Alien: uma Odisseia no Espaço | JUDAO.com.br

Um dossiê com (quase) tudo o que você precisa saber sobre o xenomorfo e como um filme B de monstro espacial se tornou uma das mais importantes franquias do cinema

A redefinição de todo um gênero. A criação de um monstro icônico que populou os mais assustadores pesadelos. A percepção da importância do design como parte fundamental da concepção de uma criatura. A ideia do espaço como um lugar sombrio e assustador. O batismo de fogo de diretores iniciantes. O surgimento da heroína definitiva.

Tudo isso tem um nome: Alien. A franquia, iniciada em 1979, criou um cânone adorado por fãs ao redor de todo o mundo e deu origem à mais perfeita amálgama entre terror e sci-fi.

Mas você sabia que originalmente Alien, o Oitavo Passageiro nasceu como um filme B de monstro espacial que seria produzido por Roger Corman? Que James Cameron só poderia dirigir Aliens, o Resgate se O Exterminador do Futuro fizesse sucesso? Que Alien³ deveria ser ambientado em um planeta de madeira povoado por monges? Que Danny Boyle era a primeira escolha para dirigir Alien – A Ressurreição? E que Prometheus faria a ponte entre o derelict que caiu no planeta LV-426 e o sinal captado anos depois pela Nostromo?

Pois então: aí vai um dossiê com (quase) tudo que você precisa saber sobre a barata espacial antes de se aventurar a assistir Alien: Covenant nos cinemas.

Gritos no espaço

Cinco anos antes de Alien – O Oitavo Passageiro definir que, no espaço, ninguém ouve você gritar, Dan O’Bannon havia escrito, codirigido, editado, criado o design e os efeitos especiais e ainda atuado no antigo trabalho de conclusão de curso de John Carpenter, Dark Star, uma sátira de 2001 – Uma Odisseia no Espaço.

Havia uma forma extraterrestre no filme que era uma ridícula bola de praia com um pé de pato (!) e O’Bannon saiu da produção com a ideia fixa de que queria fazer um space horror com um alienígena mortífero de verdade, inspirado em O Terror que Vem Do Espaço, um sci-fi B dos anos 50, trazendo elementos de uma vida inteira de literatura e cinema que faziam parte de sua bagagem cultural, como Vampiros de Almas, O Monstro do Ártico, A Noite dos Mortos-Vivos e claro, O Planeta dos Vampiros, de Mario Bava.

Com a concepção em mente de um típico filme de Roger Corman, O’Bannon começou a bater nas teclas de sua máquina de escrever para desenvolver o que originalmente se chamaria Star Beast, partindo da premissa da tripulação de uma nave espacial sendo acordada e descendo em um planeta estranho para investigar um chamado. Lá, eles seriam infectados e trariam uma terrível forma alienígena a bordo. O roteiro empacou aí.

Foi quando Ronald Shusett contatou O’Bannon, dizendo que havia comprado os direitos do conto Podemos Recordar Para Você, Por um Preço Razoável de Philip K. Dick – que viria a se tornar O Vingador do Futuro – e tinha interesse que ele escrevesse o roteiro. Nesse INTERIM, Alejandro Jodorowsky, que estava no meio da produção de sua megalomaníaca versão de Duna (aquele ambicioso projeto com Pink Floyd, Orson Welles, Salvador Dalí e Mick Jagger) adorou os efeitos de Dark Star e chamou O’Bannon para a Europa pra trampar com ele no filme. Lá conheceu um tal Hans Rudolf Giger e o ilustrador britânico de ficção científica Chris Foss.

Como bem sabemos, tudo deu absurdamente errado com Duna, O’Bannon voltou aos EUA sem um puto e sua única forma de conseguir uns trocados era vender seu roteiro de Alien (já rebatizado) de qualquer jeito e assim poder sair do sofá de Shusett onde estava hospedado, vivendo à base de cachorro-quente. Pois bem: o parceiro disse que o ajudaria a finalizar a história se depois ele colaborasse com O Vingador do Futuro. Inclusive foi dele a ideia do facehugger “estuprando” Kane, colocando o parasita alienígena dentro de seu corpo e, por CONSEGUINTE, da nave – lampejo que teve ao acordar no meio da noite – e que, fato consumado, foi o que viabilizou a realização do filme por conta da futura e clássica cena da explosão do peito.

