Spectre, o próximo filme do James Bond, representa o fim de uma longa batalha jurídica e traz o retorno daquele que é o mais importante vilão do espião
Spectre. Esse é o título do 24º filme de James Bond, anunciado na semana passada – e que traz o retorno do diretor Sam Mendes e de Daniel Craig no papel principal. Porém, esses não são os únicos retornos que marcam o filme: o título já entrega logo de cara que a SPECTRE, clássica organização enfrentada pelo 007 nos anos 1960 e 1970, também dará as caras, provavelmente incluindo o grande líder Ernst Stavro Blofeld. Só que, bom, esse retorno não foi tão simples quanto você pode imaginar – trata-se de uma história de décadas com intrigas, conflitos, golpes e contragolpes...
Algo que impediu James Bond de enfrentar novamente o seu maior vilão por mais de 30 anos.
Talvez você não saiba, mas a SPECTRE não era, nos primeiros livros de Ian Fleming, a principal organização enfrentada por Bond. Na real, o espião se via frente a frente com a SMERSH, a contrainteligência soviética – e que, em russo, é uma sigla pra “Morte aos Espiões”. Simpáticos, não? E se eu te falar que essa organização REALMENTE existiu no mundo real, tendo sido criada em 1943 por Joseph Stalin para enfrentar os Nazistas – e dissolvida em 1946, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial?
Mas o mito influenciou Fleming, com a SMERSH aparecendo logo em Casino Royale, o romance de estreia do 007, publicado em 1953. Logo em seguida, Fleming vendeu os direitos de adaptação da obra por US$ 6 mil (algo como 53 mil Obamas atuais). A produção não foi pra frente, claro, o que deixou Fleming bem frustrado – afinal, ele havia sido picado pelo bichinho chamado “cinema”.
Um segundo projeto de filme apareceu em seguida, em 1958. Por conta disso, Fleming conheceu um roteirista e diretor chamado Kevin McClory. A partir dessas ideias, surgiu o projeto de filme que quase se chamou SPECTRE – entre outros títulos. No final, o nome que ficou foi Thunderball. Aquela história já introduzia a organização SPECTRE, que, diferente da SMERSH, não tinha alinhamentos ideológicos.
Mais uma vez aquele projeto naufragou. Fleming então pegou o roteiro, ideias que tinha e outros elementos para escrever o livro Thunderball. McClory viu aquilo como uma traição, processando Fleming por ter lançado a obra. O autor morreu em 1964, antes mesmo do fim do julgamento (e da vitória de McClory).
A essa altura, James Bond já era um enorme sucesso. É que na terceira tentativa, Fleming havia fechado um bom acordo com a Eon Productions e com a MGM, que levaram para a tela grande a adaptação de Dr. No. E o filme já trouxe uma grande mudança: o vilão-título se tornara um membro da SPECTRE. A partir daí, a organização passou a substituir a SMERSH no universo dos filmes do James Bond. Na produção seguinte, Moscou Contra 007, os russos são até citados, mas é a SPECTRE que é a grande vilã.
Com a vitória de McClory nos tribunais, ele passou a ter os direitos de adaptação de Thunderball – com os quais fez um acordo com a Eon, o que tornou possível o lançamento de 007 contra a Chantagem Atômica (ou seja, Thunderball). Era isso, ou, bom, o cara ia fazer um filme próprio com o James Bond.
É nesse filme – assim como no livro – que o mundo vê pela primeira vez o líder da organização: Ernst Stavro Blofeld. Para criar um clima de mistério, nunca vemos o rosto do vilão, que quase sempre está com um gato persa no colo – algo que não existe no livro. Um clássico do cinema.
A SPECTRE também cresceu de tamanho, passando a ser uma organização muito maior que nos livros, de escala mundial. Com o acordo firmado com McClory, a Eon continuou usando os vilões nos filmes seguintes: Com 007 Só Se Vive Duas Vezes (no qual vemos, pela primeira vez, o rosto do Blofeld) e 007 a Serviço Secreto de Sua Majestade.
Aliás, esse último filme merece um parágrafo especialmente para ele.
Lançado em 1969, o longa representou a primeira vez que James Bond não foi interpretado por Sean Connery – George Lazenby foi escalado para o papel. Em um grande confronto contra Blofeld, o espião se apaixona pela Condessa Tereza “Tracy” di Vicenzo. No final, tudo aparentemente dá certo, Blofeld é derrotado e, surpreendentemente, Bond se casa com Tracy. Felizes para sempre? Bom, se prepara para o spoiler: Blofeld estava vivo e buscando vingança. Numa última tacada, ele encontra o casal de noivos saindo da cerimônia, dando o seu presente em tiros. Tracy morre. Um final triste em um dos mais subestimados filmes de James Bond.
