Não, aqui não será reproduzida a foto do corpo do menino morto à beira-mar. Também não vou ficar criticando quem o fez, tampouco um certo oportunismo óbvio de veículos de imprensa, influenciadores e formadores de opinião, eternas farinhas do mesmo saco, que criticam de forma velada a presença crescente de haitianos e bolivianos no Brasil, mas que agora se fazem de arautos da luta pelos direitos humanos dos refugiados.

O caso é que tudo isso é mentira. O menino morto é de verdade, e como é, mas a foto, como meio compartilhado, é de mentira. Um bando de gente que defende a existência de coisas como racismo inverso de negros contra brancos, bolsas e cotas como patrocínios para vagabundos, que criminalizar a homofobia é tratar o homossexual como um cidadão acima dos outros, a volta da ditadura como meio de controlar “quem faz merda” (o velho “eu não faço nada de errado, não tenho o que temer”), maconheiro ser tratado como bandido, o acesso a ajuda financeira por parte das famílias dos presidiários, que as mulheres procuram o assédio e o abuso, a redução da maioridade penal…

Não existe “mas” quando se fala de direitos. Ou é para todos e, a partir daí, se compreende a necessidade de igualar o acesso a seja lá o que for entre todas as parcelas da sociedade, ou se é contra a igualdade. Não tem meio termo. Ou você é um companheiro ou é contra ser igual.

Em breve, não haverá país no mundo que vai poder se dar ao luxo de ficar alheio aos fluxos migratórios. Ações como as da classe média brasileira, que se posiciona de forma paliativa, vez por outra, a favor dos direitos alheios, são nocivas, não ajudam em nada. O que você fala tem força, o que você compartilha tem força, o que você pensa tem força, a forma e o quê você diz para as crianças que cria ou convive tem muita força.

Quando falo da falta de opção em fazer vista grossa, falo de dois temas que todo cientista social ou climático que tem o mínimo de responsabilidade alega:

• O capitalismo, como o conhecemos, se tornou inviável, é um modelo que precisa de aperfeiçoamento social. Tomar consciência disso é um passo para fazermos algo sobre o fato de 81 famílias serem proprietárias de 50% de todo dinheiro existente em um planeta povoado por mais de 7 bilhões de pessoas.
• O aquecimento global veio pra ficar, as secas, as catástrofes e os verões em pleno inverno não deixam o óbvio mentir.

A verdade é uma só, e ela pertence unicamente aos fatos: ou você se importa com tudo ou você não se importa com nada. Não é compartilhar uma foto mórbida e terrível que vai mudar isso.

Nota do Editor: o título original da coluna do Nícolas, “A foto do menino morto é uma mentira”, foi alterado. Tudo o que publicamos no site funciona como um pacote e o título precisa do texto pra funcionar e acreditamos que se tratava do caso. Ainda assim, alguns problemas de interpretação começaram a acontecer e pensamos que essa fosse a melhor solução — pra todos os envolvidos, vocês e nós. :)