Afinal, o que representa o Ministério da Cultura no Brasil? | JUDAO.com.br

Em um pouco mais de uma semana, o MinC acabou, virou secretaria e, agora, está voltando… Uma discussão que vai muito além de “Lei Rouanet” ou “dinheiro pra vagabundo”

Sexta-Feira 13, Maio de 2016. Pela primeira vez desde 1992 o Brasil amanheceu sem um Ministério da Cultura, por conta de uma canetada feita no dia anterior, 12, pelo presidente interino. De acordo com Medida Provisória 726/2016, o MinC deixou de ser uma entidade separada do governo e passou a integrar a pasta da educação, novamente nomeada de Ministério da Educação e Cultura, como apenas uma secretaria.

A partir daí, começou a gritaria. De um lado, gente condenando a mudança. De outro, elogiando o fim do MinC. Protestos. Mulheres se negando a assumir a nova secretaria, críticas à Lei Rouanet, ocupações de prédios ligados ao falecido ministério, eventos e mais eventos de atores, atrizes, músicos, dançarinos, produtores culturais… Até que o governo interino recuou, recriando MinC a partir de uma nova MP, publicada na última terça-feira (23). No total, foram dez dias de polêmica.

Mas, você REALMENTE sabe por que tudo o que aconteceu? Para que serve o Ministério da Cultura? E o que nos reserva o futuro? Primeiro, vamos voltar no tempo.

Foi em 1953 que o Governo Federal separou o Ministério da Educação e Saúde (sim, eles eram juntos) em dois: o Ministério da Saúde AND o da Educação e Cultura. Essa esquação acabou em 1985, quando o ditador Figueiredo entregou o governo para José Sarney, que finalmente criou o Ministério da Cultura.

Na época, o presidente mandou uma série de justificativas para essa mudança, todas elas escritas na lei, como o crescimento populacional e a importância da educação na construção do País criavam a necessidade de uma pasta própria para isso, enquanto a Cultura também merecia um ministro pra chamar de seu por existir um crescimento das iniciativas e preservação do patrimônio cultural.

Resumindo: educação sempre foi um problema grave no Brasil, necessitando de todas as atenções do MEC. E a Cultura acabava em segundo plano.

Ok, você pode questionar “qual é a importância da cultura?”. Pra começar, sem ela nem existiria o JUDÃO ou qualquer um dos sites que você curte ler, canais do YouTube que curte assistir. Livros, quadrinhos, filmes, música, jogos... São todas expressões culturais. Provavelmente isso você já sacou. Por outro lado, qual é o papel de um ministério dessa área?

Geralmente, estes ministérios tem como objetivo proteger e desenvolver a cultura nacional, essa herança que vem há séculos no país. Cabem a eles incentivar produções, cuidar de patrimônios históricos, acompanhar a produção artística, etc. etc. e etc. Por exemplo, o nome específico do ministério que cuida disso no Canadá é Departamento do Patrimônio Canadense.

Ministérios da Cultura são comuns em boa parte dos países democráticos. Portugal, Libano, Holanda, Russia, Reino Unido, França, Espanha. Uma exceção importante são os Estados Unidos, mas lá existe uma indústria cultura que influencia todo o Universo, o que explica a razão.

A grande questão aqui é: este não é um ministério de ARTISTAS. Um ministério de cultura e a existência dele no primeiro escalão do governo, ligada diretamente ao presidente, demonstram o quanto ela é importante para o PAÍS.

Gravidade sendo exibido na Estação Espacial Internacional

Gravidade sendo exibido na Estação Espacial Internacional

No Brasil, o MinC não cuida apenas da Lei Rouanet — que não é exata e/ou necessariamente o que você pensa, como já explicamos aqui no JUDÃO — mas também do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Entre outras coisas, o IPHAN é responsável por proteger a identidade nacional do Brasil.

