Wayne & Garth ajudaram a catapultar Bohemian Rhapsody, um dos grandes hits do Queen, que completa exatos 40 anos, aliás
Março de 1993. Eu, ainda com meus 13 anos de idade, estava começando a formar meus gostos musicais, saindo da infância da Xuxa, do Sérgio Mallandro e do Trem da Alegria e entrando na adolescência com opções mais fartas e variadas. Uma coisa que tinha certeza é que, das sonoridades que começava a provar, tava claro que eu gostava de rock. Ponto. O Queen era uma banda que me agradava. Mas ainda não era a minha banda favorita. Até que vi a abertura daquela novela, O Mapa da Mina, dobradinha de Cassiano Gabus Mendes e Maria Adelaide Amaral.
No comecinho da música de abertura, lá estava um “Mamma mia, Mamma mia” que me soou bastante familiar. Mas caralho, de onde eu conhecia aquilo? Bati cabeça tentando lembrar durante meses – até que uma reprise na TV me deu a resposta: Quanto Mais Idiota Melhor, filme do Mike Myers lançado no ano anterior. Quando assisti à comédia baseada em um esquete do Saturday Night Live pela primeira vez, com a dupla de nerds roqueiros Wayne e Garth, acho que foi até no cinema com uns amigos, admito que não me pegou muito. Mas neste segundo momento, aquela coisa do rock, aquelas piadas envolvendo bandas, as referências musicais, ôpa. Mexeu comigo. Pra valer.
E Bohemian Rhapsody, a tal música do “Mamma Mia”, o grande momento do início de Quanto Mais Idiota Melhor, foi a minha porta de entrada de vez para conhecer a obra do Queen. Pra conhecer a banda de vez além de We Will Rock You e We Are The Champions, as duas obviedades. Foi a partir dali que conheci A Night At The Opera (1975), o grande disco do Queen, sua obra prima, um dos maiores álbuns da história. Eu e também um bocado de gente, acredito.
Porque Quanto Mais Idiota Melhor foi diretamente responsável por transformar Bohemian Rhapsody novamente num sucesso, quase duas décadas depois de volta ao topo das paradas. E quem admite isso é o próprio Brian May, guitarrista do Queen – justamente no momento em que Bohemian Rhapsody completa 40 anos de seu lançamento oficial como primeiro single do álbum de capa branca.
“O filme ajudou a transformar a música numa espécie de clássico – e deu a ela uma segunda vida no mercado norte-americano”, diz May, em entrevista para a BBC. “E esta é justamente uma grande ironia, porque teve uma época em que dominamos a América e fazíamos turnês lá todos os anos. Parecia que nada podia dar errado. Mas deu”.
Relembrando a história toda para a revista Rolling Stone, May cita três grandes fatores como sendo a derrocada do interesse dos EUA pelo Queen nos anos 1980. O primeiro deles foi o fato de que a Capitol, gravadora da banda na Terra do Tio Sam naquela época, passou a ser investigada pelo pagamento do popular JABÁ – aquela graninha que se dá nas mãos das rádios e emissoras musicais para garantir que este ou aquele artista toque mais. Imediatamente, a galera da área de promoção da gravadora passou por uma limpeza. E Radio Ga Ga, por exemplo, teve pouca ou quase nenhuma divulgação quando saiu como single de The Works (1984). Junte isso ao fato de que Paul Prenter, assessor pessoal de Freddie Mercury, passou a vetar grande parte das visitas do cantor às rádios quando a banda chegava por lá, deixando os apresentadores bem putos da vida.
“Houve ainda um problemão envolvendo nosso clipe de I Want To Break Free, que tem a gente vestido de mulher”, explica May, agindo como se alguma pessoa da face da Terra pudesse não fazer ideia do que ele está falando. “Todo mundo achou engraçado na Europa, mas nos EUA não. Lembro quando fomos para lá depois do vídeo e as pessoas olhavam pra gente de um jeito estranho. Foi algo que acabou com o disco e acabou com a gente”.
Bom, até Mike Myers entrar na jogada. O ator é, pessoalmente, um grande fã de rock – em especial, do rock clássico produzido pelas bandas inglesas. Já se sabe que, para aquele momento em específico do filme, os produtores queriam colocar uma música dos Guns n’ Roses, que estavam bombando na MTV. Mas Myers bateu o pé. E enfiou o Queen na jogada. “Eu não conhecia o Mike, mas ele me ligou do nada e disse ‘sabe, escrevemos uma cena incrível para o nosso novo filme – podemos ter a aprovação de vocês? Será que o Freddie poderia ver?’. E eu disse, claro que sim”, revela May. Naquela época, o vocalista já estava debilitado pela AIDS e, basicamente, confinado a uma cama. Mesmo assim, Brian levou uma fita para que o amigo – que, afinal, é o autor da música – pudesse ver. “E ele riu muito”.
Foram a morte de Freddie Mercury e Bohemian Rhapsody que fizeram o Queen voltar a ser vistos e ouvidos nos EUA
Para o guitarrista, Myers soube entender exatamente o tipo de humor que sempre esteve muito presente na obra do Queen. “E é o tipo de cena que representa o que também acontecia com a gente. Se estávamos os quatro juntos num carro e começava a tocar Bohemian Rhapsody no rádio, a gente começava a bater cabeça na parte mais pesada, igualzinho”. E confessa que ainda gosta de ouvir a música no carro, depois de todos estes anos. Começa a tocar, ele aumenta o volume. “Mas não faço mais o air guitar. Estou velho demais pro air guitar”.
