A história do melhor-pior clipe do mundo | JUDAO.com.br

Você tem uma grana pra rodar um vídeo, o astro principal não aparece, seus planos parecem arruinados… mas você dá a volta por cima e faz um trabalho genial

“Uma comédia de erros”, disseram algumas publicações especializadas em música assim que bateram o olho no recém-lançado clipe de Wyclef Jean, canção batizada com o nome do rapper/produtor que foi integrante dos Fugees ao lado de Lauryn Hill, aqui “homenageado” pelo cantor Young Thug. “Um desastre hilário”, cravaram outros. Pois eu não vi rigorosamente nada de “erro” ou tampouco “desastre” aqui. O que eu vi, isso sim, foi um sujeito que fez de um limão (ou, talvez, metade de um) uma deliciosa limonada. ;)

Wyclef Jean talvez seja um dos mais incríveis exercícios de metalinguagem que a indústria da música já viu. Lançado oficialmente nesta segunda, dia 16, em menos de 24 horas, já tinha cravado mais de 1 milhão de visualizações no YouTube. Cortesia da sacada genial do diretor Ryan Staake, da produtora Pomp&Clout, que fez uma espécie de “não-clipe”. Afinal, ele tinha uma porrada de cenas filmadas, mas o músico, que deveria ser o protagonista e co-diretor da coisa toda, jamais apareceu.

Ainda assim, temos um clipe, ou qualquer coisa assim, que você vai ver e depois vai querer ver de novo e de novo. Minha dica? Vale MUITO a pena. :D

Nascido em Atlanta, na Georgia, sob o nome de Jeffery Lamar Williams, Young Thug se lançou ao estrelato no mercado do hip hop americano graças às parcerias com rappers sulistas – e também por seu jeito excêntrico de cantar, meio esquisito, meio quebrado, difícil de entender, mas sempre cheio de insultos e lamentos sobre a vida. O clipe da faixa que abre Jeffery, disco lançado ano passado, tinha orçamento previsto de US$ 100.000 — e, ironicamente, a ideia inicial era realmente abrir com Young Thug colocando fogo na papelada do orçamento do clipe. Porém, o cara tinha suas próprias ideias para o conceito da obra.

Ryan usou, aliás, o áudio que recebeu com uma “nova ideia” de Thug para o vídeo. Ele falava que queria “carrinhos de brinquedo” ao invés de “carros importados”, um carro de polícia, crianças vestidas como “tiras” e, claro, naquele esquema estereotipado dos rappers americanos, “a lot of bitches”. Quando você ouve o arquivo, parece que ele traz várias pessoas reunidas numa sala, discutindo possibilidades. A equipe de Thug, talvez alguém da própria gravadora? Não se sabe. O que se descobriu (e aí a história fica ainda mais estranha e genial) é que entre elas estava, vejam vocês, um certo John Colombo, o cara que fala “juxtaposition”. E que, via Twitter, o atual diretor descobriu que era pra ter sido o diretor original do clipe.

“Eu queria ter sabido disso antes pra inclusive mencionar no clipe. Não só sou o co-diretor, como eu não sou a primeira opção de diretor”, afirmou Staake, em entrevista para a revista Rolling Stone. Mas ele conta que, não, não estava se sentindo diminuído por ser co-diretor. Tava achando até legal, porque Thug deixou clara a sua “visão criativa”. Tava até empolgado, esperando ele chegar. Só que...

“No meio do dia, eu saquei que tinha dado bosta”, conta. “Bem na hora que começamos a cena do churrasco, em torno da piscina. Foi quando percebi que as coisas tinham evoluído de um probleminha pra um desastre completo. Mas aí tem um monte de coisas rolando no set e você precisa fazer algo”. Afinal, já anoitecia e fazia cerca de 10 horas que a equipe do cara tinha dito “ele tá chegando, segura as pontas”. Mas nunca rolou.

Na verdade, segundo o clipe mesmo explica, Young Thug chegou a aparecer em certo momento, ainda que bastante atrasado, mas jamais teria descido do carro, com o qual deu meia-volta, porque descobriu que sua conta do Instagram foi hackeada. Discutiu com seu time, com a galera do selo musical... e vazou.

