A arte de defecar pela boca, estrelando Robert Downey Jr. | JUDAO.com.br

E direção do vencedor do Oscar Alejandro González Iñarritú :P

De todas as personalidades que vemos por aí, eu tenho uma vontade enorme de conhecer pessoalmente pelo menos duas delas: Robert Downey Jr. e Alejandro González Iñarritú. Sério, se em algum momento da vida esses amigos passarem pela nossa terrinha para uma entrevista, uma coletiva de imprensa ou algo do gênero, eu ADORARIA estar lá (fica a dica para os editores do JUDÃO, tá?). E não é nem por ser fã de seus trabalhos. Eu só queria fazer uma pergunta, uma única perguntinha:

“Olá, eu Leandro Fernandes, outrora conhecido como Zarko, do Judão, e tenho uma pergunta: ter prestígio profissional, milhões de dinheiros na conta bancária e algumas indicações ou alguns prêmios Oscar no currículo realmente credencia uma pessoa, seja ela quem for, a DEFECAR PELA BOCA?” (e no caso de Iñarritú, eu também perguntaria se ele não tem vergonha de ter tomado o Oscar do Boyhood, que na minha visão é muito melhor que seu Birdman, mas este sou eu, risos.)

A dúvida é pertinente e não existe de agora. Desde que o mundo é mundo, somos obrigados a escutar uma infinidade de asneiras saídas da boca de gente de calibre, pessoas públicas, formadoras de opinião, que parecem não pensar muito nas coisas que dizem, nem mesmo se importar com as consequências. Aliás, vemos isso todos os dias nas redes sociais, onde geral tá acostumada mesmo a cagar via dedos. Venho de uma certa cidade litorânea, por exemplo, que expôs ao mundo um certo jogador de futebol das antigas cuja quantidade de gols só perde para a quantidade de abobrinhas que costuma proferir nas entrevistas que AINDA concede (mas esta é uma outra história). Normal, paciência, faz parte da vida. Alguns dias são mais difíceis que os outros para aqueles que sabem ler, que não tem problemas de audição...

Mas foi difícil mesmo tolerar a nova do nosso amigo Tony Stark. Bastante na defensiva depois do episódio envolvendo o britânico Krishnan Guru-Murthy, em que, durante uma entrevista para promover o divisor de opiniões Vingadores: Era de Ultron, Downey Jr. abandonou a sala ao ser questionado pelo âncora do Channel 4 sobre seu passado negro de drogas e álcool, o que é perfeitamente justificável porque o âncora realmente foi bem escrotão -, o ator desapontou meio mundo ao descer a lenha no cinema independente em um bate-papo com a Entertainment Weekly.

Dentre outras pérolas, Downey Jr. afirmou ter ZERO vontade de voltar a atuar em filmes de baixo orçamento: “(...) são exaustivos de fazer e muitas vezes são um lixo e te sugam, e aí você pára e diz a si mesmo, ‘o que eu estava pensando?’ (...) Às vezes os filmes menores são aqueles que te esgotam porque são mais ou menos assim, ‘ei cara, sabe a equipe técnica, pode ajudar a pagá-los?’, ou então, ‘ei, quando a gente for a Sundance, você pode passar seis dias sentado em uma cadeira vendendo nosso filme para que ele faça uma bilheteria de 180 dólares quando estrear em uma única sala?'”. Todo esse papo sendo dito imitando os trejeitos de um cineasta indie, para na sequência coroar o assunto com uma frase antológica, daquelas que Tony Stark provavelmente diria a seus potenciais inimigos no meio de uma briga: “Na verdade, a maioria de vocês (os profissionais destes filmes) são meio inexperientes e falhos”.

Gente, de verdade: quanta cagada você consegue identificar aqui?

É impressionante como parece que o prestígio alcançado com o personagem da Marvel o fez esquecer de seu passado rapidinho. Pra quem aí não conhece a carreira do sujeito fora da carcaça do Homem de Ferro, segue um resuminho: nasceu em 1965, começou a fazer relativo sucesso em filmes de adolescentes nos anos 80, como Tuff Turf – O Rebelde, O Rei da Paquera e Mulher Nota 1000, se destacou no drama Abaixo de Zero, foi indicado ao Oscar por seu trabalho na cinebiografia do Chaplin, entrou em decadência ao ser preso algumas vezes por problemas com drogas, voltou a trabalhar no seriado Ally McBeal (onde seu personagem desapareceu de repente porque o ator foi preso novamente), e só começou a se recuperar e a ser notado novamente quando parou de enfiar tudo que encontrava no nariz e assumiu papéis menores em trabalhos como Crimes de um Detetive, Beijos e Tiros, O Homem Duplo... todos FILMES DE BAIXO ORÇAMENTO.

Em uma linha, para os espectadores de hoje, Downey Jr. é o consagrado ator de Homem de Ferro. Para quem o acompanha há mais tempo, entretanto, é o sujeito que, durante anos, era lembrado apenas pelos constantes problemas envolvendo vícios que por pouco não o levaram à morte, prisões obscuras, demissões recorrentes e muitas, muitas declarações infelizes, e que somente se reergueu porque o cinema indie, esse tão criticado e menosprezado por ele, o salvou das cinzas e o levou ao patamar onde está neste momento.

