Horror psicológico que chega esta semana ao Brasil é um combo que mistura perfeição técnica em direção, fotografia, atuação, design de produção e trilha sonora. E ainda dá um medo DA PORRA!
“A Bruxa me assustou pra caramba” afirmou Stephen King no seu twitter. STEPHEN KING. “E é um filme real, tenso e provocativo tanto quanto visceral”. De medo o cara entende, né? Mas, de qualquer modo, evitei levar isso — e tudo o que vinha sendo dito desde que Robert Egger ganhou o prêmio de melhor diretor em Sundance — em consideração até poder ver o filme.
Aí eu assisti ao filme, que estreia nessa quinta (03) no Brasil. Mano... MANO. É a mais pura verdade. A Bruxa é tão foda quanto parece e quanto levam a crer os muitos elogios que recebeu. Sabe aquele tipo de filme que te faz sair do cinema atordoado, pesado, com as pernas bambas e os pelos do braço arrepiados? Diz aí, quando foi a última vez que um filme de terror fez isso com você?
A coprodução brasileira – sim, uma das produtoras de A Bruxa é a RT Features de Rodrigo Teixeira, responsável por Alemão e Tim Maia – prende sua atenção de uma forma tão desconfortável e tensa desde o primeiro crédito exibido, tratando-o como um “conto folclórico da Nova Inglaterra”. Ao longo de seus 92 minutos de duração, a gente sente como se desse pra cortar o ar da sala de cinema com uma faca de plástico de festa de criança.
Completamente calcado no horror psicológico, de sugestão, em absolutamente nenhum momento o filme te dá UM único jumpscare sequer — seguindo total na contramão do cinema de horror mainstream. Ele é construído perfeita e minuciosamente em um quase insuportável processo de slow burning, sem alívio cômico, sem maniqueísmo, sem recursos apelativos, até o escalar de seu terceiro ato levar a um final pessimista que te acerta como um trem descontrolado no meio da cara.
A experiência está toda contida no clima, na atmosfera, na perfeição dos quesitos técnicos, que vão da direção sóbria de Egger, passando pela cinzenta e desoladora fotografia de Jarin Blaschke – captada em sua maior parte em luz natural –, pela trilha sonora irrequieta e perturbadora de Mark Korven, pelo impecável design de produção, figurino e ambientação de época, culminando na atuação primorosa de todos os envolvidos. Trata-se de um elenco de ilustres desconhecidos, mas de uma PUNGÊNCIA e carga dramática poderosíssimas, que falam em inglês rústico e exalam o fanatismo religioso dos moradores da Nova Inglaterra do Século XVII, durante a chamada Revolução Puritana.
Tudo rola em torno de uma família formada pelo pai e provedor William (Ralph Ineson, com sua voz gutural); a mãe submissa e devota, Katherine (Kate Dickie); a adolescente Thomasin (Anya Taylor-Joy); o garoto Caleb (Harvey Scmshaw, responsável pela mais impactante e assustadoramente crível cena de possessão que você terá visto nas telas em tempos!), tratado como um pequeno adulto e herdeiro; dois irmãos gêmeos menores, Mercy e Jonas; e o bebê Sam. Eles vivem em uma fazenda LONGÍNQUA, próxima a uma floresta, tentando sobreviver da própria subsistência naquele território inóspito, após serem expurgados da comunidade onde viviam por algum motivo religioso obscuro que nunca fica claro.
Após o desaparecimento do bebê, supostamente raptado por uma bruxa, a culpa recai sobre os ombros de Thomasin, uma vez que ela estava cuidando da criança – e é aí que a estrutura familiar entra em colapso. A plantação começa a apodrecer e a ameaça da fome está ao redor de todos, ao mesmo tempo em que aquele sentimento de mal iminente começa a quase literalmente bater na porta. Junte a isso um tempero de tensão e paranoia que só vai crescendo e conseguindo te deixar desconfortável na cadeira enquanto a família abandona de vez a já pouca razão e chega ao seu limite físico, psicológico e espiritual. Parece que, mesmo com todo o fervor puritano desta galera, Deus não está dando expediente por aquelas bandas.
O que ajuda a dar esta puta carga ao filme é justamente o subtexto do fundamentalismo religioso em um período obscuro da história americana, aquele que foi considerado o primeiro surto histérico de bruxaria na Nova Inglaterra colonial, muito antes dos infames julgamentos das Bruxas de Salem. A isso, mistura-se inevitavelmente a questão da sexualidade feminina – sempre ligada à Satã naqueles tempos dominados por uma irracional sociedade patriarcal – e sua repressão, personificada no FLORESCER de Thomasin como mulher e seus desvios de comportamento para com a tal tradição, família e propriedade.
Só que A Bruxa, apesar de todas essas camadas e nuances, se guia pelo básico ao mexer exatamente com os seus medos mais PRIMORDIAIS e traveste-se do tema da bruxaria e do satanismo só para reforçar o terror. Sério, o filme tem as manhas de te deixar com cagaço de um COELHO (Monty Python ficaria orgulhoso). O bode, Black Phillip, quase um protagonista, utilizado em pôsteres, imagens promocionais e no trailer, então nem se fala.
Só que, importante, fica aqui um aviso aos navegantes: se você gosta de ir ao cinema tomar sustos com um barulho altíssimo estourando seus tímpanos, este filme não é pra você. Não espere soluções fáceis. Aliás, a dica que eu dou aqui é justamente fugir dos grandes complexos ou procurar aquelas últimas sessões do dia, sem muita gritaria ou celulares piscando: entrar de cabeça na atmosfera que o filme cria é FUNDAMENTAL para potencializar ainda mais a experiência.
A Bruxa é horror de verdade, atmosférico, assustador, sombrio, algo pouco visto e sentido neste gênero que anda atualmente tão pasteurizado; é um filme capaz de assombrar o seu imaginário, que te fará sair do cinema atordoado, em silêncio, com um sentimento terrível, gosto ruim na boca e uma carga negativa percorrendo todo seu corpo. E isso é a prova cabal de que um filme de terror funcionou PRA VALER.
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