Você conhece o PAI do Jorel? | JUDAO.com.br

A mais nova animação nacional do Cartoon Network é uma adição importante numa lista de ótimos trabalhos – e que vem crescendo bastante nos últimos anos na TV por assinatura

Tá bom, eu até entendo toda esta coisa saudosista de quem diz que as produções originais do Cartoon Network, no passado, eram incríveis. O Laboratório de Dexter; Johnny Bravo; Du, Dudu & Edu; A Vaca e o Frango; Eu Sou o Máximo. Eram pequenas jóias dos anos 1990, fato. Mas, rapaz, eu sou radicalmente contra quando as pessoas resolvem que vão complementar o pensamento dizendo “ah, naquela época é que era bom, hoje é tudo uma bosta”. Putz, mas isso não poderia estar mais longe da verdade. A lista de atuais produções originais do canal é simplesmente genial, encantadoras para crianças e divertidíssimas para adultos. Temos Chowder, As Trapalhadas de Flapjack, O Incrível Mundo de Gumball e os hits absolutos Apenas Um Show e Hora de Aventura.

Recentemente tem sido possível ver, como parte desta brilhante linhagem, um novo desenho animado, chamado O Irmão do Jorel. O desenho é sobre uma família disfuncional, simpática e esquisita na mesma dose, aparentemente presa nos anos 1980, que tem um filho caçula adorável cujo nome nunca sabemos qual é – afinal, ele sempre é ofuscado pela suprema perfeição de seu irmão, Jorel. Carregado no non-sense, no gostinho anárquico e politicamente incorreto que sempre foi característico do canal, O Irmão de Jorel é diferente apenas por conta de sua procedência: trata-se de uma produção nacional, a primeira local do Cartoon Network em toda a América Latina, criação do inquieto capixaba Juliano Enrico.

Ver este projeto pronto, para mim, tem um significado especial. Isso porque eu trabalhava com o Cartoon Network e tive a oportunidade de acompanhar o começo desta parceria, em 2009, quando Juliano faturou o pitching – uma espécie de concurso para o mercado de audiovisual – do canal. Na época apenas um quadrinista independente da cidade de Vitória (ES), Enrico teve seu projeto selecionado dentro do 10º Fórum Brasil – Mercado Internacional de Televisão, o mais importante encontro de negócios em programação de TV da América Latina. Escolhido por um júri do qual faziam parte nomes importantes como Beth Carmona (Midiativa) e Sergio Sá Leitão (RioFilme), o garoto que trazia apenas uma sinopse alucinada e um monte de storyboards alucinantes desbancou, inclusive, o projeto Gemini 8, da mesma TV Pinguim que faz o megasucesso Peixonauta – e que hoje está na tela do Disney Channel.

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O Irmão do Jorel

O primeiro rascunho de Irmão do Jorel surgiu em 2003, quando Juliano mantinha um Fotolog (lembra disso?) com fotos e ilustrações inspiradas em sua própria família. “Pela resposta que o site teve e pelos comentários postados, percebi que ali tinha potencial para desenvolver uma série. Os personagens foram surgindo a partir daí”, conta ele. “A ideia inicial apareceu quando encontrei uma caixa com fotos e fitas VHS antigas da minha família. Comecei a desenvolver os personagens inicialmente para uma história em quadrinhos, mas com o tempo percebi que havia potencial para fazer uma série animada”, completa.

O prêmio que Juliano levou nesta história? US$ 20 mil para o desenvolvimento de um piloto. Inicialmente sozinho, logo ele se associaria ao Copa Studio, um estúdio de animação que o ajudou no desenvolvimento da série. Hoje, ao lado de uma equipe de quase quarenta pessoas, ele avalia que ter mais cabeças pensando no processo criativo foi a principal mudança. “O Cartoon Network ficou tranquilo, me deu toda a liberdade, não tinha uma pressão para o projeto sair do papel. (...) A gente achou que precisava de tempo para trabalhar direitinho a caracterização”, revela. Algumas mudanças seriam necessárias, claro, por se tratar de um desenho animado exibido em um canal infantil. A avó dos garotos, por exemplo, fumava. E acabou trocando o cigarro por um pirulito. Mas isso fez com que o autor resolvesse fazer com que ela se tornasse uma viciada em doces. “Ficou até mais engraçado”, confessa.

