Woodstock Discos: mais do que uma simples loja | JUDAO.com.br

Documentário conta bastidores do local que se tornou referência para a música pesada em São Paulo – e no Brasil todo

“Morávamos relativamente perto da Woodstock. Todo sábado reuníamos a turma e rolava uma excursão a pé, uns trinta minutos de caminhada, pra passar o dia inteiro torrando embaixo do sol na frente da loja e gastar as parcas economias de moleque em discos de vinil” .Andre Matos (Viper, Angra, Shaman)

“O Walcir era um cara mais velho e se ligava no perigo que eu e o Max passávamos, por isso abria a loja mais cedo só pra gente comprar. Depois, pegávamos o ônibus, voltávamos pra Belo Horizonte e gravávamos milhões de fitas pra galera”.Iggor Cavalera (Sepultura e Cavalera Conspiracy)

“A Woodstock foi onde tudo começou. Mesmo. Não tenho nenhuma dúvida de que o Walcir foi um dos principais responsáveis pelo crescimento e popularização do heavy metal aqui no Brasil. A Woodstock era o point do metal, onde os metaleiros se reuniam para trocar discos, fitas e fotos”.Yves Passarel (Viper, Capital Inicial)

Em 1978 abria as portas, na rua José Bonifácio, em São Paulo, uma pequena loja de discos que seria fundamental na história do heavy metal brasileiro. A Woodstock Discos nasceu quando seu proprietário, Walcir Chalas, um roqueiro apaixonado e dedicado colecionador, decidiu colocar toda a sua imensa coleção de LPs à venda. Para isso, abriu uma pequena lojinha e lá colocou seus vinis para negociar, vender e trocar. No início a loja tinha em estoque álbuns de artistas variados, como Beatles, Rolling Stones, Elvis, Sex Pistols e tudo o que rolava naquele últimos anos da década de 1970. Mas uma grande mudança logo viria a acontecer.

A história é contada pelo próprio Walcir Chalas e por músicos e fãs no documentário Woodstock – Mais Que Uma Loja, dirigido pelo jornalista Wladimyr Cruz e com produção da BDT Filmes e conta com depoimentos de nomes como Max Cavalera, Iggor Cavalera, João Gordo, Andreas Kisser, Gastão Moreira e muitos outros que viveram a época e foram importantes para a popularização do metal aqui no Brasil. Há uma página no Facebook sobre o documentário, onde é possível encontrar mais informações e até mesmo comprar uma cópia do filme.

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O que transformou a Woodstock em uma loja dedicada exclusivamente ao metal e em ponto focal para ampliar a disseminação do gênero por aqui foi uma viagem que Walcir fez a Londres, em 1982. Chegando lá, Chalas deu de cara com a explosão da New Wave of British Heavy Metal, com centenas de garotos vestindo camisetas do Iron Maiden, Saxon e Angel Witch. Walcir estava no olho do furacão, e percebeu ali a oportunidade para que a Woodstock se transformasse em algo muito maior que uma simples loja de discos.

“Eu nunca tinha estado em nenhum dos grandes movimentos musicais da história, como o punk na Inglaterra ou o flower power em 1967. Quando cheguei em Londres, fiquei bobo”, relembra Walcir. E não era pra menos, pois 82 foi um ano fundamental para o heavy metal. The Number of the Beast apresentava Bruce Dickinson aos fãs do Iron Maiden, que dava os primeiros passos em sua ascensão e começava a fazer história no gênero. Blackout colocava o hard rock cheio de energia e refrãos grudentos do Scorpions no topo das paradas em todo o mundo. For Those About to Rock solidificava a nova encarnação do AC/DC, mostrando que a banda dos irmãos Young ainda tinha muita lenha para queimar. Tudo estava pronto, só faltava alguém para fazer a ligação entre o que rolava lá fora e o sedento público brasileiro. E esse alguém foi Walcir Chalas.

 

Alguns números que demonstram o que a Woodstock Discos representou para a popularização do heavy metal brasileiro

• 500 fãs, em média, todos os sábados, trocando discos, fitas e tudo mais relacionado a seus ídolos
• 700 discos importados trazidos de Londres de uma única vez
• 3.000 cópias Use Your Illusion, do Guns N´Roses, vendidas em um único dia
• 86 álbuns lançados pelo selo Woodstock Discos
• 5.000 pessoas em uma tarde de autógrafos do Sepultura
• 100.000 dólares pagos a indústrias estrangeiras para prensarem os LPs do selo Woodstock, já que, após o Plano Cruzado, as gravadoras nacionais não liberavam mais vinis virgensNosso herói começou a viajar frequentemente para a Inglaterra atrás de discos para trazer para o Brasil. Mantendo parcerias com lojas londrinas, sendo a principal a Shades, cujo proprietário era também integrante do grupo de heavy metal Chariot, Walcir trazia malas e mais malas com os últimos lançamentos direto para a Woodstock, onde os LPs vendiam como água. No auge desse processo, Chalas chegava a ir para Londres a cada dois dias, tamanha a demanda de seu público – antes órfão e abandonado – pelos álbuns de heavy metal. Naqueles primeiros anos da década de 80, as grandes gravadoras brasileiras não lançavam discos de metal por aqui, preferindo investir suas fichas em nomes consagrados e com apelo comercial garantido. Por isso, os discos importados pela Woodstock eram como um oásis no meio do deserto.

