ou qualquer coisa do tipo, é como sentir a tragédia desse acontecimento. Essa, pra nós, foi a analogia pra Guerra Civil”, explica o diretor.
“Você tem esse grupo de pessoas que desenvolve uma confiança um no outro e estão lutando juntos, como uma equipe, e nós introduzimos um problema que irá dividi-los não de uma forma que eles vão lutar por uma cena, mas sim por todo o filme, até o clímax. O que os leva até o fim deste filme é este conflito. A ideia de amizade é testada em todos os relacionamentos do filme: entre Tony e o Capitão, na equipe de heróis... Em todos os relacionamentos individualmente. [...] Tem muita complexidade rolando nas relações entre personagens”.
Um grande risco nessa hora é se perder entre tantos personagens. Nos gibis não há tanto esse problema, afinal um crossover é um crossover – e você espera que um grupo de heróis divida o protagonismo. Só que, no caso dos cinemas, estamos falando do terceiro filme da trilogia do Capitão América, e não uma história dos Vingadores, por exemplo. O que fazer, então? “O filme se chama Capitão América. Nós vamos através do filme pelo ponto de vista do Capitão América”, afirma o diretor, explicando o devido espaço de cada personagem na trama. “O próximo ponto de vista mais forte no filme é o do Homem de Ferro. O filme é muito sobre uma disputa entre Capitão América e Homem de Ferro, dos pontos de vista deles. Então o resto dos personagens escolhe um lado, sob as suas lideranças”.
“A forma que nós organizamos a maneira de contar a história é que nós sempre vamos voltar ao Capitão, para ajudá-lo a conduzir a história”
Por tudo isso, fica claro o porquê da importância do Bucky pra história que está acontecendo e o motivo do primeiro trailer do longa começar justamente pelo personagem: o relacionamento dele com o Capitão é o ponto-chave de toda a trilogia, desde O Primeiro Vingador.
Além de ser o ponto de vista primário, Steve Rogers também continuará como o fio-condutor da trama. “A forma que nós organizamos a maneira de contar a história é que nós sempre vamos voltar ao Capitão, para ajudá-lo a conduzir a história. Nós também demos uma forte linha pro Homem de Ferro, e esses dois caminhos acabam batendo um no outro. Os outros têm um papel nesse conflito, mas é um pouco mais secundário”.
Nisso tudo, ainda é preciso arranjar espaço para uma primeira aparição: a do Homem-Aranha, que surge pela primeira vez nessa versão da Marvel. O Cabeça-de-Teia tem um papel importante na HQ original, ficando inicialmente do lado pró-Registro, o do Homem de Ferro, e revelando a sua identidade secreta pro mundo na esperança de que isso fizesse com que os outros super-heróis se registrassem junto à SHIELD. Não deu certo e, bom, Peter passou maus bocados, se aliou ao lado renegado do Capitão América e passou a ser perseguido pelas autoridades – tudo porque, por mais que tivesse revelado a identidade publicamente, não tinha feito o registro propriamente dito.
“Homem-Aranha é uma parte integrante dos nossos pensamentos sobre a Guerra Civil desde o começo”
Nos cinemas, tê-lo sempre foi um desejo dos Irmãos Russo. “Quando falamos que queríamos usá-lo, primeiro nos falaram que era impossível, sabe? [...] Isso foi muito difícil, porque, como você sabe, o Homem-Aranha era da Sony num acordo bem complicado. Mas desde que resolvemos fazer a Guerra Civil, nós queríamos tê-lo no filme. Ele era uma parte integrante dos nossos pensamentos sobre a Guerra Civil desde o começo”, relata o diretor.
Com o #SonyHack foi revelado que as negociações para incorporar o Cabeça-de-Teia em Capitão América: Guerra Civil começaram antes até de qualquer renegociação para que a Marvel Studios produzisse um novo reboot do personagem. Inclusive, Amy Pascal, na época chefona da Sony Pictures, chegou a comprar Civil War #2 no ComiXology – justamente a edição na qual Peter Parker se revela pro mundo, provavelmente pra entender melhor os planos da Casa das Ideias. “Graças a Deus, Kevin Feige conseguiu fazer um acordo com a Sony para que pudéssemos tê-lo”. Hoje, Amy é justamente a produtora do reboot do Aranha, obviamente defendendo o lado Sony do negócio. O primeiro filme solo dessa nova fase do herói está programado pra estrear em julho de 2017.
“A ideia de rebootar o Homem-Aranha, de reintroduzir o personagem, foi incrível. Nós escalamos um ator jovem porque amamos o fato do personagem ser um adolescente. Nós podemos fazer algo bem único no Universo Marvel, definindo o apelo, vulnerabilidades e interesses”, afirma Russo. “Tom Holland é um ator maravilhoso. As pessoas vão sentir que é uma versão bem nova do Homem-Aranha, e ele tem um papel bem importante no filme. É interessante, porque ele não tem a mesma bagagem que os Vingadores têm, ele não chega no conflito da mesma forma que os outros, ele entra depois. E ele é divertido no filme, porque não tem essa tensão em volta dele”.
