Warner Channel comemora 20 anos falando outra língua | JUDAO.com.br

Agora quase que 100% dublado, canal comemora suas duas décadas de vida em busca de uma nova fatia de público – mas lutando para não perder os antigos fãs

Desde o último dia 4 de Maio, quem assiste ao Warner Channel, que completa exatos 20 anos em 2015, precisa se acostumar a uma nova realidade, ao ouvir Sheldon, Ross, Penny, Chandler, Raj e Joey falando em português. Nunca um “bazinga” soou tão, sei lá, esquisito. E é melhor aceitar, que dói menos. A decisão é definitiva e irreversível.

Na real, quem acompanha a gente por aqui já tinha ouvido que era questão de tempo até que isso acontecesse – como comentamos lá atrás, há exatamente um ano, assim que séries como The Middle — ou “The Middle: No Meio do Nada” — e 2 Broke Girls — ou “2 Garotas em Apuros” — deram início, ainda que timidamente, a um bloco de programação todo falado na nossa língua. “Na verdade, esta ideia vem sendo amadurecida há bastante tempo”, confessa Rogério Gallo, vice-presidente dos canais de filmes e séries da programadora Turner, responsável pela grade da Warner, em entrevista exclusiva ao JUDÃO.

Ele conta que a performance de audiência destas faixas dubladas acabou sendo muito, mas muito melhor. “Era uma oportunidade de crescimento que não dava pra ignorar”, diz, admitindo que sempre teve sentimentos conflitantes a respeito. “Eu, como público, prefiro sempre o idioma original. Mas não é admissível, do ponto de vista do negócio, ignorar este novo público”, afirma, referindo-se, mas sem nunca nomear desta forma, ao crescimento do poder de consumo da chamada classe C. “Além de recebermos manifestações ativas de pessoas demandando esta opção dublada, víamos mês a mês um não-crescimento – ou, no caso, um crescimento dos canais de filmes e séries que não acompanhamos”.

Um estudo realizado pelo instituto Data Popular, sob encomenda do grupo de operadoras que atua sob o nome de NeoTV, aponta que, atualmente, 29% dos assinantes de serviço de TV por assinatura são “entrantes” e que a, cada 100 novos clientes de TV por assinatura, 95 pertencem às classes C e D.

“Esta é uma classe que está mais acostumada a consumir conteúdos dublados. E eles representam mais de 60% do nosso público”, afirma Gallo. Pois é, gente. Negócios são negócios. Lidem com isso. Hoje, juntos, clientes das classes C e D representam 66% dos assinantes de TV por assinatura.

Mesmo assim, o executivo faz questão de pontuar: “É uma nova opção. Não abandonamos uma oferta. Você vê do jeito que quiser”. Segundo ele, toda a equipe que cuida do canal sempre soube que a Warner tem “fãs muito fiéis e leais” e, portanto, queriam que o processo fosse realizado de uma maneira inclusiva. “Não demos as costas a eles”. Gallo conta que estava pessoalmente bastante preocupado com o jeito que a coisa seria conduzida, pois sabia que num canal de filmes como o concorrente Megapix ou o canal irmão da Warner, a TNT, a coisa talvez fosse mais simples do que numa programação que atende ao fanático público que consome séries. “Mas foi tudo muito eficiente e o retorno foi muito positivo”.

TheBigBangTheory

E quando a série começa, eles são anunciados como... Big Bang – A Teoria. :)

Quando fala de “tudo”, Rogério se refere ao anúncio que foi feito anteriormente, via redes sociais e imprensa, para já preparar o público para a mudança que viria. “Ao contrário de alguns concorrentes, a gente não virou a chave de uma hora para outra”, diz, alfinetando canais como a Sony – que, da noite pro dia, mudou as suas séries do horário nobre (como Grey’s Anatomy, Scandal e Once Upon Time) para a versão dublada e liberou o áudio original em inglês... mas sem legendas. Naquele momento, em março passado, a a Sony afirmou em um comunicado oficial que “o que acontece é que ainda não temos a opção com legenda, é um processo complicado (não o processo de legendar, e sim o processo operacional de colocarmos a legenda no ar, pois dependemos de terceiros para algumas séries), mas sabemos da importância de oferecer as duas opções (legendado e dublado) e estamos trabalhando na implementação do sistema de dual audio para que esteja disponível o quanto antes”. Muitos assinantes lembraram imediatamente da estratégia da Fox, implementada também para o dia para a noite, em 2009.