WHAAAAAAAAT?

Ao fim do dia, filmagens encerradas, voltando pra casa no Uber com seu diretor criativo na Pomp&Clout, Aaron Vinton, Ryan ficou em uma espécie de silêncio contemplativo, interrompido algumas vezes com expressões como “dá pra acreditar?”.

Eles podiam ter regravado no dia seguinte? Podiam. Mas o orçamento podia muito bem estourar e ia sobrar pra eles. E ainda existia a total falta de confiança de que, desta vez, o Young Thug fosse realmente aparecer. “Aí pensei ‘porra, este dia foi bem louco e temos muitas boas histórias aqui. E como eu sempre gostei destes vídeos de bastidores, mostrando as atribulações de produções tipo Apocalypse Now...”. Bom, deu no que deu.

A única imagem de Young Thug no clipe é justamente num vídeo, filmagem profissional até, enviado pelo próprio rapper pro diretor 2 meses depois daquele dia fatídico, no qual ele aparece comendo uns salgadinhos e se esfregando numa garota dentro de um avião particular. Faz sentido? Nenhum. Faz sentido pro clipe? COMPLETAMENTE.

Quando finalmente fechou a ideia de que podia reaproveitar as horas gastas ali com uma parada mais conceitual, Ryan costurou um tratamento inicial e mandou pra gravadora, já com aquela sensação de que podia receber uma ligação na sequência dizendo “mano, você pirou?”. E apesar das reações serem bastante misturadas por parte dos executivos, uns amando, outros odiando, o retorno foi afirmativo, de que aquilo era algo novo e ele podia seguir em frente. Não rolaram muitas idas e vindas de aprovação e tampouco uma edição final carniceira, que poderia desconfigurar a sua ideia. “A equipe do Thug tava com medo que eu fosse dizer algo realmente ofensivo sobre ele”, explica.

Eu tentei fazer uma espécie de manifesto ali, claro, mas também tava querendo é cumprir uma obrigação contratual. Queria evitar que desse merda e eu ficasse sem receber

Em outras palavras: “sou pequeno e quero evitar advogados”. Eu te entendo perfeitamente, cara.

“Eu simplesmente não fazia ideia que isso seria lançado até que foi, efetivamente, lançado”, diz. Tudo que ele pensou foi “ah, fiz meu trabalho, entreguei, já me pagaram mesmo, dane-se”. Até que, plena segunda-feira, o cara tava lá trabalhando até tarde num outro projeto e, pimba, viu que a parada foi ao ar. “Mas acho que a gravadora acabou aceitando porque, honestamente, eles já tinham ido tão longe nesta história que seria uma perda de tempo insistir no debate inicial. Eles devem ter percebido que era uma boa ideia, provavelmente melhor do que aquela que a gente teria feito inicialmente”.

Uma equipe da VICE, que acompanhou a gravação do clipe na esperança de entrevistar o rapper, publicou o que eles chamaram de making of do vídeo. Se o que Ryan produziu é genial, o que a VICE fez foi constranger todos com doses cavalares de vergonha alheia... Doses essas impossíveis (e impensáveis) de serem perdidas. Apenas aperte o play aí embaixo pra curtir um pouco mais as dores de ser genial. ;)

Ryan não sabe se Thug viu o vídeo, mas acredita que sim. “Não sei se ele tá puto comigo. Mas eu acho que estamos apenas fazendo uma sátira do mundo das grandes produções e da indústria da música e das celebridades”. O diretor conta ainda que tem recebido muitas mensagens de diretores que sofreram com histórias parecidas. “E o público também tá respondendo muito bem, o que é realmente empolgante. Eu esperava que não fosse se tornar uma daquelas piadas internas de diretor, sabe?”.

É como o próprio Ryan Staake afirma, em cartelas de texto, ao final do clipe: “Maybe that’s the moral of the story: None of this matters”. Pois é. Nada importa. Mas que diverte, porra, isso diverte um bocado. :D