Infelizmente, não é raro ver estrelas de Hollywood virando as costas solenemente para aquele núcleo de produção de onde geralmente estas mesmas estrelas vieram. Na verdade, este núcleo deveria mesmo ser incentivado por todos os profissionais de cinema, já que é de lá que ontem saíram os grandes cineastas, técnicos e atores da Hollywood de hoje. Aliás... Jon Favreau, diretor de Homem de Ferro, veio deste buraco (ele foi descoberto com a comédia indie Swingers – Curtindo a Noite). O Gavião Arq... ops, Jeremy Renner, outro que andou falando o que não devia por aí, ganhou sua primeira indicação ao Oscar com um filme de baixíssimo orçamento (no caso, Guerra ao Terror que, olha só, levou o prêmio de Melhor Filme do ano de 2010, deixando comendo poeira o megablockbuster Avatar). Scarlett Johansson começou a ser notada com seu papel no ultraindie Ghost World, e por aí vai. Somente dentre os amigos Vingadores, dá pra encontrar muitos exemplos.

Somente pra lembrar: já é de anos que o Oscar vem sendo dominado por produções oriundas de estúdios independentes, que investem bastante na criatividade para driblar a falta de recursos. Alguém aí pensou em Wes Anderson, por exemplo?

Menosprezar este núcleo não é apenas antiético. No caso de Downey Jr., é cuspir no prato que comeu. Principalmente no caso de um camarada que já está, por força da idade, muito próximo de aposentar a armadura. Vai trabalhar com o quê, quando a velhice bater? E não adianta dar uma de Jeremy Renner e botar a culpa das asneiras que falou na “exaustiva agenda de compromissos de divulgação dos filmes”. Eu, como um burocrata que, assim como qualquer brasileiro médio, faz o milagre da triplicação do salário para fazê-lo render até o final do mês, imagino que deve mesmo ser extremamente difícil e nauseante ser um astro reconhecido mundialmente, ganhar um salário de milhões de dólares e ter que viajar pelo mundo sem gastar nada do bolso e com muitas regalias à sua disposição...

A cereja do bolo, contudo, foi em uma entrevista para o The Guardian, onde Robert Downey Jr. foi questionado sobre as recentes (e tenebrosas) declarações de Alejandro González Iñarritú sobre os “filmes de super-heróis”. Provocado pelo jornalista, ele soltou uma das farpas mais xenófobas do ano: “Eu o respeito (Iñarritú). Acredito que, para um homem cuja língua nativa é o espanhol, ser capaz de montar uma frase como ‘genocídio cultural’ só mostra o quanto ele é brilhante...”.

Pra quem não sabe, Iñarritú, que anda com a bola cheia por conta dos três Oscars que recebeu por seu Birdman, achou que podia dizer qualquer merda em público e declarou que “os filmes de super-heróis são um veneno, um genocídio cultural, porque a audiência fica superexposta ao complô, a explosões. Sempre os vejo matando gente por não acreditarem no mesmo que você ou por não serem o que querem ser. Odeio isso e não respondo a esses personagens”. Foi o diretor de Amores Brutos que falou isso? Ah tá, só pra saber...

Alejandro González Iñarritú

Alejandro González Iñarritú

Ok, a declaração de Iñarritú foi mesmo infeliz, desesperada por atenção, típica de pseudointelectuais que interpretam o cinema de entretenimento como uma ofensa à inteligência das massas – Iñarritú certamente é o tipo de espectador que comenta nas rodinhas de amigos sobre o cineclube europeu que frequenta, mas vai ao IMAX ver Vingadores na sessão da tarde, escondido de todo mundo, e passa a sessão inteira reclamando para si mesmo coisas do tipo “que mentira, até parece que existe um martelo que só pode ser erguido por alguém digno de coração” (rs). Mas é o que a gente espera deste perfil. E cá entre nós, se não fosse o sucesso de “Birdman”, provavelmente este diretor se renderia, mais cedo ou mais tarde, a comandar uma fitinha descartável de ação em Hollywood. Alejandro González Iñarritú é meio babaca mesmo e já deu outras provas de que se considera um ser altamente superior. Não é a primeira vez que o camarada caga pela boca.

Porém, nada justifica a resposta desnecessária e altamente inflamável de Robert Downey Jr. Estamos falando da relação entre Estados Unidos e México, da superioridade escancarada de parte dos estadunidenses para com seus vizinhos, sobretudo quando o alvo em questão é um mexicano que, por uma noite, triunfou em uma das maiores noites de gala dos EUA e, com isto, inspirou seu povo a lutar por respeito ante a um país acostumado a se ver como a raça dominante e que despreza a cultura estrangeira de tal forma que se vê até forçada a refilmar, em seu próprio estilo, toda e qualquer produção de muito sucesso de outros países.

Será que realmente precisamos da declaração de Downey Jr., ou da brincadeira absolutamente inadequada de Sean Penn ao entregar o Oscar a Iñarritú nesta mesma noite do Oscar – onde ele questionou “quem diabos deu o Green Card para este desgraçado”, uma brincadeira que até seria aceitável se feita entre amigos numa roda de bar mas jamais em frente a uma platéia mundial composta de milhões de espectadores? Precisamos de um sujeito que se acha no direito de execrar um gênero tão amado pelo público de cinema, só porque se acha rei porque fez um filme que ganhou Oscar? Precisamos destas manifestações gratuitas de ódio de quem deveria ser o exemplo maior?

Não, não precisamos. O que precisamos é de muitos filmes blockbuster e muitos filmes independentes, de baixo orçamento. Precisamos de muitos filmes com super-heróis (porque eles são divertidíssimos!) e de muitos longas sérios. Precisamos de muitos trabalhos cheios de efeitos visuais de ponta, daqueles de fazer nossos olhos saltarem, e precisamos de muitos trabalhos feitos artesanalmente, sem verba, para que todo e qualquer talento escondido sinta-se motivado a fazer mágica com as ferramentas que tem e, com isso, brinde o público com os prováveis excelentes filmes que sairão daí.

Downey Jr. e Iñarritú: ninguém se importa com as opiniões de vocês sobre filmes de heróis e cinema independente. Parem de bostificar por aí. Façam filmes e calem a boca, filmes é só o que queremos de vocês. E nada mais.