A dupla apresentou o script para várias produtoras até que ele chegou às mãos de Rob Rehme da New World Pictures, a companhia de exatamente quem? Roger Corman! O negócio estava quase fechado, era só uma questão de tempo, quando Mark Haggard, amigo roteirista em comum, quis dar uma lida no projeto. Enquanto esperava a fatídica batida de martelo com Corman, Haggard se apressou e apresentou o roteiro para o produtor Gordon Carroll que, por sua vez, levou para Walter Hill (diretor de Warriors – Os Selvagens da Noite) da recém-fundada Brandwyine Films. Ao lado de David Giler, o camarada acabou comprando o filme e o levou para a Fox.

Segundo O’Bannon, os produtores mexeram de forma arbitrária no texto original – “era meu roteiro depois de sofrer um acidente de carro” – reescreveram os diálogos, mudaram os nomes dos personagens e acrescentaram a ideia de Ash como um sintético, o conceito de “caminhoneiros espaciais” para a tripulação da Nostromo e ainda fizeram Ripley ser uma mulher, mal sabendo que a personagem da novata Sigourney Weaver – a última a participar das audições – daria origem a um novo e definitivo tipo de heroína.

O roteiro hibernou um tempo por lá mas a história de como Alien – O Oitavo Passageiro ganhou o sinal verde da Fox segue aquela famosa equação “lugar certo na hora certa”. Acontece que, algum tempo antes, o estúdio da Raposa não havia botado a menor fé em um certo filme independente de “capa e espada espacial” idealizado por um tal George Lucas. Depois do sucesso arrasa-quarteirão de Star Wars, a ficção científica voltou à moda e eles estavam desesperados pra aproveitar o filão. Adivinhe qual o único roteiro que se passava no espaço que tinham em cima da escrivaninha?

O’Bannon

Foi iniciada a tarefa de transformar um filme B em classe A. O’Bannon de verdade achou que iria dirigi-lo, mas a Fox ofereceu para Hill, que aceitou mas percebeu que não tinha o tino para os efeitos especiais. Depois Carroll falou com Robert Aldrich, mas não se empolgou com a solução que ele daria para a fatídica cena do facehugger: jogar um FÍGADO no rosto do ator e tava tudo certo. O estúdio então queria Peter Yates, mas os produtores não toparam. Jack Clayton recusou. Ninguém aceitava comandar aquele “estúpido filme de monstro”. Foi quando Gordon assistiu à produção Os Duelistas em Cannes. Ridley Scott foi então sugerido e voilá, foram 26 horas entre o ex-diretor de comerciais inglês ler o roteiro e estar em Hollywood para assinar o contrato, sendo de vez engolido pela máquina da indústria cinematográfica.

Scott queria fazer um filme verdadeiramente assustador, tipo um O Massacre da Serra Elétrica no espaço, seguindo um velho expediente de “personagens sendo mortos um a um”. Mas ele não queria usar cenários com caixas de papelão pintadas e um homem vestindo uma tosca roupa de borracha. Ao terminar seus storyboards, rapidamente o orçamento dobrou de 4,2 para 8,4 milhões de dólares (fora o gasto com publicidade somado depois) e logo o que mais começou a preocupar a todos era o visual do monstro. Afinal, se fosse algo mambembe, tudo iria para o espaço (hein?). Aí que O’Bannon mostrou ao diretor Necronomicon, o livro de ilustrações de H.R. Giger, e Scott disse: “É isso!”.

Inteligentemente, duas mentes foram responsáveis por criar dois mundos baseados em distintos estilos de design: o suíço cuidou de tudo que envolvesse o alienígena, com a criatura e seu visual humanoide-inseto-biomecânico-panssexual, o facehugger, o chestburster, os ovos, o derelict, o planeta e o Space Jockey; já Rob Cobb ficou com tudo que envolvesse os humanos, a parte interior da Nostromo (o visual exterior foi desenvolvido por Foss) e da Narcissus,. Tudo realisticamente fundamentado na lógica da engenharia espacial mas nada parecido com qualquer conceito da NASA, e sim baseado na visão de Scott inspirada nos quadrinhos franceses da Métal Hurlant e em Moebius. Ou seja, um veículo com tecnologia retrô (grandes botões, monitores de baixa resolução, luzes piscantes), parecido com um antigo submarino da Segunda Guerra Mundial, misturado com um visual fabril, torres de catedrais góticas e que por dentro parecesse um caminhão velho, com estofado remendado de fita adesiva, tudo sujo e escuro.

