8P! Lexi Alexander, uma garota nada popular em Hollywood | JUDAO.com.br

Ou você realmente acha que uma diretora de cinema que pede que seus filmes sejam pirateados e defende o compartilhamento de arquivos é convidada pras festinhas de Hollywood?

Do alto de seu 1,73m, Lexi Alexander é do tipo de mulher que chama atenção. Tão bela hoje, aos quarenta anos, quanto era aos 19, quando se mudou da Alemanha para a Califórnia e tinha tudo para se tornar uma estrela. Campeã de caratê, foi com a cara e a coragem porque queria trabalhar com cinema. Como atriz, você deve estar pensando? Porra nenhuma. Enquanto ralava como dublê de filmes de ação, sentando a porrada nos marmanjos, se metia a fazer seus próprios curtas. Bingo. Tornou-se diretora.

Embora tenha lançado recentemente o ainda inédito por aqui Lifted, filme sobre um garoto que decide se tornar cantor para tentar superar o fato de que o pai reservista foi convocado para os conflitos no Afeganistão, ela é mais conhecida pelo poderoso Hooligans, com Elijah Wood, que explora o violento mundo das torcidas de futebol na Inglaterra. Também foi responsável por um filme com um personagem da Marvel, veja só, o injustiçado Justiceiro: Em Zona de Guerra, talvez uma das mais fiéis visões de Frank Castle nas telonas (desculpa, Thomas Jane) e vinha sendo cotada como nome forte para comandar o filme da Mulher-Maravilha. Mas, nos últimos meses, a voz de Lexi tem sido bastante ouvida no mundinho do cinema por conta de suas opiniões controversas sobre o compartilhamento de arquivos.

“Não, copiar não é roubar”, diz ela, com os dois pés no peito, na abertura deste papo exclusivo com o JUDÃO. Só esta frase já seria o suficiente para impedir que ela fosse convidada para as melhores festas em Hollywood mas, sinceramente, Lexi não parece estar nem aí ao se posicionar radicalmente contra grande parte de seus colegas cineastas, que são abertamente a favor da criminalização da pirataria. “Hollywood não consegue mais enganar o público”, carimba ela em uma conversa sobre o poder do consumidor na nova era digital, passando pela distribuição dos filmes em territórios internacionais e chegando ao papel da mulher na terra da Sétima Arte. “A situação é horrenda e está ficando pior”, dispara.

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1 Antes de tudo, vamos estabelecer os limites aqui: pra você, existe uma diferença entre compartilhamento de arquivos e pirataria? Ou, resumindo, copiar é ou não o mesmo que roubar?
Não, copiar não é roubar. Porque quando você rouba algo, significa que a outra pessoa não vai mais ter aquilo. Quando você copia algo, a outra pessoa nunca perde a sua posse. É por isso que a Suprema Côrte dos EUA chama o crime de baixar um filme de “infração de cópia”, não de “roubo”. Existe uma confusão geral sobre a nomenclatura.

Eu não sei como se chegou a chamar as pessoas que compartilham arquivos de “piratas” mas, pelo que eu entendo, eles decidiram manter o nome numa postura de desafio. Isso faz as coisas ficarem mais complicadas, especialmente quando as pessoas no movimento dos direitos autorais de repente insistem que todos deveriam se referir ao problema como “compartilhamento de arquivos” durante um debate, não como “pirataria”. Especialmente os americanos ficam realmente confusos quando alguém do Partido Pirata resolve abandonar o termo “pirataria”. Entendo de onde eles vieram, mas não estão fazendo um favor a si mesmos primeiro admitindo a propriedade pelo nome e depois tentando mantê-lo fora do debate sobre compartilhamento de arquivos.

2 Você é do tipo que acredita que o compartilhamento de conteúdo afeta os lucros da indústria do entretenimento? Mais pessoas compartilhando necessariamente significa menos dinheiro circulando e mais desemprego na indústria?
Isso é uma idiotice total e completa. Veja, eu sou parte do sistema. Tenho feito intensas investigações sobre a distribuição de lucros da propriedade intelectual na indústria do cinema. O compartilhamento de arquivos não está sugando dinheiro dos artistas. Os grandes estúdios estão. Mas veja, como em todos os grandes ramos de negócios, eles são espertos e têm dinheiro para fazer uma lavagem cerebral em cada um de nós para acharmos que nossos cheques de pagamento poderiam ser maiores se as pessoas não estivessem baixando nossos filmes ilegalmente. Deixe pra lá o fato de que eles estão dizendo isso para nós, cineastas, enquanto estão no meio do processo de nos roubar pelas costas. A MPAA (Motion Picture Association of America, associação que representa os maiores estúdios de Hollywood) é o Artful Dodger original [Nota do Editor: Artful Dodger é um batedor de carteiras do livro Oliver Twist, de Charlie Dickens].

