XX: um olhar feminino sobre sangue, tripas e miolos | JUDAO.com.br

Dirigido por quatro mulheres (uma delas a cantora St. Vincent), o trailer da antologia só confirma o trabalho foda que as diretoras vêm fazendo no cinema de terror

The Babadook foi o melhor filme de terror de 2014 e não se fala mais nisso. Garota Sombria Caminha Pela Noite, um dos melhores de 2015, sem sombra de dúvida. O Convite definitivamente está entre os três melhores do ano passado.

O que essas três produções têm em comum, você pode me perguntar, intrépido leitor? Todas foram dirigidas por mulheres.

E nos baseando pelo trailer de XX, provavelmente as minas vão emplacar mais um PUTA filme de terror este ano. A antologia — a ser lançada no dia 17 de Fevereiro, tanto nos cinemas americanos quanto em serviços on demand — contará com quatro curtas escritos, dirigidos AND protagonizados por mulheres e deverá rolar nos mesmos moldes de V/H/S/ e Southbound.

XX é uma resposta direta à falta de oportunidades para as mulheres no cinema, em particular no gênero de horror

Aliás, o nome de Roxanne Benjamin é comum a essas duas séries anteriores de histórias de terror: a primeira, produzida e concebida por ela junto a Brad Miska, o editor do site Bloody-Disgusting; já a segunda, além de produção e idealização, traz também sua estreia na direção.

A moça é oriunda do movimento mumblegore, junto de outros nomes como Ti West, Simon Barrett, Adam Wingard, E.L. Katz e David Bruckner. Todos estes diretores na casa dos seus 30 anos, morando em Los Angeles, do tipo que cresceram assistindo à Nova Hollywood e ao cinema de terror dos anos 70 e 80 e que, ao terem a chance de chegarem na cadeira de diretor entre o final dos anos 2000 e o começo dessa década, deram o pontapé inicial ao que há de mais interessante no gênero atualmente: o novo cinema indie de terror americano.

O termo mumblegore foi CUNHADO como uma derivação do mumblecore, que em tradução livre significa “geração do resmungo”, movimento artístico do cinema independente americano de drama, de confecção simplória, baixíssimo orçamento, uso de câmera digital, locações caseiras e iluminação ambiente, elenco de atores não-profissionais e improviso, cujas exibições frequentam o circuito de festivais, principalmente Tribeca, SXSW, Sundance, e por aí vai. Todos esses elementos também são comuns aos filmes desenvolvidos por essa “geração do gore” da qual Benjamin faz parte, sem economizar na quantidade de sangue que escorre pela tela.

Em XX, Benjamin é uma das quatro mulheres matadoras da antologia, responsável pelo roteiro do longa – escrito ao lado de Jovanka Vuckovich, também produtora – e por dirigir o segmento Don’t Fall.

A canadense Vuckovich dirige The Box, livremente inspirado no conto homônimo escrito por Jack Ketchum; Annie Clark, que você provavelmente deve conhecer pela sua alcunha de cantora (aka St. Vincent), terá seu DEBUTE na direção em Birthday Party; e Karyn Kusama (que dirigiu o SUPRACITADO O Convite, baita suspense que é capaz de te deixar com gastrite de tanto nervosismo e tensão) ficará por trás das câmeras em Her Only Living Son. Tudo amarrado pelo trabalho da premiada animadora mexicana Sofia Carrillo, do curta-metragem La Casa Triste.

“Nós criamos XX porque não existem antologias dirigidas 100% por mulheres”, afirma Vuckovich, em entrevista ao Coming Soon. “Chegamos a pensar em fazer um crowdfunding quando o Todd Brown (da XYZ Films) me ligou perguntando justamente se eu não queria produzir com ele uma antologia de horror só com diretoras. Ambos percebemos que as mulheres foram sendo deixadas para trás nos projetos recentes do tipo então decidimos fazer alguma coisa. O título que ele criou era ainda melhor do que o meu e ainda veio com financiamento, então rapidamente fechamos um formato e começamos a fazer uma lista de diretoras que queríamos ter com a gente”. E ela ainda completa: “XX é uma resposta direta à falta de oportunidades para as mulheres no cinema, em particular no gênero de horror”.

Don’t Fall

Este tipo de iniciativa é fantástica, especialmente porque estamos falando de um gênero cinematográfico no qual mulheres são tratadas nas telas como objetos ou pecadoras. As chamadas final girls, apelido dado às últimas sobreviventes dos filmes, por exemplo, são sempre as belas, recatadas e do lar, uma vez que para aquelas que se atreverem a fazer sexo e curtir os prazeres da carne, o destino é sempre comer capim pela raiz.

Basta lembrar do estereótipo da heroína virginal imortalizado por Jamie Lee Curtis em Halloween – A Noite do Terror de John Carpenter, que só escapou da morte iminente pela faca de Michael Myers porque um homem aparece no final para salvar o dia. Casos de minas badass como a Ellen Ripley de Sigourney Weaver, que sai metendo chumbo nos aliens sem dó, eram raríssimos.

Um dos primeiros filmes de terror comandados por mulheres e dignos de nota é O Mundo me Odeia, de 1953, um thriller dirigido e escrito pela atriz, produtora, diretora e roteirista Ida Lupino, mais famosa por seu trabalho na direção de séries de TV como A Feiticeira, Além da Imaginação e Alfred Hitchcock Apresenta. A trama traz dois amigos em uma viagem para pescar que dão carona para um psicopata fugitivo da prisão.

Jennifer Chambers Lynch no set de Encaixotando Helena

Claro que o número é ínfimo, se compararmos, ao longo dos anos, a quantidade de produções do gênero lançadas a cada ano (filme B direto pra vídeo é o que não falta), mas dá pra apontar MUITA coisa boa ou relevante dirigida por mulheres, como Encaixotando Helena, de Jennifer Chambers Lynch (reconhece esse sobrenome aí para se ligar de QUEM ela é filha?); o thriller de canibalismo e humor negro Mortos de Fome, de Antonia Bird; o vampiresco Quando Chega a Escuridão, da futura ganhadora do Oscar, Kathryn Bigelow; o fodástico Psicopata Americano, dirigido por Mary Harron, que também escreveu o roteiro baseado no polêmico livro de Bret Easton Ellis e tirou de Christian Bale uma das atuações de sua vida; o sanguinolento American Mary das irmãs Soska; Cemitério Maldito, de Mary Lambert, diretora dos videoclipes Like A Virgin e Like A Prayer, de uma tal de Madonna.

E que tal lembrar da parte seis da cinessérie A Hora do Pesadelo, A Morte de Freddy, que tem direção de Rachel Talalay — cineasta corajosa o suficiente pra colocar a filha de Krueger, assassino e pai abusivo, para lhe chutar os fundilhos?

Existe até um slasher movie escrito e dirigido por mulheres, lá de 1982, chamado O Massacre, cult filme contracultura ao sexismo e exploração do corpo feminino no terror adolescente dos anos 80 em forma de paródia ao subgênero, dirigido por Amy Holden Jones e escrito por Rita Mae Brown.

Fato é que nessa segunda década do novo século, as mulheres vêm quebrando as barreiras do gênero no cinema de... gênero (viu o que fiz aqui?), mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Cada vez mais, trabalhos fodas das minas estão chegando às telas, provando que é preciso colocar mais cromossomos X no cinema de terror.