Mas no caso da Warner, com toda a preparação prévia, nem todo mundo entendeu a situação logo de primeira assim tão fácil, claro. O post da Warner no Facebook, fazendo o anúncio inicial da mudança no dia 28/4, está repleto de gente inconformada. “Então temos que assinar um pacote digital para ter acesso aos produtos? Discriminação? Estão exigindo vantagem manifestamente excessiva dos consumidores! MERECEM PROCESSO!”, reclama Alessandra Guidoni. Já o Daniel Machado afirma que “o dublado deveria ser uma opção e não a regra. É claro que a maioria prefere o áudio original. Por essas e outras estou preferindo a Netflix”.

Rogerio Gallo

Rogério Gallo

Uma olhada breve nos comentários de rigorosamente todas as postagens de lá até o dia de hoje mostra que o assunto “dublagem” é, disparado, aquele que mais surge. Tem muita gente reclamando, claro. Mas também tem muita gente defendendo (“Estamos no Brasil, aqui se fala português!”, defendem os mais inflamados). Em termos técnicos, no entanto, assinantes de operadoras como SKY, OiTV e GVT dizem que já desfrutam normalmente da dupla opção. Mas clientes de outras empresas, como a Claro, ainda reclamam de que as coisas não estão funcionando como deveriam, quase um mês depois da implementação.

O canal se defende e joga a bola pras operadoras. Gallo garante que opção dupla está disponível tanto nos sinais de HD quanto no digital. “A base analógica é muito pequena hoje. As operadoras estão substituindo isso muito rapidamente”. Para quem tem mais de 25/30 anos de idade, a realidade da transmissão de dados via cabos é uma lembrança ainda bastante viva – tanto é que os grisalhos insistem em continuar chamando “TV por assinatura” de “TV a cabo”. Mas a transmissão do sinal via satélite e conversores digitais já é uma realidade em grande parte do país. “A base HD mais a digital, somadas, significam 80% da base atual de assinantes”, explica Gallo.

Dados da ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) divulgados em março deste ano afirmam que a tecnologia de transmissão digital DTH (direct to home) possui 12 milhões de usuários; em segundo lugar vem o cabo, com 7,58 milhões de assinantes. Em percentual, o DTH tem 60,9% de participação de mercado, enquanto o cabo tem 38,48%. Um detalhe importante: nem todo cabo pode ser considerado analógico, apenas os coaxiais. Os cabos de fibra ótica já transmitem o sinal com qualidade digital. Ou seja... o número final é ainda maior. ;)

Rogério afirma ainda que a liberação dos dois sinais acontece para todas as operadoras, 100% delas, incluindo as pequenas representadas pela organização NeoTV, por exemplo. Em termos comparativos: enquanto SKY tem cerca de 5,6 milhões de assinantes, abrangendo todo o Brasil, a ViaCabo atinge por volta de 110 mil assinantes, com área de atuação restrita às regiões Sul, Centro-Oeste e algumas cidades de Minas Gerais e Espírito Santo.

“Mas, claro, este é um período de adaptação. Sabemos que mesmo os menores estão devidamente equipados”. Isso significa que, qualquer problema, a intenção é “avaliar diretamente com a operadora para descobrir o que aconteceu e tentar resolver o mais rapidamente possível”.