Visu concebido, a cabeça mecatrônica do xenomorfo criada pelo italiano Carlo Rambaldi, cenário construído e atores contratados, eles precisavam de alguém magérrimo para usar aquela roupa de látex bem fina, que pudesse esticar e ainda assim mantivesse os detalhes perceptíveis, sem parecer um borrachão a la O Monstro da Lagoa Negra. Certa semana os diretores de elenco estavam num pub e trombaram com um cara de dois metros de altura, esbelto, LONGILÍNEO e elegante. Bolaji Badejo, ilustrador gráfico nigeriano, foi abordado com a pergunta que todos gostaríamos de ouvir: “quer participar de um filme?”. Depois foi só meter o sujeito na fantasia, besuntá-lo com tubos de KY para dar aquela aparência gosmenta pingando, e mandá-lo para aulas de tai-chi e mímica para aprender a se dobrar e mover-se lentamente, de forma sinuosa. Nascia o Oitavo Passageiro da Nostromo.

Bolaji Badejo

Com tudo pronto, Ridley Scott resolveu colocar em prática os ensinamentos de Alfred Hitchcock e Steven Spielberg (em Tubarão), filmando pouco o alienígena, pois a sugestão é muito mais assustadora e poderosa do que entregá-lo totalmente, construindo toda atmosfera de suspense em um ritmo arrastado durante 45 minutos até o ovo eclodir, para encurralar o espectador e deixá-lo com os nervos em frangalhos numa escalada de tensão até seu terceiro ato. Junte a isso seu método nada ortodoxo de não conversar com os atores, pois os queria inseguros, tensos e sem conhecer o visual do alien. Pronto, a psicologia do medo estava toda ali entregue de bandeja.

Nunca um horror espacial havia trabalhado tão bem a questão da claustrofobia, da criatura que espreita no escuro quando somos crianças, e escancarado tantos de nossos pavores: organismos estranhos crescendo em nossos corpos, inteligência artificial maligna, clausura, violação e, principalmente, o medo do desconhecido. “O alien é uma versão mais escura, mais absoluta e mais selvagens de nós mesmos”, disse Sigourney Weaver certa vez. E se a Ripley falou...

Alien – O Oitavo Passageiro mostrou o espaço como um lugar aterrador, muito diferente do otimismo ingênuo de Encontros Imediatos do Terceiro Grau, utilizando da ficção científica como elemento para assustar.

Ainda assim, apesar do sucesso estrondoso e de faturar mais de 100 milhões de dólares de bilheteria, só depois de sete anos em animação suspensa, Tenente Ripley, a única sobrevivente da Nostromo, voltaria a dar de cara com o(s) xenomorfo(s).

Desta vez, é guerra!

David Giler queria fazer uma sequência lá mesmo em 1979, com total apoio do então presidente da Fox, Allan Ladd, Jr. Só que, pouco tempo depois, o manda-chuva saiu do estúdio e a Raposa ficou nas mãos de novos responsáveis, March Rich e Marvin Davis. Aí que o novo executivo, Norman Levy, disse que não tinha nenhum interesse em uma sequência. O projeto entrou em hiato, até 1983.

Sob nova direção novamente, os engravatados recém-empossados do estúdio em certo momento acenaram com interesse em continuar Alien, e Giler foi abordado no estacionamento, explicando que sua ideia era uma mistura de O Confronto Final e Sete Homens e Um Destino, mas com alienígenas. Uma reunião selou o acordo e as coisas começaram a se encaminhar. Mas faltava, obviamente, um roteiro.

Foi quando Giler se deparou com o script de um certo O Exterminador do Futuro, entrando em contato com James Cameron e lhe oferecendo a oportunidade de escrever a sequência. O barbudo, que havia ficado impressionado com o filme de Ridley Scott, ficou mais feliz que pinto no lixo — ele inclusive tinha trabalhado na equipe de Roger Corman como desenhista de produção e efeitos especiais de Galáxia do Terror, um salafrário sci-fi trash, rip off de Alien, dirigido pelo Rei dos Filmes B.