Ok, lados definidos, a disputa começa. O interessante é que, de alguma forma, Guerra Civil vai apresentando Joe e Anthony Russo a um escopo maior de personagens e enredos, saindo daquele esquema de espionagem de Capitão América: O Soldado Invernal e os jogando num mundo no qual existem playboys bilionários de armadura, deuses nórdicos com grandes martelos, inumanos e garotos que escalam paredes. Um mundo que eles vão explorar bem mais no próximo conflito, em Vingadores: Guerra Infinita, Partes 1 e 2 — que estreia em maio de 2018 e 2019.
“Pra nós, sempre achamos que o thriller político era algo muito específico do Capitão. E, você sabe, nós exploramos isso com O Soldado Invernal, fomos adiante com Guerra Civil”, relata o diretor. “Mas porque a Guerra Civil está se tornando maior agora, com muito mais personagens além do Capitão e seu círculo, então o estilo do filme pode se abrir um pouco mais, porque muitos desses personagens não vêm desse gênero mais pé-no-chão do thriller político, eles começam a existir mais no mundo de fantasia”.
E depois? “O que acho que vamos fazer em Guerra Infinita é continuar abrindo isso. Sempre vai ter uma menção a isso, mas vai se tornando...” – nesse momento, Anthony faz uma pausa e pensa duas vezes antes de falar “menos importante”. “Está se movendo de onde você acha que é mais um thriller político para um filme mais de fantasia, que é a veia na qual os Vingadores existem. Mas eu acho que sempre vai ter uma conexão”.
“O thriller político era algo muito específico do Capitão. Nós exploramos isso com O Soldado Invernal, fomos adiante com Guerra Civil”
Aliás, falando em Guerra Infinita, você pode pensar que já existe todo um plano pronto, gravado em pedra, do que vai acontecer. Apesar de existir uma linha do tempo e, provavelmente, ideias para onde seguir, Anthony Russo conta que a Casa das Ideias não tem o costume de atropelar uma coisa com a outra. “Eles [a Marvel Studios] têm essa atitude na qual, mesmo com algumas ideias sobre o que fazer no futuro, eles realmente querem fazer um filme por vez. E eu acho isso ótimo, porque você não quer ser muito decidido sobre onde você quer ir no futuro, você quer olhar pra cada filme e pensar em qual é a melhor versão, qual é a coisa mais surpreendente que você pode fazer, a mais empolgante que pode fazer com os personagens desse filme. Apenas ser livre pra onde você quer ir”.
Não sei, mas diria que isso foi uma lição aprendida depois de Homem de Ferro 2 que, em certos momentos, funciona mais como um Vingadores 0.5 do que qualquer outra coisa... Apesar disso não ser, exatamente, ruim.
“Dito isso, nós estamos na pós-produção agora e estamos começando a pensar na Guerra Infinita, porque boa parte do trabalho em Guerra Civil já acabou. Não tudo, mas boa parte. Nós iniciamos o trabalho no filme em agosto, e desde setembro estamos nos encontrando com os roteiristas, [Christopher] Markus e [Stephen] McFeely, e os produtores e começamos a trabalhar no que o filme pode ser. Markus e McFeely têm gastado muito tempo nisso”, comenta o diretor. “O filme então está começando a tomar alguma forma, mas há ainda um longo caminho para o que vai acontecer”.
Com um grande projeto pra ser lançado – mais exatamente em 28 de abril do próximo ano – e um outro maior ainda começando agora, é impossível não invejar os Irmãos Russo. Afinal, eles tão fazendo o que qualquer moleque adora fazer, que é brincar com bonecos. A diferença é que os bonecos são atores reais, todo mundo vai ver a sua brincadeira e ainda vai sobrar um belo troco na conta bancária. “A melhor coisa ao se fazer um filme de super-herói é que quando você é fã, você fica satisfazendo o fã que existe em você. O que é incrível. Todos nós sabemos que, quando você lê os gibis, assiste aos filmes e fica pensando nos personagens que você ama, você pensa na sua versão para esses personagens. O que você faria com eles. Eu e meu irmão tivemos a oportunidade de realmente fazer isso, o que foi incrível”, diz Anthony.
Tem o outro lado, que é a pressão, mas o cara parece tirar isso de letra. “Nós estamos sempre pensando nos fãs, no que os empolga, o que os satisfaz, os surpreende... Mas, no fim das contas, nos sentimos confortáveis com a ideia de que, desde que amemos o material original, é tudo sobre satisfazer a nós mesmos. É o melhor que podemos fazer. Nós não ficamos muito ansiosos além disso”.
Nessa questão de preferências pessoais, dá pra entender um pouco mais das escolhas por conflitos políticos, amizades e, claro, boas brigas entre amigos e inimigos: é o que os irmãos diretores mais gostam. “Eu e meu irmão somos muito orientados pela atuação. Nós amamos atores. Acho que é por isso que demos certo com comédia. Nós somos muito bons em preparar o palco para que atores talentosos possam fazer seu melhor trabalho. [...] Mas, ao mesmo tempo, somos fetichistas por ação”, diz. E nada melhor pra juntar tudo isso que uma boa guerra, né?
“Graças a Deus deu certo no último filme, e espero que dê certo agora [com Guerra Civil]. E, se não der certo, isso é problema de outra pessoa”, encerra Anthony Russo, aos risos, se referindo provavelmente ao Kevin Feige, que manda em tudo. Temos certeza que ele está tranquilo e confiante, Anthony. Certeza. ;)