Protagonista! Mas pelos motivos errados... | JUDAO.com.br

Nos últimos dias, muito se falou a respeito da Viúva Negra, personagem vivida por Scarlett Johansson. Mas só sobre questões fora do filme — incluindo um comportamento tão comum quanto difícil de mudar… :(

“Ela é uma puta”. Essa foi a resposta de Jeremy Renner à uma pergunta sobre o fato de fãs SHIPPAREM a Viúva Negra com o Capitão América e/ou Gavião Arqueiro e agora ela estar de gracejos com Bruce Banner. Chris Evans, ao seu lado — e sendo pego completamente de surpresa — explodiu em gargalhadas. “Ela é uma vadia completa”.

O vídeo da entrevista, que transforma dois dos Maiores Heróis da Terra em praticamente um sketch sem graça de Beavis & Butt-head, correu o mundo. Os dois atores foram até forçados a pedir desculpas oficialmente depois de todo o barulho nas redes sociais – ainda que com tons bem diferentes. “Respondemos de forma muito infantil e ofensiva. Alguns fãs ficaram irritados, com direito. Arrependo-me e peço sinceras desculpas”, disse Evans. O pedido de desculpas do Renner, todavia, foi meio puto da vida, contrariado, vá. “Lamento que essa piada sem graça sobre um personagem fictício tenha ofendido alguém”, disparou ele. “Não era para ser levado a sério. Estávamos apenas fazendo piadas durante uma agenda de atendimento à imprensa exaustiva e entediante”.

O papo do Renner nos leva a querer discutir um outro ponto aqui, este ainda mais sério. Porque quando ele diz “piada sem graça sobre um personagem fictício”, expõe abertamente uma outra questão que envolve a Viúva Negra. Jeremy, desculpaê, ela é um “personagem fictício” mas também é um exemplo. Assim como são o Thor, o Hulk, o Capitão América e esta galera toda. E a minha filha que tem 11 anos de idade taí pra provar: quando ela viu a Srta. Romanoff em ação no filme dos Vingadores, ka-boom, um mundo novo parece ter se aberto diante de seus olhos. “Olha, uma menina!”. Fez dezenas de perguntas, queria saber como ela era nos quadrinhos, quando rolaria um filme só dela...

VingadoresExiste esta demanda, senhores e senhoras. Não começou em 2012, não é só porque estamos falando sobre isso. Mas, se você vai na loja oficial da Marvel e pesquisa por “Age of Ultron”, apenas um MOUSEPAD, uma caneca e uma camiseta retornam como resultados dedicados à ela, que ainda aparece num set LEGO e numa ECOBAG, entre (ou atrás de) outros personagens.

Entre os maiores fabricantes de brinquedos dos EUA (Funko, Lego, Hasbro e Diamond Select), apenas a primeira tem um bonequinho dedicado à personagem. Em todos os outros, ela aparece junto de outros personagens — e, quando eu digo “todos os outros”, quero dizer apenas QUATRO ITENS, enquanto outros 20 tem a cara do Tony Stark estampada. Piscou, perdeu.

Roupas? Se não fosse a Her Universe que, como você deve imaginar, só faz coisas pra meninas...

A situação aconteceu igualmente no primeiro filme dos Vingadores e também se repetiu com a Gamora no filme dos Guardiões da Galáxia e, mais recentemente, com Star Wars Rebels, cujos merchs simplesmente IGNORARAM a presença da Hera e da Sabine.

Durante a Star Wars Celebration, aliás, Kathleen Kennedy, presidente da LucasFilm, foi perguntada sobre qual personagem de Star Wars ela gostaria de ser. A resposta não surpreendeu, claro. “Eu não tenho muitas escolhas”, disse, comentando ainda a pressão que as muitas meninas fazem em cima dela — inclusive suas filhas.

