Uma mortal se foi e agora os deuses terão que se provar dignos dela | JUDAO.com.br

Por mais que a gente estivesse torcendo pra não acontecer, enfim Jane Foster foi vencida pelo câncer. Mas, em Thor #705, sua história se encerra de um jeito emocionante, que respeita a linda trajetória da personagem e ainda vira o mito asgardiano do avesso

A gente não queria, de verdade. Mas era inevitável e, enfim, aconteceu: Jane Foster se foi, vítima da mortalidade de seu próprio corpo. A melhor Thor que o Universo Marvel já teve, protagonista de um dos melhores gibis da editora na última década, cometeu o sacrifício supremo na recém-publicada The Mighty Thor #705, ignorando completamente os avisos não apenas de Odinson, mas também do Doutor Estranho, do Falcão e da agente da SHIELD Roz Solomon, alguns de seus melhores amigos nos últimos anos.

Se ela tocasse o Mjolnir para se tornar a Deusa do Trovão mais uma vez, a sua luta contra o câncer estaria definitivamente perdida. Ela precisaria relaxar, travar sua própria batalha, deitada em seu leito de hospital. Mas a intervenção não funcionou — porque a ameaça definitiva contra os asgardianos, aquela que lançou Asgardia, a nova terra dos deuses nórdicos, fora de sua órbita e rumo ao Sol, não se curvava nem diante do poder conjunto de Odin, Lady Freyja e Odinson, o antigo Deus do Trovão. Seria necessária uma força DIFERENTE. Uma mistura de deusa e mortal. E ela, portanto, se levantou mais uma vez.

Sim, caso o roteirista Jason Aaron tivesse optado por uma saída mágica, como ele mesmo disse, para “curar” o câncer de Jane, seria um desrespeito tremendo não apenas contra toda a história que ele vinha contando até o momento (entregando, portanto, um clímax frustrante para uma jornada belíssima) mas também com todos os leitores que se identificaram com a luta da heroína.

No fim, apesar de triste, a amarração que o escritor fez foi simples, direta, mas respeitosa e perfeita — de uma forma que, literalmente, vira todo o mito dos deuses asgardianos do avesso. Aliás, mais do que isso: reinterpreta o significado da relação entre os humanos e as entidades superpoderosas que estariam acima deles e que deveriam ser cultuadas. Tivemos um deus caído, considerado indigno e separado de seu martelo, que teve que buscar a própria identidade e se tornou mais HUMANO do que muitos de seus pares. E, em seu lugar, surgiu uma humana, frágil, com uma doença gravíssima, mas que teve a força necessária para assumir o papel de principal guerreira dos Nove Reinos.

Esta inversão de papeis percorreu toda a trajetória de Aaron nos roteiros, começando com o surgimento de Gorr, o carniceiro dos deuses, aquele cujos poderes chegaram a inspirar a Hela em Thor: Ragnarok. O matador que, quando jovem, acreditava nos deuses mas nunca teve suas preces atendidas. “Os deuses são criaturas cruéis e invejosas. Chegou a hora deles deixarem de existir”, afirmou o sujeito implacável, um dos grandes desafios de Odinson, aquele que inspirou o suspiro que Nick Fury disse no ouvido do antigo Deus do Trovão e que o fez tornar-se indigno e incapaz de erguer o Mjolnir: “Gorr estava certo”.

A semente da descrença se plantou em seu coração e ele perdeu aquilo que faz os deuses se manterem acima do bem e do mal: a fé. Em si mesmo. E em todos aqueles que estavam ao seu redor.

Quando Jane se tornou a Thor, recusada por Odin e sua trupe de deuses babacas, foi quando Malekith, o elfo negro, lançou sua ofensiva contra os Nove Reinos, criando uma guerra que trouxe à vida ninguém menos do que Mangog, a vingança encarnada de um bilhão de almas humanas contra os deuses. O julgamento definitivo dos deuses, mais do que o Ragnarok, a guerra entre os deuses, é sim a vingança dos seres humanos contra os deuses.

Para derrotar um matador de deuses, é preciso uma humana. Aliás, invertendo aquele clássico conceito que a gente vê em praticamente todas as religiões do planeta, ao invés de ser necessário o sacrifício de um deus para salvar os humanos na terra, é preciso o sacrifício de uma humana para salvar os deuses no céu.

“Eu morro por amor, Mangog”, afirma ela, quando o monstrengo gigantesco percebe que existe alguém diferente por baixo das madeixas loiras e da armadura viking. Ele simplesmente não consegue entender como uma humana, exatamente como todo o ódio e raiva que o compõem, não tem vontade de se vingar daqueles seres que sempre se enxergaram acima do bem e do mal, que usam e abusam de quem está aqui embaixo, rezando, para realizar seus meros caprichos.

“O mundo precisa de mais do que apenas Thor”, diz ela, aos gritos, em sua última frase para Odin e Freya. “Precisamos de deuses nos quais possamos acreditar. Digam isso a eles. Digam pra todo mundo de Asgard. Digam a eles que é hora de merecer a dádiva que lhes foi oferecida”.

Este é o resumo de toda esta história, na verdade. E faz total sentido quando a Thor amarra o Mjolnir, seu parceiro nestes últimos três anos, nas correntes forjadas pelos anões para conter o lobo gigante Fenris durante o Ragnarok. E ela então amarra as correntes em torno de Magog. E lança o Mjolnir, aquele que nem Odin em pessoa conseguia erguer mais, em direção ao Sol, para sempre.

Magog está derrotado. O Mjolnir está destruído. E, separada do artefato, ela volta a ser Jane Foster. O monstro externo foi vencido. Mas o monstro interno venceu.

Aliás, não foi só Jane Foster que morreu. Mas também o Mjolnir. O martelo que se tornou DELA. Faz todo sentido que o artefato também tenha sido destruído porque, se ele simplesmente voltasse para as mãos de Odinson, seria um total desrespeito com tudo que a Thor fez, por tudo que ela lutou e acreditou. O Mjolnir se tornou sua benção e maldição.

Agora os deuses vão ter que encarar a guerra deflagrada por Malekith sozinhos. E o novo visual do Thor, que já sabemos como será depois do tal “fresh start” da Marvel, deve ter relação direta com esta reavaliação que não apenas ele, mas sim todos os deuses, serão obrigados a fazer. Odinson volta a ser o Deus do Trovão, claro, mas a que custo? O martelo e o braço dourados que ele usa devem ter alguma relação com ELA. Talvez seja um Mjolnir renascido, com a luz do sol e a essência de Jane dentro de si.

Faria sentido. E seria uma forma, sutil, de manter a essência da maior joia de Asgard, que também era de Midgard, ainda viva.