“Não tínhamos pressa. Queríamos que ele se desenvolvesse, que o projeto ganhasse corpo, que tomasse forma. Fomos dando, claro, toda a consultoria. Mas deixamos ele ir pirando”, revela Daniela Vieira, diretora de conteúdo do Cartoon Network no Brasil. Neste meio-tempo, Juliano teve algumas experiências que o ajudaram a crescer como profissional – em especial, quando atuou como VJ da MTV, na reta final da fase anterior do canal. Passou pelo Acesso MTV, pela série Overdose e pelo apocalíptico O Último Programa do Mundo, com Daniel Furlan, seu parceiro nas produções da TV Quase, agora para o YouTube. Mas nunca deixou o Jorel e seu irmão para trás.

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A família do Jorel – que é, no caso, o camisa 9 de cabelo sedoso :)

Ano passado, ficou pronto o episódio-piloto, exibido com sucesso em eventos do segmento de animação e recebido com empolgação. Eis que, no último dia 22 de setembro, O Irmão de Jorel foi ao ar pela primeira vez. “É um choque muito positivo”, diz Enrico, emocionado. “Vi este primeiro episódio com a equipe toda. E um dos animadores me confidenciou que é bom trabalhar em uma série que ele mesmo assistiria. Outro veio me dizer que foi a primeira vez que a mãe dele elogiou algo que ele fez”.

O resultado? O Irmão do Jorel já tem 26 episódios garantidos nesta primeira temporada, sendo oito este ano e o restante no ano que vem, em data a ser confirmada. E mais: o canal já está trabalhando na dublagem para que a série seja exibida em toda a América Latina em breve. “Não é um desenho que fala apenas com o público local. Ele trata de família, de conflitos humanos. Vai funcionar bem em outros países. Estou ansioso”, revela Juliano.

TV por assinatura: o oásis da animação nacional?

Juliano avalia ainda que estamos num momento importante para o mercado de conteúdo criativo aqui no Brasil. “O Cartoon Network está sendo desbravador neste processo. Não está querendo trazer estes desenhos apenas para preencher cotas. Espero que O Irmão do Jorel consiga ajudar a dar mais espaço para outros criadores”.

Quando menciona “cotas”, o criador de O Irmão do Jorel se refere às cotas de produção nacional às quais os canais de TV por assinatura foram recentemente submetidos no Brasil. Essencialmente, como forma de tentar ajudar a fomentar o mercado de produção de conteúdo audiovisual por aqui, todo canal agora é obrigado a exibir ao menos três horas e meia semanais de conteúdo nacional.

E sim, Juliano está certíssimo quando diz que o interesse do Cartoon Network em produção nacional não está necessariamente ligado às cotas, porque o canal já fazia investimento pesado neste sentido antes mesmo da lei ser aprovada. Atualmente, além de Jorel e seu irmão, o Cartoon exibe títulos diversos como Turma da Mônica, Sítio do Pica-Pau Amarelo, Tromba Trem, Carrapatos e Catapultas, Historietas Assombradas (para Crianças Malcriadas), Gui & Estopa... “E ainda recebemos em média, por mês, uns 80 projetos. Alguns muito bons – e outros, obviamente, precisando ser lapidados. Mas o que eles querem, basicamente, é ser ouvidos, mostrar seu trabalho, dar um pontapé inicial”, avalia Daniela, do Cartoon. Mas esta, no entanto, não é uma particularidade apenas do Cartoon Network, mas de todos os principais canais infanto-juvenis.