É a mesma pressão que a minha filhota, que tem uma cacetada de bonecas das Monsters High e curte a atitude “roqueira” das Equestria Girls, faz pra mim. Depois de assistirmos ao filme dos Guardiões, adivinha só o que ela me perguntou e eu tive que dizer “não, infelizmente”? Pois é.

Essa imagem é real.

Essa imagem é real.

Não é coincidência que estejamos falando das duas maiores e principais aquisições dos últimos anos — e feitas justamente pela mesma empresa. Em nenhum momento a Disney, sinceramente, pensou em colocar o Mickey como parte dos Vingadores, ou o Pateta como novo vilão de Star Wars. Eles estavam atrás de um público que, até então, não conseguiam atingir — e que tanto a Marvel quanto a LucasFilms o fazem com maestria, com mais de 100 anos de experiência, somados: os meninos.

E, por atingir, eu quero dizer especificamente “vender coisas e ganhar dinheiro”.

A Disney já tá bem suprida de produtos para meninas depois do reforço que a linha das princesas sofreu nos últimos anos, atingindo em cheio a memória emocional das mães e passando a “magia” diretamente para as novas gerações. Não por acaso, depois das últimas animações, agora a Disney vai embarcando nesta onda de versões live-action das suas mocinhas. Foi assim com a Bela Adormecida em Malévola, foi assim com a recente Cinderela (que é uma recriação fiel da animação de ponta a ponta)... E vai ser assim com Mulan, com A Bela e a Fera...

Isso se a gente nem quiser mencionar aquele pequeno fenômeno gelado conhecido como Frozen, considerado um dos maiores acertos da empresa do Mickey Mouse nos últimos anos, um verdadeiro case de licenciamento — e que vai ganhar uma sequência.

POR QUE eles se importariam em colocar a Viúva Negra, a Feiticeira Escarlate ou qualquer que seja a heroína em uma camiseta? Foda-se. Super-heróis e jedis têm que vender pra moleques, certo?

No meio de toda essa polêmica, o uma ex-funcionária da Marvel que afirma que esse “esquecimento” é absolutamente proposital. SURPRESA!

O engraçado é que ANTES da aquisição pela Disney, a Marvel até se preocupou com a fatia de público relativa às garotas. Chegou a desenvolver estampas para camisetas com a Elektra e com as heroínas mutantes dos X-Men, mas teve muito licenciador (o cara que paga pra poder usar as propriedades em seus produtos) que reclamou, dizendo que não ia lançar nada com aquelas garotas seminuas, em poses sensuais. E a série de camisetas batizada de “Marvel HERoes” acabou tendo uma performance bem abaixo do esperado, MUITO provavelmente por conta de frases como My Boyfriend is a Superhero, I Only Date Heroes... ou a tenebrosa My Boyfriend is Captain of My Team, com a imagem do (adivinhem só) Capitão América.

Mas, quanto a isso, não podemos afirmar nada... ;D

Camisetas

Em março, o VP de licenciamento de produtos Marvel dentro da Disney Consumer Products, Paul Gitter, bateu um papo com a Variety no qual prometia que a oferta de produtos de Vingadores: A Era de Ultron seria BEM maior. “No primeiro filme, nos focamos na propriedade dos Vingadores como um todo e nos retratos deles como time. Agora, estamos ampliando a linha e o escopo para nos focarmos não apenas no time, mas também nos personagens individualmente”. Alguém avisa isso pra Wanda e pra Natasha, por favor? Elas não devem ter recebido o memorando.

Aí a DC me vai e anuncia aquela coisa fofinha que é o projeto DC Super Hero Girls, com HQs e uma porrada de produtos licenciados específicos (em especial bonequinhas, claro) estrelados por Batgirl, Mulher-Maravilha, Arlequina, Hera Venenosa, Katana... e cujo foco é nas meninas entre 6 e 12 anos. É uma gracinha. É só amor. Mas fico aqui pensando: pra que segregar? Sabe o lance de “a She-Ra é o He-Man para meninas”? Mas as meninas não podem gostar do He-Man? Por que pensar “vou criar uma linha de brinquedos com super-heróis apenas para meninas?”. Não seria melhor misturar tudo e deixar que as próprias crianças escolham?