3 O compartilhamento de arquivos ajudou a mudar a indústria de alguma forma?
Eu acho que o que mudou é que Hollywood não consegue mais enganar o público, fazendo-os comprar um filme ruim como se fosse apenas um filme. Se o filme vaza (e ele sempre acaba vazando, eventualmente) e as pessoas que compartilham arquivos descobrem que é uma bomba, vão espalhar o boca a boca tão rápido quanto fariam com o boca a boca positivo. Então, essencialmente, você não consegue enrolar as pessoas tão fácil na era digital porque a cortina pode ser aberta mais rápido.

Além disso, o público tem pouca paciência para esperar pelo lançamento de um filme, sendo que ele já saiu em outros países há meses. E com razão. Esta bobagem sobre alguns países desfrutando de uma exibição exclusiva que dura semanas antes de chegar ao resto do mundo é elitista e condescendente, especialmente porque eles aceitam que a gente fale sobre os produtos deles na internet. Então, podemos dizer aos europeus e sul-americanos como um filme é legal até que eles tenham chance de ver. É vergonhoso. É como um menino rico e egoísta que fica esfregando o sorvete na cara das outras crianças, sabendo que eles não podem comprar ou perderam o caminhão do sorveteiro quando passou na rua. Francamente, me recuso a participar desta decadência.

4 Me parece que Hollywood se esqueceu sobre como falar com os jovens usando a língua deles, certo?
Concordo totalmente. E ao mesmo tempo, fico desapontada por ver que os jovens não levam isso como sendo uma coisa pessoal. Você é o consumidor, você decide com quem você vai gastar seu dinheiro. Sou totalmente contra a criminalização do compartilhamento de arquivos, o que me dá um trabalhão em Hollywood por ser uma postura bastante impopular de se defender. Muitos outros cineastas dirão abertamente que acreditam que alguém que baixa um filme deveria passar pelo menos 10 anos na cadeia. Então, por que os jovens ainda compram ingressos para ver os filmes destes diretores? O mesmo cara que os colocaria na prisão.

Porque, sejamos honestos, qualquer um com menos de 20 e que saiba mexer num computador já baixou um filme, uma música ou um episódio de série em algum momento. Então, os jovens deveriam investigar como os cineastas se posicionam sobre o assunto do compartilhamento de arquivos, para saber se vale a pena gastar seu dinheiro com eles, afinal de contas.

'GREEN STREET HOOLIGANS' FILM PREMIERE, NEW YORK, AMERICA - 08 SEP 2005

Lexi Alexander encontrou um hobbit na rua e perguntou se podia ficar com ele

5 Esta posição já te causou algum tipo de problema depois que você a tornou pública?
Sim, mas valeu a pena. Eu não apoio o status quo apenas porque é o que as pessoas esperam de mim. A ideia de se prender pessoas que compartilham arquivos é ridícula e daqui 100 anos veremos cartuns divertidos sobre os idiotas que tentaram criminalizar o progresso tecnológico. Eu não quero estar nestes cartuns e se isso significa que meus pares vão me colocar em algum tipo de lista negra por causa disso, melhor ainda. Os cartuns sobre eles serão ainda mais divertidos.

Eu também acredito que nós temos uma responsabilidade de fazer a cultura ser acessível para todas as pessoas, não apenas para aqueles que podem pagar pela entrada dos cinemas. Creio que muitos dos meus colegas são abençoadamente ignorantes sobre a porcentagem global de pessoas que NUNCA poderão ir a um cinema. Eu não quero fazer filmes para os ricos. Não foi por isso que eu me tornei diretora. Também não acredito que as pessoas menos afortunadas devem esperar até que um filme chegue na TV aberta, enquanto as pessoas afortunadas assistem antes. Pense nisso. A cultura é importante para praticamente todas as profissões, então se duas pessoas vão para uma entrevista de emprego e uma delas pode comentar sobre aquele sucesso de bilheteria simplesmente porque tinha grana para ir ao cinema, enquanto a outra não pode porque não teve dinheiro para comprar o ingresso, estamos indiretamente contribuindo para a desigualdade econômica. Não quero ser parte disso.