O ministério também é responsável, via Ibram, por 29 museus federais e pela política nacional de museus, que propõe toda uma linha de gestão e programas para os museus em todo o país. Tem também a Fundação Nacional de Artes, Funarte, responsável por desenvolver das artes visuais ao circo, passando pelo teatro e pela música. A ONU, em março, havia elogiado o trabalho do MinC com a cultura indígena.

“O Ministério da Cultura é o principal meio pelo qual se pode desenvolver uma situação de tolerância e de respeito às diferenças, algo fundamental para o momento que o país atravessa”, definiram a Associação Procure Saber e o GAP (Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música) em comunicado oficial.

A justificativa do governo interino pra mudança realizada logo quando assumiu o poder foi financeira, além de dar uma resposta para aqueles que apoiaram o impeachment, que defendiam uma diminuição de ministérios acreditando que o inchaço era uma marca apenas do governo eleito. Nunca foi. Sarney, por exemplo, chegou a ter 31 ministérios. FHC, 34. Lula, 38. Dilma, até o dia 12, tinha 32.

Vale também dizer que o orçamento do MinC pra 2016 foi R$ 2,3 bilhões, nada menos que um R$ 1 bilhão A MENOS em relação ao ano anterior, equivalente a menos de 1% de todo o orçamento federal — ou seja, de todas as fatias do bolo, era a menor de todas. Um dinheiro que, apesar de pouco, faz uma diferença.

No Facebook, a presidente eleita Dilma citou os benefícios dos investimentos na cultura: “fortalecimento da coesão social, melhoria da qualidade de vida, redução da violência, capacitação da sociedade para resolver os grandes desafios do século XXI, satisfação da condição humana dos brasileiros e brasileiras, e o desenvolvimento de economias importantes”.

“Um País das dimensões do Brasil não pode ter sua economia dependendo da exportação de commodities agrícolas e minerais. É preciso desenvolver economias de grande valor agregado, como é o caso das economias culturais, criativas ou simbólicas”, continuou Dilma. “Com o apoio do Estado brasileiro, através do governo federal, estamos transformando a economia do cinema e do audiovisual em superavitária. O golpe em marcha ameaça o próximo passo desse processo, que é transformar a economia da música do Brasil no próximo setor a se tornar superavitário. Portanto, essa propalada economia com o corte do Ministério da Cultura é pura demagogia”.

Como é algo que faria falta, não demoraram a surgir manifestações contrárias ao fim do Ministério. “Acho o fim do MinC um retrocesso histórico, uma incompreensão do que seja educação e cultura, de que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Simplificando, a educação prepara as pessoas para o mundo real, enquanto a cultura estimula a inventar outros mundos”, disse o diretor Cacá Diegues para O Globo.

“A extinção do Ministério é a confirmação simbólica do próprio golpe: uma manipulação da letra da constituição para reforçar o mando do capital sobre a vida dos que trabalham”, afirmou o diretor teatral Sérgio de Carvalho ao mesmo jornal. “Significa a imposição de critérios econômicos, lógica do evento, eficácia de fluxo financeiros, anulação da história, e combate policial ao direito a imaginar um mundo além da forma-mercadoria”

“[O fim do MinC] Só reforça o quanto a cultura não é prioridade, antes fosse por um projeto estruturador de levar a cultura, a lei da música pras salas de aulas, mas infelizmente, é por cortes e absoluta falta de entendimento político do potencial”, também disse o produtor cultural Paulo André Moraes.

Porém, quem resumiu bem foi a cantora Baby do Brasil: “Parece que eles não sabem o que significa cultura”.

Entre tantas declarações, duas cartas chamaram a atenção. A primeira foi a de Caetano Veloso, também publicada em O Globo. Membro importante do movimento Tropicalista, que sofreu com os militares e usou a cultura como arma política, o cantor e compositor afirmou que “o peso econômico [do fim do MinC] é pífio e as escolhas dos novos ministros não apontam para um critério técnico e meritocrático. Seria uma beleza se um presidente peemedebista nos livrasse do vício da distribuição ‘política’ de cargos. Mas nossa oficialidade não vive de belezas. No entanto, reduzir o número de ministérios é bom de qualquer jeito. É bom simbolicamente, formalmente. Mas o desfazimento do MinC é negativo”.

