RESENHA! A Favorita, com Emma Stone e Rachel Weisz

Novo filme de Yorgos Lanthimos, com Emma Stone e Rachel Weisz, é o mais acessível do diretor, mas ainda é impossível sair intacta da sala de cinema

Durante o período da Europa Pós-Clássica e no Início da Modernidade, os governantes e outras pessoas importantes tinham um companheiro íntimo feminino ou masculino que era conhecido como “Favorito” e, por possuírem a confiança dos seus governantes, os “favoritos” ganhavam poderes políticos significativos. Isso foi muito comum durante o século XVI e XVII, período em que as instituições políticas ainda estavam evoluindo e os governantes hereditários não mostravam grande interesse ou talento para a governabilidade.

Esse era o caminho perfeito para alguém ambicioso alcançar seus objetivos e se tornar parte da realeza ou até mesmo comandar um país. E é nesse cenário que o diretor grego Yorghos Lanthimos conta sua história.

Escrito por Deborah Davis e Tony McNamara, A Favorita se passa no início do século XVIII, em um período em que a Inglaterra estava em guerra com os franceses. Apesar de tudo parecer muito bem na monarquia, uma frágil rainha Anne ocupa o trono e cuida da saúde debilitada, enquanto sua amiga Lady Sarah governa o país em seu lugar. Quando Abigail, uma prima perdida de Sarah aparece, rapidamente elas se tornam próximas e Abigail vê sua chance de retornar às raízes aristocráticas. Enquanto Lady Sarah se torna cada vez mais envolvida nos esforços de guerra, sua prima encontra uma brecha para se tornar companheira da isolada rainha. Essa amizade entre as duas floresce, e Abigail percebe que, para cumprir suas ambições, ela não pode deixar ninguém entrar em seu caminho. Muito menos sua prima.

Desde o início da sua carreira, Lanthimos mantém uma relação de amor e ódio com os críticos e o público. Contando histórias que são como tragédias gregas modernas, o diretor me deixou completamente desnorteada com O Lagosta, e sem fala com seu sadismo em O Sacrifício do Cervo Sagrado. Com essas duas produções, Lanthimos deixou bem claro que seu desejo é mandar o espectador para um lugar muito ruim. É impossível sair intacto de qualquer um dos seus filmes, mas confesso que subestimei o alcance do diretor.

Baseado em fatos reais, A Favorita se disfarça de drama de época ou até mesmo de comédia, dependendo do seu nível de humor. Mas, lá no fundo, esse filme é tão perverso quanto qualquer outro da carreira do diretor. A história tem sexo, traições, ciúmes, decadência moral e física, devoção e ambição pra caramba. Liderado pelas fantásticas Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone, A Favorita faz um recorte de um período intrigante da Rainha Anne.

Colman interpreta uma versão ficcional da rainha, uma governante solitária que perdeu as 17 crianças que concebeu. Ela está longe de ser uma monarca tradicional e sofre de terríveis dores nas pernas em decorrência da gota, passando boa parte do seu tempo descansando ou em uma cadeira de rodas. Por sua falta de interesse em assuntos de Estado, ela é alvo das ambições de Lady Sarah (Weisz), que mantem o palácio e o governo funcionando. Com suas próprias opiniões sobre o futuro da Inglaterra – principalmente sobre a guerra contra a França -, a duquesa usa sua amizade com a rainha para alcançar seus objetivos políticos e pessoais.

Sua relação começa a se modificar quando surge Abigail (Stone), uma prima cuja família caiu em desgraça graças ao pai viciado em jogo. Desesperada para conseguir um emprego, ela vai até o palácio e recebe ajuda de Lady Sarah, logo percebendo que pode criar seus próprios esquemas e crescer no palácio, medindo detalhadamente cada uma das suas ações. Cada passo em falso de Lady Sarah é uma nova demonstração de quão indispensável Abigail poderia ser. A partir daí, surge uma rivalidade entre as duas primas, cada uma disputando seu espaço ao lado da rainha e dentro do palácio.

