14º álbum de estúdio da banda irlandesa é pouco coeso e quase parece uma coletânea de Bono e Cia., mas tem bons momentos de experimentação que mostram que os caras ainda tem alguma lenha pra queimar
Nos últimos anos, o U2 parece ter se tornado o maior expoente de um novo subgênero do rock que, doravante, chamaremos de “rock messiânico”. Você sabe exatamente o que a gente tá querendo dizer aqui: músicas ambientais, quase espirituais, sussurradas, mas com uma forte mensagem política. Se tiver espaço pra colocar o Bono discursando em algum momento da faixa, tanto na versão em estúdio quanto na transposição da parada pro palco, melhor ainda. Virou até um tipo de canção facilmente reconhecível como “música do U2”, que outras bandas (sim, vocês sabem bem de quais estamos falando, né, Coldplay) passaram a tentar emular.
Justamente por isso, apesar de não ser exatamente uma obra brilhante, dá gosto escutar o recém-lançado Songs of Experience, novo álbum de estúdio dos caras, e ver que o quarteto ainda tem espaço para se desafiar musicalmente em algum nível.
Como álbum, talvez a parada soe um tanto esquizofrênica numa primeira audição, porque a costura não parece funcionar, não cria uma fluidez, uma coerência entre as canções. Elas parecem colagens, arrancadas daqui ou dali, quase como uma coletânea, um best of da vida. Porém, de alguma forma estranha, é particularmente interessante ver que estes músicos ainda são capazes de sair da zona de conforto e entregar algo como The Showman (Little More Better), uma delícia de tonalidades sessentistas, alegre, pra cima, grudenta, bem pop. Dá tranquilo pra imaginar os quatro de terninho e cabelos bem aparados cantando no programa do Ed Sullivan e a gente cantando o refrão juntinho.
Ao ouvir estas pequenas pérolas, estes muitos U2s dentro de um só, dá até um calorzinho no coração.
Num contexto geral, a continuação/complemento de Songs of Innocence, de 2014, obviamente não perde o seu espectro político porque, de lá pra cá, tivemos Trump, refugiados, a ascensão da extrema direita. Bono Vox jamais perderia a oportunidade e o que não falta é assunto pro U2 desdobrar, de um jeito que poderia muito bem correr o risco de ser sombrio, melancólico, pessimista. Mas longe disso. Acaba que a experiência aqui é, além de emocional e íntima, bastante SOLAR.
Não se deixe levar por Lights of Home, por exemplo, que não é uma música ruim – o coral com as meninas do Haim surge num passe de mágica, inesperado e bonito – mas que no frigir dos ovos é BEM aquele U2 sobre o qual falei no parágrafo inicial. Ela, a balada óbvia Love Is Bigger Than Anything In Its Way e o primeiro single, a fofinha You’re The Best Thing About Me, tão longe de representar o que se pode encontrar ao longo destas treze faixas.
Vale bem mais a pena ouvir a ótima American Soul, com uma introdução bombástica de ninguém menos do que Kendrick Lamar. É uma clara e diretíssima crítica ao atual cenário estadunidense, reforçando o poder da verdadeira alma do país. No entanto, é impossível deixar de mergulhar de cabeça no clima quase dançante de um refrão como “You are rock and roll / You and I are rock and roll / You are rock and roll / Came here looking for American soul”. É um olhar poderoso e incendiário, mas que ao mesmo tempo em que não tenta ser Rage Against The Machine, também está longe do U2 dos discursos messiânicos e que espera o seu “amém”, caro espectador / ouvinte. É outra coisa. E ainda bem. <3
É uma delícia escutar Summer Of Love e seu groove tropical, com um tempero de The Police, e imaginar o sol na sua cara enquanto Bono entoa “We have one more chance before the light goes”, uma mensagem de esperança em um mundo sendo tomado pela escuridão. E, já que estamos neste jogo de luz e sombras, por favor não deixe passar a excelente The Blackout, de fato um dos pontos altos do disco, com uma vibração pulsante do baixo de Adam Clayton, que carrega um jeitão eletrônico meio soturno a ponto de evocar não apenas o próprio U2 de Achtung Baby como um Depeche Mode. Coisa linda de tudo.
Songs of Experience funciona muito mais como farol para o futuro – que, obviamente, é incerto, já que o U2 é uma daquelas bandas clássicas com décadas de estrada e com a qual não se sabe bem o que pode acontecer nos próximos anos. Se eles seguirem em frente, estes novos caminhos podem de alguma forma servir como parâmetro para um novo disco, ainda mais empolgante e cheio de boas novidades. Mas se os caras resolverem pisar no freio e encerrar as atividades em algum momento num futuro próximo, dá pra dizer que Songs of Experience fica como uma amarração digna, até.
Muito mais do que qualquer coisa que eles andaram fazendo na última década, pelo menos.
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