Por diversos motivos, 007 a Serviço Secreto de Sua Majestade não foi o sucesso esperado pela Eon. Sean Connery voltou a ser escalado para a produção seguinte, em 007 – Os Diamantes São Eternos. Blofeld também retornou para aquela que foi, nos filmes oficiais, a última vez em que foi o grande vilão.
Não que a Eon tenha deliberadamente jogado o cara pra escanteio. A ideia era que ele retornasse em 007 – O Espião Que Me Amava, de 1977. Só que McClory impediu a escolha, fazendo com que os produtores colocassem um novo personagem, Karl Stromberg, como antagonista.
Pouco depois, como vingança, a cartada final da Eon. James Bond vai visitar o túmulo de Tracy na cena de abertura de 007 – Somente Para os Seus Olhos, lançado em 1981. Blofeld (sem qualquer crédito ou citação ao nome, por conta dos rolos com McClory) surge, luta contra Bond e finalmente morre ao cair do helicóptero no qual estava. Tudo isso em poucos minutos.
Livre de qualquer obrigação de respeitar a série de filmes “oficiais” da Eon e com os direitos de Thunderball nas mãos, McClory produziu e lançou pela Warner em 1983 o filme 007 Nunca Mais Outra Vez, que tinha SEAN CONNERY retornando ao papel que o tinha levado ao estrelato. A história era nada menos que uma adaptação de Thunderball, apenas colocando Bond como um ~senhor de idade. Blofeld, claro, tava lá (interpretado por Max Von Sydow), assim como a SPECTRE.
Kevin McClory nunca mais conseguiu produzir um filme próprio com James Bond. Não que não tenha tentado, mas o embate com a Eon e a MGM nos tribunais se tornou intrincado, fora os projetos que não foram para frente – incluindo um chamado Warhead 2000 AD, uma terceira adaptação de Thunderball e que teria Timothy Dalton ou LIAM NEESON como protagonistas.
Warhead 2000 AD era um projeto da Sony Pictures, que no final dos anos 90 também garantiu os direitos de adaptação do Homem-Aranha. Foi aí que se iniciou um dos maiores rolos da história do cinema. A MGM se sentiu ameaçada pela concorrente, e tratou botar em pré-produção um filme com base no roteiro de um antigo projeto com o Cabeça-de-Teia – sim, a Casa das Ideias já havia vendido os direitos do herói anos antes para a Carolco Pictures, que chegou a contar com o diretor James Cameron no projeto. E advinha quem tinha comprado a Carolco? Claro, a MGM, que ainda se julgava dona daqueles direitos.
Sabe aquele projeto de filme dos anos 1950, baseado em Casino Royale? Pois é. Aquilo realmente virou filme nos anos 1960, lançado pela Columbia, que a essa altura era da Sony. Com os direitos de dois livros, a empresa já tinha material suficiente para produzir uma série própria com o James Bond. A treta poderia ser grande. Só que não foi.
Em 1999 veio finalmente o acordo: a MGM abria mão de produzir um filme do Homem-Aranha, enquanto a Sony desistia de ter seu próprio James Bond. O resultado todo mundo já sabe, não é?
O curioso é que, anos depois, a MGM se viu em crise e acabou comprada por um consórcio liderado pela própria Sony, que hoje tem 20% do estúdio e é parceira na distribuição e financiamento das produções – incluindo, claro James Bond. Isso abriu caminho para, em 2006, o primeiro livro de Ian Fleming ser finalmente adaptado na série da Eon, em Cassino Royale.
Kevin McClory morreu no mesmo ano, em 2006. Os herdeiros passaram a comandar o espólio do autor e cineasta, finalmente entrando em um acordo com a Eon e a MGM no ano passado. Com o conflito solucionado, o fantasma de uma série concorrente do James Bond deixou de existir, já que os direitos integrais de adaptação de todos os livros passaram a estar em apenas uma única mão. E o melhor: nada passou a impedir o retorno da SPECTRE e de Blofeld.
Por tudo isso, o anúncio da última semana não foi tão surpreendente, mas não menos épico. Afinal, foi uma batalha de bastidores que durou 50 anos e que culmina no retorno daquele que é, sem dúvida alguma, o maior vilão do 007.
Não, ninguém anunciou o nome do Blofeld na última semana, mas é de se esperar que Spectre retorne com diversos elementos de Thunderball – casando, inclusive, com o resgate dos elementos dos anos 1960 vistos no final de 007 – Operação Skyfall. E tudo isso inclui um cara estranho, que inicialmente não mostra o rosto, segurando um gatinho persa no colo...
Falta muito pra novembro de 2015? :D