Sua intenção era não fazer uma refilmagem nem um tie-in, mas sim introduzir novos conceitos e uma nova visão para a série. Aí, ele preparou um primeiro rascunho com 45 páginas – que não foi bem recebido pela Fox – quando um problema na produção do Exterminador (ou, talvez, uma daquelas sortes do destino) fez com que as filmagens tivessem que esperar por nove meses, uma vez que Schwarzenegger tinha um contrato com Dino de Laurentiis que o obrigou a fazer Conan, o Destruidor antes de poder encarnar o T-800 em toda sua glória cibernética.

Cameron ficou aí com um tempão livre e pôde dar o tratamento final ao roteiro do até então chamado Alien II e zaz, todo mundo adorou e o sinal verde foi dado. Inclusive a Fox prometeu que se O Exterminador do Futuro fizesse bonito na bilheteria, ele poderia dirigir o filme. Bom, a gente sabe o que aconteceu depois... ;)

James Cameron

A pré-produção teve seu pontapé inicial e Rob Cobb voltou ao time para desenvolver as artes conceituais de tudo que envolvesse a colônia espacial, enquanto Syd Mead, que trabalhara em Tron – Uma Odisséia Eletrônica e Blade Runner – O Caçador de Andróides, se focou na criação da nave Sulaco, partindo do conceito de um visual industrial, lógico e bélico.

Mas nada de terror gótico: Cameron queria um filme de combate, aproveitando sua experiência ao escrever Rambo II: A Missão, inspiração no livro Tropas Estelares de Robert A. Heinlein, e construir uma alegoria à Guerra do Vietnã, criando uma situação na qual uma força tecnologicamente superior, armada até os dentes, pode se dar mal se não estiver bem preparada ou subestimar o inimigo. “Muito poder de fogo e pouca sabedoria”, disse o diretor.

Além disso, seu plot trouxe Ripley de volta como uma dissidente, uma pária, acordada 57 anos depois da tragédia na Nostromo, tentando se encaixar em um mundo ao qual não mais pertence, psicologicamente quebrada pela batalha com a criatura alienígena, a morte de toda sua tripulação. A personagem ainda ganhou um background inédito, como uma mulher com uma filha pequena na Terra, Amanda, com quem esperava se reunir, mas que faleceu enquanto ela vagou por tanto tempo à deriva em seu hipersono.

Voltar ao planetoide LV-426, transformado em Acheron, uma colônia mineradora composta por 70 famílias, terraformada pela inescrupulosa Weyland-Yutani, é a metáfora de encarar os traumas e lutar contra eles, como uma terapia de confronto.

Parece foto promocional de série :P

Talvez um dos mais importantes acréscimos de Aliens, o Resgate tenha sido introduzir alguns elementos importantes para o ciclo de vida alienígena, explicando sua natureza e hierarquia, largamente baseada em colônias de insetos. Colocando o título do filme no plural, vemos aqui uma infestação de uma espécie de xenomorfo, batizados de “guerreiros”, como criaturas mais velozes, pulando, rastejando e se pendurando de ponta cabeça, mesmo com o estúdio duvidando da capacidade de haver muitos aliens no filme. Cria de Roger Corman, Cameron utilizou só meia dúzia de acrobatas, contorcionistas e dublês vestidos de barata espacial em cada cena, mas graças à edição rápida, temos a impressão de muito mais.

Mas sem dúvida o que salta aos olhos é a concepção da Rainha, intensificando essa semelhança dos alienígenas com insetos. Inspirada nas rainhas-cupim, a descomunal criatura foi criada por Cameron e construída por Stan Winston. Um novo organismo, sentada em um trono biomecânico repleto de ovos, explicando de onde nasce sua ninhada, uma continuação da filosofia do design de Giger, mas com um visual mais feminino, além daquele instinto materno de e controle sobre sua prole.

Em algum momento durante a produção, chegou-se a pensar em um Alien 3 contando a história da volta de Ripley, o cabo Hicks e a jovem Newt à Terra (algo que seria retomado em um possível Alien 5 do Neil Blomkamp, engavetado antes mesmo de tomar forma por conta do lançamento de Alien: Covenant) como uma família. Mas o que acabou virando o terceiro filme da série teve um trágico destino completamente diferente.

