O velho bardo canadense canta, diz, na abertura de todos os episódios da 2a temporada da série, “nevermind”. Era mesmo o caso…
CABO DE GUARDA-CHUVA. Exatamente esse o gosto que senti assim que terminei de assistir ao season finale da temporada número 2 de True Detective. Não sei nem como diabos tive paciência para chegar até ali. Foi mesmo necessária muita persistência para conseguir acompanhar a trama até este longo e entediante final...
Olha só, vou ser bem sincero com vocês: comecei assistindo ao segundo ano da série de Nic Pizzolatto com a mente aberta, já sabendo que a história seria completamente diferente, sem nenhuma ligação com o que já havíamos visto até então naquela excelente temporada de estreia. Novos atores vivendo outros personagens, na corajosa ideia de uma antologia que funciona de forma independente a cada temporada, tendo sempre como pano de fundo uma trama policialesca e detetives envolvidos em sua investigação. Eu acreditei.
Não tinha nem motivo para não acreditar, aliás, já que eu fui surpreendido mais do que positivamente com a obra-prima televisiva que Pizzolatto realizou com Matthew McConaughey e Woody Harrelson, com toda aquela temática pesada e sufocante envolvendo religião e sexo no coração dos EUA, sendo considerada, com muita justiça, como uma das melhores (QUIÇÁ, a melhor) séries de 2014, apesar de seu grand finale ainda gerar certo debate. Eu acreditei.
Pizzolatto e HBO foram ousados ao comprar esta briga e eu os elogio por isso. Depois de tal sucesso de crítica e público, saindo assim de sua zona de conforto... E até dei um crédito quanto à escolha do elenco. Quem desconfiava da seleção de Vince Vaughn e Colin Farrell lembrava imediatamente que o protagonista anterior era um McConaughey pré-Oscar de Melhor Ator por Clube de Compras Dallas e que tinha em seu currículo até então uns filmes água com açúcar do calibre de Como Perder um Homem em 10 Dias, Sahara, Um Amor de Tesouro... Eu continuei acreditando.
Só que a expectativa em torno da nova temporada de True Detective era altíssima, na vontade de mais uma trama inteligente e intrigante com personagens profundos, reviravoltas audaciosas, fotografia incrível, debates existenciais e atuações acima da média. Mas infelizmente o que se viu no final...
A ideia parecia ser a seguinte: até a primeira metade da temporada, construir devagar e meticulosamente seus personagens, suas relações interpessoais, seus fantasmas do passado e sórdidas expectativas do futuro, todos chafurdados até o pescoço no dia a dia brutal da cidade de Venice, na Califórnia, que respira corrupção, abuso de poder, jogo de azar, tráfico de drogas e prostituição. Mas aí eles erraram a mão BONITO e o que deveria ser “construção de personagem” virou “um porre”. Tudo devagar, lento, sem mostrar a que veio.
O pobre espectador foi obrigado a ver aquela cara do Vince Vaughn vivendo Frank Semyon. O personagem foi, sem maldade, o pior gângster que eu já vi em cena. Você espera por um criminoso barra pesada, que se construiu sozinho, usou do seu relacionamento com a polícia e a política pra isso, e agora está tentando fazer aquele pé de meia entrando no ramo das licitações do transporte público. Mas não, ele só fica com aquela cara de BOSTA se lamuriando com a sua esposa, chorando as pitangas do dinheiro que perdeu. E quando você pensa que o maluco vai tocar o terror para voltar ao topo e recuperar sua grana... NADA.
Esse mesmo pobre espectador foi obrigado a engolir o Ray Velcoro absurdamente subaproveitado de Colin Farrell (que, por incrível que pareça, foi o melhor ator da bagaça toda) tentando passar uma imensa carga de peso, culpa e autodestruição, sua treta por ter a vida destruída quando sua esposa foi estuprada, ficou grávida e ele foi lá e apagou o sujeito (errado, só para constar, o que poderia fazer a série pegar fogo, mas não...). PUTA personagem que era a grande aposta, seria o McConaughey da vez, mas que não chegou na metade do que poderia. O melhor momento dele em cena é quando ameaça o guri que fez bullying com seu filho, alertando-o que se desse uma de valentão com mais alguém, iria “comer a bunda do seu pai com o cadáver sem cabeça de sua mãe”.
Phyno.
E a Ani Bezzerides de Rachel McAdams? Completamente perdida no papel, ainda mais subaproveitada que Velcoro, com um background de abuso infantil, um pai maluco que é líder de uma seita hippie...
Fechando o time dos ~detetives de verdade, temos o patrulheiro Paul Woodrugh (Taylor Kitsch, o antigo Gambit), ex-oficial do exército, que deve ter comido o pão que o diabo amassou no Iraque, mas nada, absolutamente NADA é explorado desse passado, pois ele sempre frisava que “não falava sobre o deserto”, e os roteiristas acharam por bem que eles também não falariam.
Você espera que todos esses personagens que juntos fariam fortuna para qualquer psiquiatra explodam. Você espera que todo aquele monte de gente podre que vive e controla Venice, passando pela polícia, políticos, administradores, cirurgiões plásticos, cafetões, mafiosos e tudo mais, vá fazer coisas capazes de deixar o Diabo corado. Você espera que toda a subtrama envolvendo prostituição vá mostrar depravações bizarras e vá evoluir.
NADA disso acontece.
O grande problema aqui é que tudo fica só no QUASE. É uma porrada de monólogos filosóficos piegas, vilões que deveriam ser maus até os ossos mas que não convencem, mocinhos que não geram empatia e parecem baratas tontas sem entender o rumo de suas próprias investigações...
E eis que um sujeito persistente como eu, que ACREDITOU, que aguentou até o infindável season finale de uma hora e meia, a crônica de uma tragédia anunciada, é obrigado a testemunhar as explicações cuspidas de forma didática e apressada, porque né, a temporada precisa terminar. TODA aquela cadeia de acontecimentos é por conta de um FUCKING ROUBO DE DIAMANTES realizado há treze anos? Jura?!
Segundo pesquisa publicada pela Variety na véspera do último episódio, realizada pelo instituto nova-iorquino Canvs (especializado no monitoramento de redes sociais e TV), houve um aumento de 52% nos posts relacionados à série com as palavras ÓDIO e, pasmem, de 97% com a palavra TÉDIO. Em contrapartida, rolou uma queda de 81% usando palavras de aprovação, como ADOREI e AMEI. Ou seja, a galera xingou MESMO no Twitter. Além disso, em outra pesquisa realizado pelo Canvs, de 3.744 posts citando Vince Vaughn, mais de 20% continham a palavra ÓDIO.
No momento em que a série PARECIA engrenar, você já não estava mais disposto a lhe dar um voto de confiança, pois estava com o saco na lua. Talvez essa temporada funcionasse em um formato diferente, com todos os episódios disponíveis de uma só vez, porque realmente o ritmo de vê-la em episódios quebrados a cada domingo parecia uma tortura.
Para não dizer que nada presta, temos pelo menos a sensacional abertura, que seguiu os moldes da anterior, com a música Nevermind de Leonard Cohen. De forma quase profética, ele já alertava sobre essa segunda temporada de True Detective desde o princípio.
E eu acreditei. Não nele, mas no Pizzolatto.
Prometo te dar ouvidos na próxima, velho Leonard.