Vale dizer que, quando a TV paga ainda era analógica e dava os primeiros passos no Brasil, a Warner Channel era 100% dublada – assim como a Fox. Outros tempos, com os canais exibindo quase que praticamente catálogo antigo e quando mesmo as séries novas demoravam um bom tempo pra estrear. Esse negócio chamado internet era novo, pouca gente daqui ficava ligado semanalmente no que era exibido nos EUA e o formato até que funcionava – só que as coisas foram se tornando mais rápidas, mais dinâmicas. O volume de novas séries nos canais pagos cresceu e, pra atender esse público mais antenado e pra superar eventuais demoras no processo de dublagem, a Warner passou a ter a grade de programação legendada, num caminho totalmente inverso ao percorrido agora.

Só que esse mesmo dinamismo agora atropela os canais. Aquele público que os motivou a serem legendados não quer mais esperar de uma a duas semanas (ou até mais do que isso) pra ver o episódio que tá todo mundo comentando HOJE no Facebook e no Twitter. Entre o pessoal que resta, bom... É onde o dublado pode realmente fazer a diferença nessa briga por audiência.

Ao menos Gallo afirma que nada vai mudar nisso, com os episódios inéditos das principais séries sendo exibidos na Warner com cerca de uma semana de diferença aos EUA. “Obviamente, mantendo este timing, não dá para estreá-las assim com a dublagem, logo de cara. E isso a gente não quer perder. Preferimos estrear rápido, legendado. E aí as reprises vão ser dubladas”, explica Gallo. “Não quisemos dar um passo para trás”.

Vamos ficar de olho. Afinal, ninguém também dizia que os canais voltariam pra fase da dublagem há uns 15 anos, quando a primeira migração aconteceu...

E as séries baseadas em HQs? Tão indo bem? “Sinto que este é praticamente um novo gênero. Os heróis são icônicos, passam por todas as gerações, falam com todas as classes sociais, regiões do país, sexos... Falam com as crianças e também com os pais. É o tipo de conteúdo que caiu muito bem para nós, uma boa mistura de drama com comédia e ação. Tanto é que embalamos Arrow, Flash e Gotham como um único bloco de super-heróis e funcionou perfeitamente”.

Embora, por uma questão de relacionamento entre as programadoras e o Ibope, não se possa liberar com frequência os dados isolados de audiência por programa, a gente já sabia que o Flash, por exemplo, vinha funcionando bem – o suficiente para que até a Globo tivesse interesse em exibi-lo. Um levantamento, publicado na época da estreia, colocava o Velocista Escarlate como a segunda série mais assistida da TV paga, atrás apenas de The Walking Dead.

E o executivo garante: “não vou deixar passar nada do tipo que o CW lance”. Portanto, leia-se “Legends of Tomorrow” também. E mesmo a Supergirl, da mesma CBS de The Big Bang Theory. “Vou pegar tudo de super-heróis. Nem os longas baseados nos quadrinhos da DC vão passar”, promete.

Ainda existe um outro ponto, este bem mais delicado, no que diz respeito à programação: as cotas de produção nacional. Sabe aquela história da lei 12.485, que afirma que os canais passam a ter a obrigação de dedicar 3 horas e 30 minutos semanais de seu horário nobre à veiculação de conteúdos audiovisuais brasileiros, sendo que no mínimo metade deverá ser produzida por produtora brasileira independente? “Estamos avançando muito, enquanto grupo, na questão da produção nacional. Queremos agora dar um pulo maior”, afirma. “A Turner não foi uma produtora que investiu tanto quanto deveria em produção nacional. Mas isso é passado. Neste momento, estamos com oito produções brasileiras exclusivamente nossas, sendo que duas delas são para a Warner”.

Embora guarde detalhes a sete chaves, uma destas produções é uma série, com 13 episódios de 30 minutos. E a outra é um programa, de variedades, também com 13 episódios. Ambos vão estrear em breve, mas ainda sem data definida.

“Não vamos apenas cumprir cotas, nosso objetivo é maior do que isso”, promete. “Queremos produção nacional de qualidade, para respeitar o nosso público. Um público acostumado com qualidade. Não dá pra colocar qualquer coisa no meio de Gotham e um filme tipo Harry Potter e achar que está tudo bem. Precisa ser mais”.

Olha... a promessa é grande. Cobraremos.