Um papo com a Nick Fury da Pagu Comics | JUDAO.com.br

Conversamos com a Ana Recalde, editora do selo de quadrinhos feito por mulheres que ganhou corpo ao longo de seu primeiro ano de atividade e agora anuncia novidades, como uma mega saga crossover juntando todos os títulos em 2018 :)

Os vilões tão à solta e, claro, os heróis têm que tomar partido pra salvar o mundo mais uma vez. Mas enquanto deuses, monstros, supersoldados e playboys milionários de armadura fazem o trabalho de distribuir bordoadas cósmicas e celestiais, por trás dos holofotes tem alguém dando todo o apoio para que eles possam lutar o bom combate. A versão 2.0 do cara da cadeira. O sujeito que já foi soldado, que já fez a sua parte, que ainda pega em armas quando precisa. Mas que faz a diferença organizando a papelada, dando informação, distraindo os burocratas do governo, orquestrando as missões.

Um maestro. Tipo um Nick Fury para os Vingadores. Tipo a AnaRecalde para o selo Pagu Comics.

O apelido de Nick Fury, escancarado pela amiga e quadrinista do selo, Germana Viana, faz todo o sentido. Criado no dia 08 de Março de 2016 com o objetivo de ser um disseminador de criações feitas exclusivamente por mulheres para HQs, uma parceria da Editora Cândido com publicação exclusiva via Social Comics até o momento, o Pagu – cujo nome é uma homenagem à brilhante e engajadíssima escritora, poeta, diretora de teatro e desenhista Patrícia Galvão – é editorialmente orquestrado pelas mãos de uma quadrinista por natureza.

Uma apaixonada não apenas por ler mas por fazer gibis desde que deu de cara com aquele encadernado do Sandman, em Londres, e chegou a vencer o prêmio HQ Mix de Melhor Web Quadrinho de 2014 com o título Beladona. Mas uma quadrinista cada vez fazendo menos quadrinhos. Os dela, pelo menos.

“Este é mesmo um trabalho que me tira completamente da linha de frente”, conta ela, em entrevista pro JUDÃO. “Eu até escrevi um roteiro em 2016 e tive duas histórias pequenas publicadas em coletâneas. Mas isso é dar um tiro ou outro quando o porta-aviões é invadido”, brinca, admitindo que hoje é mesmo muito mais Nick Fury e menos Gavião Arqueiro ou Viúva Negra.

Só que Ana também admite que fazer quadrinhos sempre esteve vinculado a editar em sua carreira, desde 2009, quando começou o projeto da independente Patre Primordium com alguns amigos. “Isso me assombrou durante muito tempo durante a carreira, uma sensação que poderia ser uma ‘agente’ melhor se me dedicasse a apenas uma coisa. No final, essa uma coisa está ficando em ser editora mesmo. Estão rolando altas ideias que tornam escrever uma coisa distante”.

A gente pediu pra Ana descrever, rapidamente, em 140 caracteres, os quatro títulos que a Pagu Comics publica atualmente, para que aqueles leitores que simplesmente não conhecem possam ter uma breve noção. Então, no melhor esquema Twitter de ser: As Empoderadas é feita pela Germana Viana e conta a história de 3 improváveis heroínas paulistanas que ganharam super poderes vindos do sol; com uma grande equipe, liderada pela Milena Azevedo, Haole conta a história de Irene, uma surfista deficiente que viaja entre mundos; D.A.D.A.- 4 heroínas com o poder de suas Orixás tentando salvar oq restou em um futuro pós-apocalíptico. Por Roberta Araujo e Renata Rinaldi; Quimera é sobre a parceria improvável entre Anna e Nicole, que se unem após um acidente. Por Cris Peter, Dika Araújo e Ariane Rauber

“Uia, isso foi mais difícil do que achei que seria”, brinca a editora, que no entanto fala bem sério, e com muito orgulho, quando diz que tem sido muito gratificante organizar a Pagu, ver as histórias nascendo, personagens criando forma. “E o feedback no geral tem sido ótimo, com várias críticas positivas”. Ela conta que até mesmo aquela coisa de “ai, não quero ler gibi feito por mina”, que a gente SABE que infelizmente ainda passa pela cabeça de muito leitor DAZANTIGA, tem sido superada.

“Antes da primeira edição d’As Empoderadas sair, recebemos uma crítica na fanpage. Mas depois do lançamento mesmo, não tivemos nada do tipo. Na verdade, tivemos vários comentários elogiando ‘apesar de ser feito por mulheres’, acredita?”, explica. E a gente fica aqui, pensando OHBOY. “Mas isso é uma minoria, temos muitos leitores homens pelo relatório do Social Comics e eles voltam pra ler a edição seguinte, então acho que estamos fazendo algo certo”.