O pão que o xenomorfo amassou

Alien 3 foi o tour de force de David Fincher. Oriundo dos videoclipes e do mercado publicitário, o jovem diretor – hoje um dos mais respeitados de Hollywood – em sua estreia cinematográfica passou um inferno por conta de incontáveis problemas na produção desde o início, pressão do estúdio, orçamento e prazos estourados e o fato quase insólito de filmar sem um roteiro pronto.

Todo mundo queria uma continuação de Aliens, O Resgate, que havia sido um tremendo sucesso, mas os produtores tinham em mente algo que ainda não tivesse sido feito, ao invés de uma cópia em carbono dos anteriores. O primeiro de inacreditáveis DEZ roteiros escritos era de William Gibson, autor de Neuromancer, datado de 1987, focado no cabo Hicks e no sintético Bishop enfrentando xenomorfos geneticamente alterados em uma estação espacial científica, abordando a duplicidade da Weyland-Yutani e sua necessidade de conseguir essa arma.

O conceito não foi levado adiante por ser considerado mais uma extravagância de ação nos mesmos moldes do anterior. Um ano depois, ele preparou um segundo roteiro em uma escala menor, se passando no mesmo ambiente, porém com apenas três alienígenas, um contingente menor de fuzileiros coloniais e trocando o tiroteio por um clima de horror claustrofóbico que remetesse ao primeiro.

Devidamente rejeitado, em seguida entrou em cena o roteiro de Eric Red, no qual o inédito personagem Sam Smith (ventilava-se a ideia de não ter Sigourney Weaver de volta, primeiro por não saber se ela estaria a bordo e, segundo, por uma suposta audiência feminina muito baixa em O Resgate) combatia as baratas espaciais em uma pequena cidade intergalática dentro de uma redoma de vidro espacial chamada North Star. Mas aí vem a substituição: sai Red, entra David Twohy.

Um pouco mais próximo do resultado final que conhecemos hoje, esse rascunho se passava em uma imensa prisão interplanetária, tipo Alcatraz, que também funcionava como uma refinaria de minério, localizada na órbita da Terra. Alguns diretores foram abordados, inclusive Ridley Scott, que mandou um “beijo, me liga”, até Renny Harlin ser contratado. O mano não gostava da ideia de voltar para naves e corredores, tudo que já havia sido explorado antes. Na real, ele queria mostrar de onde vieram os aliens, com a trama se desenvolvendo em seu planeta de origem, explicando o que raios eles eram. Soa familiar? ;)

Arceon

Mas isso custaria muito dinheiro e foi vetado. A ideia dos aliens chegando à Terra também era bastante ventilada e surgia como uma necessidade da audiência. Até um spot promocional chegou a ser criado com a tagline “Na Terra, todos ouvirão você gritar”. Harlin se desligou do projeto (alguém aí disse: “diferenças criativas”?) e foi a vez de Vincent Ward, diretor de Navigator: Uma Odisséia no Tempo, assumir o roteiro e direção, trazendo uma ideia nababesca, completamente diferente para o filme.

Sua história, bastante inusitada, se passava em um planeta chamado Arceon, que na verdade era todo feito de madeira, no qual estava um monastério, destino dos humanos que queriam escapar da tecnologia desenfreada, vivendo como monges de forma autossuficiente em um local repleto de catedrais, moinhos, plantação de trigo...

A nave de Ripley cairia no planeta, governado pela mão de ferro de um bispo fundamentalista, e traria consigo a criatura, que era tida como o diabo, e que ela, como mulher, pecadora e aquela ladainha toda, seria acusada como a responsável por levar a figura satânica pra lá. O bicho teria de ser combatido com instrumentos agrícolas, culminando na morte da protagonista – grávida do alien – uma vez que Sigourney Weaver queria que essa fosse a última aparição da personagem, condição inegociável para que ela participasse do filme. Aparentemente todos teriam adorado o roteiro e Alien 3 entrou em pré-produção, com a construção dos sets, escolha do elenco, e por aí vai.

Bom, os executivos haviam “adorado” a ideia até a página dois. Na real, só concordaram com voltar a fazer um filme mais focado no terror, com a Ripley no elenco e claro, ter apenas um alien. Primeiro foi questionada a ideia de monges e não detentos, depois do planeta de madeira e não uma colônia de mineração, elementos de versões anteriores. Ward então recebeu uma lista agressiva e autoritária de mudanças dos mandachuvas, o que foi a gota d’água pro cara, resultando em mais uma baixa por “diferenças criativas”.