Provavelmente, A Favorita sofrerá algumas críticas de historiadores especialistas em realeza inglesa, já que o filme não segue rigorosamente o que aconteceu – nem o que pode ter acontecido nos bastidores. Na vida real, Sarah Churchill, a duquesa de Marlborough, era a amiga dominadora de Anne, a rainha da Grã-Bretanha. Seu poder era tão grande que Lady Sarah era reconhecidamente a pessoa mais poderosa da Inglaterra, depois da própria rainha. Após anos de amizade e muita influência, Lady Sarah foi trocada por sua prima Abigail Masham, a baronesa Masham. Com a perda do seu prestígio, a duquesa se retirou da corte e nunca mais falou com a rainha.

Partindo dessa história, o filme faz uma releitura livre sobre os acontecimentos e abre muito espaço para as personagens fazerem o que quiserem para conseguir o que desejam. Weisz dá tons quase vilanescos à uma Lady Sarah que não tem decoro, enquanto Stone criou uma doçura misturada com atrevimento que tornou Abigail irresistível. Apesar de suas óbvias diferenças, ambas são movidas pelas mesmas razões: sobrevivência, segurança e amor – seja por alguém, pelo país ou por si mesmas. São esses sentimentos que motivam seus comportamentos no mínimo questionáveis e as levam para um caminho sem volta.

No meio dessa batalha de vontades está Anne. E Colman dá uma alma muito necessária para uma personagem que é facilmente manipulável. Apesar de momentos claramente cômicos, a rainha tem muita dor guardada e uma cena específica com Abigail mostra toda sua devastadora angústia e solidão.

Com manipulações para todos os lados, A Favorita é uma história que carrega uma delicadeza nunca vista nos filmes do diretor. Sua agressividade está presente na produção, mas a forma como os verdadeiros sentimentos de cada uma vem a tona dão uma camada de ternura à essa história. Mas, como ainda é um filme de Lanthimos, existe uma mistura de recompensa e punição pelas ações de todos os personagens. Ninguém está inteiramente satisfeito ou inteiramente feliz com os resultados dos seus comportamentos.

Para que sua história funcionasse como deveria, Lanthimos reuniu uma equipe que fez seu filme acontecer. A designer de produção Fiona Crombie faz o trabalho impecável que se espera de um filme de época; cada sala é mais majestosa que a outra e os ambientes esbanjam uma riqueza tradicionalmente aristocrática.

Já o figurino ficou a cargo de Sandy Powell, uma rainha dona de três Oscars em doze indicações ao longo de vinte anos de carreira. Vai me surpreender muito se ela não for indicada novamente... Seu trabalho caminha perfeitamente com o decorrer da narrativa e as ações dos personagens. Lady Sarah transita em trajes majoritariamente masculinos quando está mostrando sua força e belíssimos vestidos enquanto corteja a rainha. Já Abigail consegue roupas mais volumosas e glamourosas à medida que sua influência aumenta, enquanto a rainha é constantemente retratada em público quase como um bobo da corte, ao mesmo tempo em que está sempre com roupas esfarrapadas na sua privacidade.

Lanthimos também contou com a maestria do diretor de fotografia Robbie Ryan, que utilizou ângulos tradicionais e experimentais para mostrar esse universo retorcido, iluminado por velas e recheado de sombras.

Yorgos Lanthimos no set de A Favorita

Longe da estranheza imediata das suas produções anteriores, A Favorita é surpreendentemente original, mesmo explorando um gênero conhecido e contando uma história real. Enquanto os filmes de época tradicionais mostram a dominância narrativa dos homens e a forma como eles podiam exercer liderança, A Favorita subverte o gênero e os coloca como vaidosos que se preocupam mais com diversão e suas próprias aparências do que as mulheres. As lideranças femininas desse filme estão planejando suas vidas e os rumos do país, disparando armas e idealizando formas de passar a perna nos outros.

Com um trabalho primoroso, A Favorita agradará os fãs antigos do Lanthimos, mas também abrirá uma porta para quem quiser conhecer o trabalho desse diretor singular.

A Favorita na Mostra

20 de Outubro, às 19h30, no Espaço Itaú de Cinema – Frei Caneca 1
24 de Outubro, às 21h30, no Cinearte Petrobrás 1

A Favorita tem estreia prevista para 24 de Janeiro de 2019 em circuito comercial no Brasil.