O cenário mudou consideravelmente com o primeiro Rock in Rio, em 1985. Com cobertura maciça da mídia, o mega festival apresentou o heavy metal a uma nova geração de fãs – esse que vos escreve incluso. Tendo entre suas atrações principais nomes como Iron Maiden, Scorpions, Ozzy Osbourne e Whitesnake, o festival popularizou a música pesada em nosso país. A sintonia foi instantânea: da noite para o dia milhares de adolescentes começaram a deixar seus cabelos crescerem, colocaram seus jeans, enfeitaram suas jaquetas com patches, vestiram seus tênis de cano alto e, simultaneamente, colocaram o volume de seus aparelhos de som no talo, devorando LPs de metal com um apetite voraz e infinito.

A Woodstock também mudou. O endereço da José Bonifácio já não dava conta de abrigar o mar de gente que se dirigia pra lá nas manhãs de sábado, e Walcir decidiu transferir a loja para um imóvel que havia comprado, mudando para o número 155 da rua Dr. Falcão. Mais amplo, o novo espaço solidificou o nome da Woodstock Discos como a principal loja especializada em heavy metal no Brasil. O Iron Maiden tocou pela primeira vez em nosso país no dia 19 de janeiro de 1985, e no dia 21 de janeiro daquele mesmo ano a Woodstock mostrava a sua nova cara à toda uma geração de metalheads.

As viagens quase diárias para a Inglaterra estavam chegando ao fim. Em uma dessas últimas jornadas, Walcir embarcou de volta para o Brasil com nada mais nada menos que trezentas cópias importadas do clássico Master of Puppets, recém lançado pelo Metallica, e que se esgotaram em apenas uma manhã. Estava claro que era preciso dar o passo seguinte, e, assim, nasceu o selo Woodstock Discos. Um dos primeiros lançamentos foi um álbum do Chariot, banda do principal fornecedor de discos de Walcir, proprietário da loja londrina Shades. Foram prensadas 1.000 cópias, e todas foram vendidas.

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O selo Woodstock Discos logo se transformou, ao lado da também novata Rock Brigade Records, na principal gravadora especializada em heavy metal do Brasil. Ao longo dos anos, o selo lançou 86 álbuns das mais variadas vertentes do gênero, abrangendo artistas como Helloween, Motörhead, Manowar, Slayer e Anthrax. Além disso, a loja vendia tanto, mas tanto mesmo, que as grandes gravadoras nacionais começaram a fazer prensagens exclusivas para a Woodstock. Títulos como Blizzard of Ozz de Ozzy, Hell Awaits do Slayer, Rising Force de Yngwie Malmsteen e Tokyo Tapes do Scorpions tiveram 3 mil cópias prensadas cada um, exclusivamente para serem devoradas pelo público da Woodstock.

A importância de Walcir Chalas era tanta que logo ele viu seus horizontes ficarem mais amplos. A rádio 89 o convidou para apresentar o programa Comando Metal, e a MTV o colocou no comando do extinto – e saudoso – Fúria Metal por pouco mais de seis meses. Walcir havia se transformado em um ícone, e com todo o merecimento.

O Sepultura reuniu cinco mil fãs para uma tarde de autógrafos na Woodstock. James Hetfield, durante a primeira passagem do Metallica por nosso país, promovendo o álbum … And Justice for All, quis visitar a loja que vendia os álbuns piratas do grupo que um fã, chamado Edgard Prado, havia mostrado para ele. O resultado? James chegou no banco de trás de um Fiat Uno, e logo foi reconhecido pela multidão de bangers, que ao reconhecerem um de seus maiores ídolos ali na sua frente, quase viraram o carro de cabeça para baixo...

Sem a Woodstock, a cena metálica brasileira não seria como a conhecemos hoje. A loja foi, durante quase uma década, o principal ponto de encontro entre os fãs de música pesada do Brasil. Lançou discos, formou ouvintes, influenciou uma geração. Sem a Woodstock, o heavy metal não teria a força que tem até hoje em nosso país, com os fãs brasileiros sendo reconhecidos como alguns dos mais apaixonados do mundo.

Já exibido pelo canal PlayTV, Woodstock – Mais Que Uma Loja é o primeiro de uma série chamada São Paulo Rockstória, que reunirá cinco documentários que contarão a história de locais importantes para o rock na capital paulista. O próximo será a respeito da casa noturna Madame Satã, crucial para gêneros como o new wave, pós-punk e synthpop, já batizado de Uma Nova Onda de Liberdade.