Lança uma coleção dos Vingadores com heróis e heroínas misturados, com bonequinhos de todo mundo. Aí a menina pede pra mãe ou pro pai quem ela quiser. Pode ser a Viúva Negra ou o Hulk. A menina pode querer levar o boneco do Darth Vader. E o moleque querer a Princesa Leia. E daí? E se o menino quiser a princesa Elsa? Ou se, de repente, o pequeno sujeito vai e me escolhe uma figura de ação da Feiticeira Escarlate? Insira a sua música de tensão aqui. O que vai acontecer? O pau dele está predestinado a cair? Ele vai se tornar um “viadinho”?

Meninas gostam de rosa, meninos gostam de azul. É isso? Como justificar a camisa cor de rosa com a qual eu estava vestido enquanto escrevia este texto (true story)? E o que aconteceu com a minha masculinidade futura depois que resolvi, aos 9 anos de idade, que minha coleção do He-Man não estaria completa se não tivesse as bonecas da Teela e da Maligna?

DC Super Hero Girls

DC Super Hero Girls

Debbie Sterling, uma americana de seus 30 anos, foi certa vez a uma loja de brinquedos e, na área reservada às meninas, ficou horrorizada com o que encontrou: tudo era cor de rosa e com o claro intuito de ensinar as meninas a sonhar em se tornar princesas desde a mais tenra idade. Com seu diploma de engenharia de Stanford em mãos e um brilhante tino para o marketing, ela colocou no Kickstarter um projeto cujo objetivo seria incentivar as garotas a se interessarem por áreas como ciências e matemática.

Rapidamente, Sterling ultrapassou a marca dos US$ 150.000 pedidos e começou a colocar em prática o GoldieBlox. Trata-se de um kit de construção que vem acompanhado de um livro – cuja estrela é uma menina de nome Goldie, que quer mostrar que consegue resolver os seus problemas construindo coisas. Pensando. O resultado? Aos poucos, algumas grandes cadeias de lojas de brinquedos foram se rendendo. E depois de vencer um concurso da Intuit, provedora de soluções gerenciais para pequenas empresas, o GoldieBlox foi parar nos intervalos do Super Bowl, a desejada final do campeonato de futebol americano – e um dos espaços publicitários mais caros do mundo, custando a bagatela de US$ 4 milhões. Trata-se da primeira pequena empresa da história a anunciar neste espaço, falando para um público estimado de mais de 115 milhões de pessoas.

Ficou claro agora ou quer que eu desenhe?

O fato é que chega a ser surreal que estejamos aqui discutindo o papel da Viúva Negra (e, por que não, também da Feiticeira Escarlate, que agora vai ser figura recorrente no MCU) tendo como base umas paradas sinistras que não dizem o menor respeito aos filmes em si.

Em Homem de Ferro 2, ela distribuiu uma farta dose de chutes em traseiros. No primeiro Vingadores, ela manipulou o próprio Deus da Trapaça e, a bordo de um transportador dos chitauri, deixou os alienígenas comendo poeira – e bordoadas. Em Capitão América 2, a moça roubou a cena de Steve Rogers, tadinho. E em Vingadores 2, foram justamente ela e o Gavião Arqueiro (doce ironia...) que ajudaram a humanizar os heróis, gerando as sequências mais interessantes de um filme que dividiu opiniões.

A gente não deveria estar falando a respeito DISSO? E apenas DISSO?

Deixo para a divisão de licenciamento da Disney uma pergunta: mas e aí? O que os senhores vão fazer com o filme da Capitã Marvel? Meninos, meninas? Não sabem muito bem ainda, né? Comecem a ouvir mais os seus pequenos consumidores e consumidoras que já, já vocês entendem.

Eu espero, pelo menos.