Renascida do Inferno, que chega aos cinemas brasileiros, é uma aula de como NÃO se fazer um filme de terror
O terror já é de longe um gênero dos mais achincalhados da Sétima Arte (hoje em dia, talvez perca para os chamados “filmes de super-herói”). O grande problema é que certas produções não ajudam nem um pouco a acabar com esse destino, tão terrível quanto o facão do seu serial killer mascarado favorito. E olhem só, ironia suprema, são exatamente estas mesmas produções que conseguem chegar aos cinemas aqui no país.
Nesta quinta (05), estreia Renascida do Inferno (Lazarus Effect), que é uma verdadeira aula de como NÃO se fazer um filme de terror. E o pior, ganhou o privilégio de ser exibida em uma porrada de salas nos multiplex da vida, com tela grande e pipoca com manteiga no snack bar, regalia que muitos filmes infinitamente superiores não tiveram em nosso Brasil varonil. É o caso da própria trilogia V/H/S/ ou de alguns dos melhores exemplares do ano passado, tipo o australiano The Babadook, o neozelandês Housebound ou o americano (só pra não ficar tanto na Oceania) Starry Eyes.
Até mesmo The Taking of Deborah Logan, que é um filme bem a cara dos cinemas nacionais, uma vez que é estilão mockumentary (aquele do Atividade Paranormal e REC), tem possessão espiritual (assunto que vai bem nos cinemas daqui) e olhem só, o querido Bryan Singer como produtor, que daria o aval para que fosse impresso em letras garrafais no pôster “PRODUZIDO PELO DIRETOR DE X-MEN: DIAS DE UM FUTURO ESQUECIDO”, do jeito que as distribuidoras adoram.
Distribuidoras, aliás, cujos critérios eu jamais vou entender, porque Renascida das Trevas merecia, se muito, um lançamento direto para o DVD – e ainda assim, com ressalvas. Blu-ray, putz, nem pensar. Quer saber o tamanho do nível de clichê do filme? Vou fazer um resumo tacanho aqui para você: um grupo de cientistas está fazendo uma pesquisa sobre o cérebro humano e ressuscita um cachorro no melhor estilo Cemitério Maldito, utilizando eletricidade, no melhor estilo Frankenstein, misturada com um reagente químico, no melhor estilo Re-Animator. O cachorro volta agressivo, no melhor estilo Cujo, e a experiência dá ainda mais errado quando uma das cientistas morre acidentalmente e é trazida dos mortos com poderes telepáticos, telecinéticos e com sede de vingança, no melhor estilo Fênix Negra.
Bom pacarai, né? Culpa em cartório da dupla de roteiristas Luke Dawson, do sofrível Imagens do Além (refilmagem ianque do excelente longa tailandês Espíritos) e Jeremy Slater que, pasmem, é um dos roteiristas do reboot do Quarteto Fantástico. Isso sim é de meter medo!
Frank (Mark Duplass) é o líder desse time de pesquisadores, que conta com sua noiva Zoe (Olivia Wilde), que tem um trauma de infância por ter sido a única sobrevivente de um incêndio em um prédio, Eva (Sarah Bolger), Clay (Evan Peters, o Mercúrio dos X-Men, não dos Vingadores) e Niko (Donald Glover, que não, não é filho do Danny Glover mas continua fazendo lobby para ser o Homem-Aranha). Depois de algumas experiências com animais mortos, o programa de pesquisa deles é fechado por violação ética por uma nefasta indústria farmacêutica comandada pelo Sr. Wallace – vivido por Ray Wise, o eterno Leland Palmer, pai da Laura de Twin Peaks, dando o ar de sua graça durante sei lá, um minuto de filme.
Com todo seu material apreendido, incluindo discos rígidos, backups e soros, os gênios resolvem evitar que quatro anos de suas vidas sejam jogados no lixo e inventam de invadir o laboratório da universidade para usar a última amostra escondida para ressuscitar outro bichinho, provar que eles tiveram sucesso no experimento e patenteá-lo antes dos monstros corporativistas. Então, num erro completamente bisonho, impensável para um cientista, Zoe liga a chave de energia sem nenhuma luva de proteção e ainda usando um anel para ajudar a conduzir eletricidade melhor e acaba fritada, caindo mortinha da silva no chão. A segunda ideia dos gênios? Ressuscitar a moça, uma vez que não tinha nenhum cemitério indígena por perto ou mesmo como transpor sua alma para um boneco.
Até aí ainda vai, o filme, sei lá, ia caminhando. Meio cambaleante, mas vá lá. Só que quando Zoe retorna do mundo dos mortos, putz, aí é uma sequência antológica de cenas patéticas, com a moçoila virando uma espécie de entidade maligna superpoderosa que mistura uma explicação chula que envolve o sobrenatural (que ela foi retirada do inferno e coisa e tal) e a capacidade total de uso do seu cérebro (não só aqueles costumeiros 10%, sabe? Lucy mandou beijos) lhe dando assombrosas capacidades psíquicas, que começará a usar contra cada um dos pobres diabos para se vingar.
Agora, além de não ter uma cena sequer que meta medo em absolutamente ninguém, uma história tosca e um CGI de gosto duvidoso, o filme não serve nem para compensar nas mortes. Aquelas bem sangrentas, explícitas, sabe? Que dão sabor para todo bom fã de filme de terror. Obviamente para ganhar uma classificação mais branda (o tal PG-13 na gringa), toda a matança rola fora da tela. Tem uma cena específica na qual você tá lá torcendo por uma morte gráfica, que seria talvez o único momento bom da bagaça toda, em close, com sangue jorrando, e aí, OUCH, tome um corte. Quer entender a sensação? Digamos que é um coito interrompido em uma trepaa mal dada. Tudo só não é pior porque o final que caminhava para ser patético, consegue render um minúsculo plot twist pessimista, quando você estava incrédulo de que o desfecho seria mesmo daquele jeito tão... hã, clichê.
Não haveria uma dimensão paralela em todo o universo sequer que Renascida do Inferno funcionaria. Mas, ele ganhou sinal verde entre tantos roteiros melhores que devem ser descartados diariamente em Hollywood, foi financiado, produzido pela Lionsgate, faturou mais de 10 milhões de doletas na bilheteria e ainda consegue ser lançado nos cinemas no Brasil. Quem disse que o mundo é justo?
E só para constar, renascido do inferno mesmo, no título ou no subtítulo, só o Hellraiser. E tenho dito.
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