May recorda que Mercury tinha também um senso de humor meio macabro e, já doente, dizia “acho que vou ter que morrer antes de voltarmos a fazer sucesso na América”. E foi o que aconteceu. “Isso e Quanto Mais Idiota Melhor. Foram as duas coisas que nos fizeram voltar a ser vistos e ouvidos por lá”.
Na época de seu lançamento, A Night At The Opera foi considerado o disco com as despesas de gravação mais caras da história. Pudera: só Bohemian Rhapsody foi gravada em nada menos do que seis estúdios diferentes. E as fitas de gravação originais tinham tantas camadas de vozes e instrumentos, com tantas e tantas gravações umas por cima das outras, que ficaram praticamente transparentes.
Brian May conta que nunca existiu uma versão demo da faixa. “Estava tudo na cabeça do Freddie e em dezenas de pedaços de papel, de anotações. Ele trouxe tudo isso e eu, Roger (Taylor, baterista) e John (Deacon, baixista) ajudamos a colar os pedaços”. Mas Bohemian Rhapsody – cujo título, aliás, Freddie trouxe pronto e nenhum dos outros três entendeu muito bem – era o bebê de Freddie e ele ficaria à frente de tudo que aconteceria naquela rock opera. “Mesmo o riff de guitarra da parte pesada, aquilo veio do Freddie, não de mim. Ele tocou aquilo no piano, como guia pra mim”. Na verdade, o cantor chegou sabendo exatamente o que queria em cada pedaço, incluindo também baixo e bateria, com todas as harmonias devidamente escritas. Teve discussão, claro. Mas todo mundo topou, no final. Ainda bem.
Eles gostaram tanto do resultado, uma mistura rebuscada de balada, música clássica/operística e com um quê de heavy metal, que escolheram a canção para ser o single. Afinal, um disco ambicioso pedia uma música ambiciosa para representá-lo. Mas a gravadora não queria. Era uma faixa complicada demais. Só que o quarteto bateu o pé. E ainda contou com uma ajudinha extra. “Kenny Everett (DJ britânico, amigo de Freddie e apresentador de um programa de rádio de sucesso na época) roubou uma fita com o disco numa sessão de audição que fizemos e saiu tocando Bohemian Rhapsody por conta própria. Na Inglaterra, pelo menos, as outras rádios entraram na onda”.
Acabou que a canção foi parar no número 1 das paradas, ficando lá por nove semanas consecutivas, um recorde para a época. O single vendeu mais de 2 milhões de cópias só na Terra da Rainha. “Tínhamos a certeza de que aquele era um material maravilhoso e deveríamos dar a ele nosso coração e nossa alma”, diz May.
“Era um material maravilhoso e deveríamos dar a ele nosso coração e nossa alma”
E embora Bohemian Rhapsody tenha se tornado um momento indispensável em seus shows ao vivo a partir de então, a banda insistia (e ainda insiste, né) em não tocar a parte operística com seus mamma mias, scaramouches, bismillahs, belzebus e fandangos. “Achamos que não faria sentido tentar recriar, só nós quatro, aquela parte. Então, entrava a gravação, com um show de luzes ou alguma coisa rolando no telão, a gente saía, trocava o figurino e voltava pra quebrar tudo”, explica. “E eu prefiro que tenha sido assim do que tentar fazer e entregar alguma coisa que não estava à altura da gravação”.
E a respeito do significado da canção? Um cara matou alguém, dançou e vendeu a alma ao diabo? Ou seria algo diferente? Mais, talvez, pessoal? “A música significa o que você quiser que signifique”, insistia em dizer, sempre enigmático, o próprio Mercury, toda vez que era questionado. A biógrafa do cantor, Lesley-Ann Jones, porém, diz claramente que era uma letra cheia de camadas apenas para esconder o fato de que era Freddie Mercury assumindo a sua homossexualidade, sem precisar dizer isso diretamente, ainda na época em que ele não tinha se revelado para o mundo. Em entrevista ao Daily Mail, ela e Tim Rice, compositor e amigo do músico, dizem que isso sempre ficou muito claro para os mais próximos.
“Quando ele canta Mama, I just killed a man, é ele matando o antigo Freddie, sua antiga imagem”, afirma Rice. “Então, em Put a gun against his head, pulled my trigger, now he’s dead, ele mata aquele homem que ele costumava ser. Já com I see a little silhouetto of a man, ele luta contra uma sombra de si mesmo, uma sombra de tudo que ele é e já fez para se esconder”. Jim Hutton, ex-amante de Mercury, teria confirmado a tese para Ann Jones antes da morte do amado. “Era uma confissão sobre como a vida dele poderia ter sido se ele pudesse ter sido apenas ele mesmo desde o início. É uma canção tão intrincada. Mas com uma mensagem muito simples”.
Brian May, no entanto, mantém a mesma regra que segue há anos: foge do assunto. “Acho que Freddie gostava do fato de que a letra tinha muitas interpretações. É uma música incrível. Está além das análises. Mas não estou tentando ser evasivo. Só acho que é por isso que amamos canções de amor. Elas podem fazer algo com a gente que um simples texto não consegue. Tenho minhas próprias ideias sobre o que ela quer dizer. Mas odeio falar sobre isso – e geralmente me recuso”.
E nem precisa, mestre May. Anyway the wind blows...
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