O resultado tem sido bom, mas a Ana ressalta que estão sempre mirando em mais, buscando cada vez mais leitores e leitoras. “Até pra render mais para o pagamento das autoras e garantir mais obras para o futuro”, explica. “Ainda temos um caminho grande a percorrer para dizer que quebramos barreiras”.

Por falar em “mais obras”, recentemente a Pagu realizou uma convocação de novas artistas para mostrar seus trabalhos e o resultado foi MUITO melhor do que elas imaginaram anteriormente. “No total recebemos 714 inscrições. Pensando um pouco aqui, várias profissionais estão com seus próprios projetos e não se cadastraram. Quantas artistas brasileiras temos por aí?”.

A qualidade variou bastante, mas ela diz que rolou uma maioria de ilustradoras muito competentes e artistas fascinantes. “Talvez eu seja um pouco boba, ou babona, mas fiquei fascinada com a variedade de técnicas e estilos que encontrei entre as inscritas”.

O mais legal é que a quantidade de gente talentosa gerou o projeto 1 Ano de Pagu Comics – que consiste na publicação de nada menos do que 365 quadrinhos, todos ao mesmo tempo, logo em dezembro de 2017. “Para que durante todo o ano de 2018 não faltem HQs para se ler, uma por dia!”.

As novidades a respeito destes títulos serão anunciadas ao longo do ano. Mas, além disso, aos quatro gibis regulares da Pagu vem se juntar, no segundo semestre, uma nova história: Violeta, sobre uma bruxa que viaja no tempo, nota uma discrepância na linha temporal e precisa investigar pra impedir que se espalhe. A arte é da Alessandra Duruy, com cores da Fabi Marques e roteiro da Thaís Aux – jornalista, tradutora dos quadrinhos de Star Wars no Brasil e criadora do maior fã-clube de Doctor Who por aqui, o Doctor Who Brasil (claro!). Ou seja, de viagens temporais ela entende E MUITO! ;)

Pra 2018, Ana conta que já existe também um plano de uma mega saga, nos moldes que a gente bem conhece da Marvel e da DC, misturando as personagens dos cinco títulos da editora. Sim, sim, Pagu Comics também é um universo compartilhado. “Yes, mate! Está tudo conectado!”. Com uma bruxa que viaja no tempo e uma surfista que viaja entre mundos, dá bem pra imaginar o caminho que a coisa toda pode seguir. <3

Por se tratar de uma parceria com a Editora Cândido, fica sempre aquela questão no ar: não existe qualquer chance de vermos algum material da Pagu sendo publicado IMPRESSO? É, aquela coisa com tinta e papel, que você tem que ler virando as páginas? ;) “Sim, temos o plano!”, olha só, confirma ela. “Ainda estamos estudando o melhor formato e datas para lançamento. Mas até a CCXP teremos novidades sobre imprimir o trabalho”.

Mas será que esta Nick Fury não vai se permitir, em algum momento dos próximos meses, ter um gostinho de adentrar o campo de batalha por conta própria, ao invés de se focar nos bastidores? “Pelos próximos meses, se tudo der certo, rola uma história de 20 páginas dentro da Pagu”, conta. “Fora disso, pretendo fazer um roteiro de 10 páginas com a Chairim [Arrais, ilustradora e colorista], dentro do universo Mare Rosso, em uma coletânea de vampiros. Então pra 2017 é isso, mas 2018 ainda é uma incógnita”.

E sobre o premiado Beladona, um dos projetos de quadrinhos independentes mais bem-sucedidos do Brasil em matéria de financiamento coletivo via Catarse depois do sucesso no portal de webcomics Petisco? Bom, possibilidade de continuação da saga de Samantha e sua jornada de descoberta no mundo real e no mundo dos pesadelos sim. Mas talvez não impresso e sim de volta ao formato original.

“Então, estou aproveitando que o Denis [Mello, desenhista] está na França também, que quando ele voltar queremos muito retomar com a Beladona. Ainda não temos certeza no formato de leitura, provavelmente vamos para o digital. A ideia são histórias curtas mostrando a Samantha e o cenário depois do final da graphic novel. Super ansiosa para voltar com aquele cenário, muitas histórias ficaram por contar”.

Por enquanto, dá pro leitor interessado criar as próprias histórias com o recém-lançado RPG de mesa Pesadelos Terríveis, da AVEC Editora, que expande o universo ficcional de Beladona. A ideia é criar coletivamente um conto que flerta com temas como terror, loucura e mistério. E este promete ser apenas o começo. “É estranho falar tanto tempo no futuro, mas o tempo é curto e os projetos muitos”, dispara Ana, visivelmente em êxtase com tudo que tá rolando.

Ana, se te ajuda, fica a dica aqui: o Nick é fundamental na ponte de comando. Mas quando ele pula do porta-aviões putaço da vida e com a metralhadora em punho, até o Thanos dá uma tremidinha na base e ajuda a virar o jogo pros Vingadores. Certeza que a galera da Pagu pensa o mesmo de você. <3