Pois é, Ministérios, no Brasil, acabam de forma geral se transformando em moeda de troca de cargos públicos por apoio na Câmara e no Senado — dessa forma, acabar com um ministério “ajudaria” com o fim de um cargo político, na visão de muitos críticos. Ainda assim, tivemos Ministros da Cultura relevante no próprio meio, como Gilberto Gil, Antônio Houaiss (sim, o do dicionário) e Ana de Hollanda. Mais do que acabar com um cargo, é importante defender que ele seja ocupado por alguém que realmente entenda do que está fazendo.

Caetano também lembrou de resultados práticos do MinC — e não, não é a Lei Rouanet. “O Ministério da Cultura mostrou-se necessário ao Brasil. Hoje temos estudos e projetos brasileiros como referência em organizações internacionais que tratam dos problemas dos direitos autorais em ambiente digital. Somos (ou tínhamos sido) pioneiros na luta em defesa dos criadores, que se viram sem saber o quê, como, quanto e quando receberão pela divulgação de sua obra em plataformas de streaming. A Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) do MinC vinha se tornando um ‘think tank’ especializado nesses assuntos. Sem falar na situação do audiovisual, que se tornou uma atividade superavitária; nos Pontos de Cultura, que buscam acompanhar e proteger centros de criação artística em todo o território nacional; na atenção ao patrimônio histórico. Sem altas verbas (muito ao contrário), o MinC tem mostrado que o país passou a dar à produção cultural o valor que ela merece”.

A segunda carta que pipocou na mídia foi Wagner Moura. Encomendada por O Estado de S.Paulo e pelo Zero Hora, acabou sendo ignorada pelo primeiro e publicada no Blog do Juca Kfouri. “A extinção do MinC é só a primeira demonstração de obscurantismo e ignorância dada por esse governo ilegítimo”, disse o ator. “Praticamente todos os filmes brasileiros produzidos de 93 para cá foram feitos graças à lei do Audiovisual. Como pensar que isso possa ter sido nocivo para o Brasil?! Como pensar que o país estará melhor sem a complexidade de um Ministério que cuidava de gerir e difundir todas as manifestações culturais brasileiras aqui e no exterior? Bradar contra o MinC e contra as leis (ao invés de contribuir com ideias para melhorá-las) é mais que ignorância, é má fé mesmo”.

Dona Ivone Lara e Marcelo Calero

Dona Ivone Lara e Marcelo Calero

Claro que teve gente que apoiou o fim do Ministério da Cultura, inclusive no meio artístico. Um deles foi o Lobão que, com sua falta de elegância habitual, disse ao UOL que “o MinC sempre foi uma excrescência! Muito feliz pela fusão e pelo nome de Mendonça Filho no MEC!”

“Há uma simbiose intrínseca entre Educação e Cultura. Se bem administrado, a fusão pode funcionar. Mas, a princípio, sou a favor e estou otimista”, disse o músico Paulo Ricardo também pro UOL. Mas… Educação e Cultura funcionam tão bem assim, juntos?

Em 1985 não funcionava. No governo Collor, entre 1990 e 1992, o MinC também “acabou”, mas não voltou pelo MEC. Na época, foi convertido em Secretaria Nacional ligada diretamente à presidência da república. Sem intermediários. E mesmo assim também não deu certo.

As chances em 2016 são ainda menores.

Nos anos 80, tinha menos criança na escola e o problema era o grande analfabetismo. Hoje, tem muita gente na escola, mas falta estrutura, método, salário, merenda, ensino Médio e Superior. Pode não parecer, mas o ensino técnico e profissional é tão complicado quanto (ou até mais) ensinar a ler e escrever. Esse é o desafio que temos hoje, de formar bons profissionais pro país continuar crescendo.