Historietas

Historietas Assombradas

No Gloob, temos Osmar – A Primeira Fatia do Pão de Forma. No Discovery Kids, rola Peixonauta e Meu Amigãozão. Na Nick, Escola pra Cachorro. E o mestre Mauricio de Sousa consegue estar presente, pasmem, em toda esta miríade de canais: além da Turma da Mônica no Cartoon (que, em breve, deve receber a Turma da Mônica Jovem, ainda em desenvolvimento), ele emplacou A Turma do Ronaldinho Gaúcho no Gloob, Pelezinho no Discovery Kids e uma série de pequenas pílulas animadas com a versão infantil do jogador Neymar Jr. para a Nickelodeon. Haja fôlego! :)

“Nunca se produziu tanto no Brasil, seja para cinema, para home video ou direto para a internet. Investimentos estão aumentando, mesmo que a pequenos passos, a divulgação e os canais de distribuição se multiplicaram... Ainda estamos no começo, mesmo depois de tanto tempo. E isso é bom”, avalia o publicitário Paulo Martini, especialista no gênero e que está começando o seu próprio projeto. “Sempre fui apaixonado pela arte, pelos desenhos, pelas técnicas, por todo o processo. Com o decorrer dos anos, acabei aprendendo muito sobre a parte de distribuição, licenciamento, direitos autorais, modelos de negócios, e acabei montando a Animartini com um foco em novas maneiras não apenas de captação de recursos, mas também de distribuição, algo que saia do formato já estruturado e que vêm apanhando muito devido às novas mídias”. A primeira série já tem nome: Tau, com releituras de figuras típicas do nosso folclore.

Ele concorda que os canais de TV por assinatura se tornaram um bom recanto para quem faz este tipo de trabalho no Brasil. “Eles são um meio de distribuir esse conteúdo, uma abertura que as TVs abertas nunca deram. Mas acredito que a internet, com seus canais de divulgação gratuitos – como o Youtube e o Vimeo, por exemplo – e as plataformas de VOD – como o Netflix, Hulu e Amazon Video, por exemplo – são o futuro, e ainda estão apenas engatinhando”.

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Gui & Estopa, criação de Mariana Caltabiano

Neste sentido, Mariana Caltabiano também faz coro – além da TV por assinatura, a internet é uma excelente vitrine não apenas para projetos de animação, mas também para que aspirantes a profissionais mostrem a cara. Trabalhando inicialmente no mercado publicitário, ela sempre foi apaixonada por desenhos animados e criação de personagens. Em 1997, largou tudo e abriu uma empresa, quando lançou o livro Jujubalândia, que viraria uma série com bonecos, comprada pelo SBT. Na Globo, criou Turma da Garrafinha, Bigode e Bicudo e Flora Encantada. “Em 2000, comecei a desenvolver o portal Iguinho, onde fiz minhas primeiras experiências com animação. Em 2006, consegui um patrocinador para a série Gui & Estopa, foi quando surgiu a oportunidade de montar meu próprio estúdio de animação”. No fim, Gui & Estopa foi parar no Cartoon Network antes mesmo das cotas serem sequer sonhadas na cabeça de algum legislador...

Mariana afirma que você pode trabalhar em mais de uma área na animação, sem precisar ser necessariamente animador. “Pode ser roteirista, produtor, cenarista entre outras funções. Acho que o primeiro passo é descobrir o que você realmente ama fazer”. Para Martini, quando você diz que quer “trabalhar com animação”, acaba criando um cenário tão abrangente, com áreas diferentes e com necessidades tão específicas, que é necessário conhecer pessoas que já trabalham na área, procurar livros sobre o assunto, para realmente conhecer. E estar sempre atrás de novidades, saber dos filmes, das séries... “Não é uma área na qual as pessoas caem de paraquedas, que você escolhe fazer porque não tinha nada melhor. Antes de ter certeza que ama animação, não tem como seguir em frente”.