Se meus colegas pudessem parar por um minuto de pensar em si mesmos e ao invés disso contemplar que tipo de milagre o compartilhamento de arquivos pode fazer e quanto bem pode espalhar, então faríamos realmente a diferença no mundo. Mas veja...quando não tem nenhum paparazzi ao redor, então não dá pra encontrar muitos filantropos em Hollywood também.

6 E como a indústria do entretenimento poderia, de alguma forma, se beneficiar do compartilhamento de arquivos? Como usar este potencial em seu favor?
Eles já estão fazendo isso, mas nunca vão admitir. Muitos, mas muitos filmes, se beneficiaram do boca a boca que veio da pirataria. A coisa sobre a indústria do cinema é que eles não querem trabalhar com compartilhamento de arquivos. Eles querem controlá-lo. Exatamente como aconteceu com o Napster. Você não escuta a Apple ou a Amazon reclamando por aí das faixas em formato digital, não é?

7 Qual é o aspecto que mais te incomoda nesta história? Os filmes vazados antes de serem finalizados, por exemplo? Como reverter esta mentalidade?
Olha, nenhum diretor gosta de ver seu filme ser mostrado por aí sem estar finalizado como ele gostaria. Eu sei que isso acontece, mas se você ama os filmes e tem respeito pela arte, não veja estas gravações ilegais (cam rips). Quero dizer, de verdade, pessoas que assistem cam rips são patéticas pra mim. É como beber uma cerveja incrivelmente ruim, que um amador fez e completou com água. É nojento. Você está perdendo tanto sobre um filme no qual tanto gente trabalhou... Enquadramento e iluminação podem não parecer importantes para você, mas são. Você só não percebe isso como um elemento isolado. Eu posso jurar que, tirando o enquadramento apropriado e a iluminação, porque algum idiota está gravando do cinema com uma câmera portátil, você está se enganando e perdendo a real experiência do filme.

O que estou dizendo é: se vai copiar qualquer merda, copie direito e com o respeito que a obra merece (FYI, isso não importa quando o assunto é pornografia).

8 Fugindo um pouco do assunto, eu queria ouvir sua opinião sobre a atual presença das mulheres na indústria cinematográfica, tanto em posições de comando quanto em papéis de protagonista em filmes de super-heróis, por exemplo. O que falta para termos uma Hollywood mais igualitária?
A situação é horrenda, horrenda, horrenda e está ficando pior. E, aliás, as pessoas não entendem que a luta da MPAA contra a pirataria e a exclusão egoísta que Hollywood faz com relação às mulheres e às minorias étnicas estão diretamente relacionadas. Cuzões ricos e egoístas serão sempre cuzões ricos e egoístas no que diz respeito a qualquer assunto que afete a quantidade de dinheiro que eles podem potencialmente perder. Eles não querem compartilhar nada e certamente não acreditam em abrir espaço na mesa para alguém que não é como eles. Se você não é um homem branco em Hollywood, vai ter que conseguir seu lugar na mesa na base da cotovelada e ainda ficar de olho aberto o tempo todo. A coisa é que, quando você arruma seu lugar nesta mesa, acaba perdendo o apetite – porque, afinal, quem quer comer ao lado deste tipo de companhia?

Minha esperança é que a tecnologia digital vai equilibrar as coisas cada vez mais até que eventualmente acabe com o favoritismo. Mas a tecnologia não pode fazer tudo isso sozinha. O público vai ter que ficar mais consciente também e parar de comprar qualquer arrasa-quarteirão só porque eles te fizeram pensar que aquele é o grande filme para se ver. Quer dizer, praticamente não temos mais filmes originais. É só um monte de merda que estamos servindo pra vocês, gente. Os jovens deveriam exigir produtos melhores, ser seletivos, não apenas beber Coca-Cola ou Pepsi porque são as únicas marcas de refrigerante das quais conseguem se lembrar. Ao invés disso, fiquem putos porque duas marcas se preocuparam em ocupar tanto espaço na sua cabeça, comprado com milhões de dólares gasto em propaganda.

Eu realmente espero que as próximas gerações não possam ser enganadas assim tão fácil. E espero que até lá, eu ainda esteja fazendo filmes e séries de TV.