A cultura também vive um momento importante. Saímos do modelo de um governo centralizador, que procurava uma unificação cultural, para uma explosão de diversidade. Por conta da internet, essa produção está se pulverizando, fomentando ainda mais uma produção diversa e, obviamente, com a cara do Brasil. Há também mais filmes, peças, ações de propriedade intelectual e toda uma estrutura que é importante. Mesmo quando um produtor cultural não usa dinheiro público, ainda há iniciativas que dão a ele uma estrutura, uma base.

Ainda há muito pela frente pra dizer que temos por aqui uma indústria cultural, mas com a cultura como uma secretaria do MEC esse caminho ficaria ainda mais longo.

“Educação e Cultura são coisas tão diferentes que, a princípio, me parece um retrocesso. Educação lida com formação, e Cultura tem relação com o povo, cultura mesmo”, defendeu Anna Muylaert. O pensamento vai na mesma linha do diretor regional do SESC São Paulo, Danilo Santos de Miranda. “São lógicas diferentes. Um gestor de uma área para lidar com todos os temas dos dois ministérios tem de ser múltiplo, pois a política que ordena a educação não é a mesma que ordena a cultura, que lida com um lado mais espontâneo, transgressor”.

Ok que o MinC tinha orçamento baixíssimo, a Lei Rouanet sempre recebeu críticas e o patrimônio cultural brasileiro poderia estar bem melhor. Porém, só porque algo está quebrado vamos jogá-lo fora? Ministérios não são brinquedos. Ou não deveriam ser.

Com tanta polêmica, o governo interino não teve vida fácil. Acuado por não ter indicado uma ministra mulher para o primeiro escalão, foi até “o mundo feminino” (nas palavras do presidente interino) para conseguir uma secretária de Cultura para o MEC. Levou recusas de Bruna Lombardi, Cláudia Leitão, Eliane Costa e Marília Gabriela. Com a porta de tal mundo na cara, acabaram chamando Marcelo Calero, ex-secretário municipal de Cultura do Rio de Janeiro, para o posto de secretário ESPECIAL da Cultura.

Aí foi como disse, mesmo que com uma visão lá de fora, a atriz Zoe Saldana (a Uhura de Star Trek) em entrevista ao JUDÃO: “É este tipo de revide, por parte do povo, dos artistas, que acontece exatamente antes de quem está no poder perder o controle”. Assim, Temer cedeu e o Ministério da Cultura foi ressuscitado. O novo ministro é o próprio Calero, que é diplomata, advogado e, até 2013, não tinha trabalhado na área cultura. “A decisão de recriar o MinC é um gesto do presidente Temer no sentido de serenar os ânimos e focar no objetivo maior: a cultura brasileira”, explicou o político.

Pela MP que recriou o Ministério, ele volta a ser responsável pela política nacional de cultura, proteção do patrimônio histórico e cultural, regulação dos direitos autorais e também a ajudar o Incra a manter a cultura e a identidade das comunidades com origens em quilombos.

“Para mim, a questão principal sobre a volta do Ministério da Cultura é outra. É que tipo de MinC vai voltar. Não sei se vai ser o mesmo do [Gilberto] Gil ou do Juca [Ferreira]. Eles descentralizaram a Cultura no Brasil, principalmente o cinema. Fizeram um trabalho maravilhoso. A volta do ministério no governo Temer eu não sei como vai ser”, disse a Anna Muylaert, em nova declaração para O Globo. “É o que o Caetano falou, o MinC é do Estado, não é de nenhum governo. Marcelo [Calero] é um bom nome, ele chegou bem, procurando as pessoas, querendo conversar”, comentou a produtora Paula Lavigne.

Mais do que um prédio e uma placa na Esplanada dos Ministérios, o MinC precisa de verba, de autonomia, repensar estruturas e ter bons projetos de desenvolvimento cultural.

Há ainda um longo processo ainda longo, mas que pelo menos não está mais dando dois passos para trás…