Uma mistura de House, Doctor Who, Doutor Estranho e Spider Jerusalem. Esta descrição (bastante saborosa, vamos combinar) cabe como uma luva para o Dr. Vincent Morrow, personagem principal da série em quadrinhos norte-americana Witch Doctor, escrita por Brandon Seifert (de Hellraiser) e desenhada por Lukas Ketner. Brilhante, sarcástico e disposto a passar por cima de quem precisar para atingir seus objetivos, Morrow está longe de ser apenas um médico. E, da mesma forma, Witch Doctor (que chegou a ser diretamente elogiada por ninguém menos do que Warren Ellis) está longe de ser apenas um drama hospitalar. É bem mais do que isso.

A trama tem toques da literatura de H.P.Lovecraft e seus mitos do chamado “terror cósmico” – no conceito de que o universo é hostil aos interesses do homem. Em Witch Doctor, o universo é um organismo e as criaturas mitológicas são parasitas que caçam as espécies nativas, interrompendo a ordem natural das coisas. A exemplo de Stephen Strange, o mago supremo da Marvel Comics, Morrow também teve seus problemas com o exercício da medicina comum e acabou se encontrando no estudo das artes negras. Logo, Morrow se torna uma última linha de defesa do nosso mundo contra uma série de ameaças sobrenaturais. Este é um mundo doente e Vincent Morrow está aqui para curá-lo (Stallone Cobra ficaria orgulhoso).

A grande graça do título é a reinterpretação de seres das trevas passando pelo filtro de realidade fantástica do gibi. Para o bom (?) doutor, os seres sobrenaturais como vampiros e zumbis estão infectados por algum tipo de doença desconhecida e precisam ser tratados; demônios possuindo o corpo de inocentes crianças são quase como um trabalho de rotina em seu “consultório”; e ele usa artefatos místicos bem conhecidos como a espada Excalibur, do Rei Arthur, para operar; e o Cálice Sagrado como uma espécie de seringa. Passam pelo seu caminho desde fadas brilhantes até as apavorantes criaturas chamadas “monstros das profundezas”, cruzamento do mito de Cthulhu com o Monstro da Lagoa Negra, clássico do terror B de 1954.

Um dos maiores destaques do título, que tem toda a pinta de candidato a série de TV, é a arte poderosa de Ketner, já indicado ao prestigiado Eisner Award, a maior premiação mundial do universo dos quadrinhos. Com passagens pela antologia de terror Creepy Comics, da Dark Horse, e também pelas capas do título Hellraiser – do mestre do horror Clive Barker – Ketner sabe retratar com impressionante intensidade tanto os monstros clássicos da cultura pop quanto os obscuros mitos do panteão lovecraftiano.

Um verdadeiro hit do estúdio Skybound, selo de Robert Kirkman (The Walking Dead) na Image Comics, a série adulta em quadrinhos Witch Doctor é publicada no Brasil na forma de HQ online, cortesia da Editora Hanabi (cujo nome quer dizer “fogos de artifício”, em japonês). Sediada em Brasília, a pequena iniciativa de quadrinhos online já começou investindo alto em qualidade – seu primeiro título, Godzilla: O Despertar, parceria da DC com a Legendary Comics, é uma graphic novel baseada no recente filme do lagartão para o cinema e escrita pelo próprio Max Borenstein, roteirista da película.

“Não teremos, de começo, capa dura ou cheiro de ‘livro’ novo, mas em compensação os quadrinhos se tornarão algo mais acessível”, conta Raphael Gama, fundador da editora, em comunicado oficial. “Agora você pode baixar o seu quadrinho favorito de maneira legal, com qualidade profissional e um preço justo, tanto através de seu computador pessoal como utilizando aparelhos portáteis tais como celulares e tablets, independente de estes serem Android ou IOS”.