David Fincher no set de Alien 3

Com a data de lançamento já cravada, muita gente envolvida no projeto metendo o bedelho, um caminhão de dinheiro gasto na construção de um filme que não existia mais e os burocratas querendo algo mais seguro e menos visionário, a batata quente assou na mão do pobre Fincher que topou a empreitada.

Só que ele perdeu toda a fase de pré-produção, teve de conceber tudo em um período muito curto e com a grana escassa, além de suportar o mais rigoroso inverno em Londres dos últimos anos durante as gravações, ter seu diretor de fotografia diagnosticado com Mal de Parkinson, sofrer muita interferência por parte do estúdio e iniciar o trabalho sem um roteiro finalizado, que mudava constantemente sempre tendo de se adaptar ao novo material que chegava.

Como desgraça pouca é bobagem, ainda rolaram interrupções das gravações, refilmagens que levaram seis semanas e um IMBRÓGLIO envolvendo a cabeça raspada de Weaver com um bônus de 40 mil dólares se tivesse que passar a ZERO de novo, a saída do produtor David Giler, e constantes brigas e indecisões sobre o final, claramente feito às pressas.

Porém, elementos importantes – e visualmente impactantes – foram inseridos no cânone, com a volta de H.R. Giger para desenvolver o visual do xenomorfo, dessa vez mais parecido com um animal, quadrúpede, com pernas proeminentes e mais longas, mais estético e mais ágil, e a interessante inclusão dos lábios, para torná-lo ainda mais erótico. Além disso, foi apresentando um novo super facehugger (ou queen facehugger ou ainda royal facehugger), responsável por carregar o embrião da rainha, maior e com um visual mais próximo ao seu exoesqueleto blindado, e o bambi-burster, idealizado por Fincher e desenhado por Giger, versão bebê da criatura com pernas alongadas, introduzindo a ideia de que o xenomorfo absorve atributos genéticos de seu hospedeiro, uma vez que ele foi gestado em um cachorro ou em um boi, dependendo da versão que você assiste.

A talvez imagem mais icônica de toda a franquia

Falando nisso, a versão final foi completamente retalhada pelo estúdio, em um processo de edição que demorou um ano, resultando em um filme completamente diferente da versão idealizada por Fincher, o que gerou outra briga enorme com a Fox. Como se já não bastasse tudo que aconteceu, o relacionamento ainda terminou com o diretor renegando o filme.

Cenas importantes (e digamos, até essenciais) como a gestação e eclosão no boi ao invés do Rottweiler, a cena da praia mostrando o ambiente inóspito de trabalho, um pouco mais de desenvolvimento do personagem de Charles Dance, a criatura capturada e depois solta pelo insano detento Golic, todas ficaram pelo caminho na sala de edição. Elas ganhariam vida apenas em 2003 com o lançamento da quadrilogia em DVD, em uma versão conhecida como Assembly Cut, feita pelo produtor Charles de Lazurika a partir de notas de produção de Fincher, trazendo uma reconstrução da obra com significativos 25 minutos a mais, além de sequências eliminadas do corte de cinema.

Altamente subestimado e com uma inicial baixa aceitação, mas redescoberto com o passar dos anos, Alien 3 é um filme sombrio, grosseiro, sangrento e com um tom absolutamente pessimista e um final nada feliz. Só que ser incinerada por chumbo derretido na caldeira de Fiorina “161” Fury não foi o suficiente para deixarem Ripley descansar em paz

Toque francês

Lá no final dos anos 90, a clonagem estava em alta, vide a ovelha Dolly. Seguindo por esse caminho, a Fox desejava reviver a franquia e trazer Ripley de volta, contratando Joss Whedon, fã fervoroso da série, para escrever um roteiro.

Giler e Walter se opuseram arduamente contra um Alien 4, mas de nada adiantou, já que a Raposa era quem detinha os direitos da besta, fazendo com que os dois optassem por não se envolver com a produção. Segundo Whedon, que já revelou não gostar nada de Alien – A Ressurreição, o resultado final do roteiro está bem diferente do escrito originalmente por ele, principalmente no tom do filme, que possuía diálogos mais ferinos e sarcásticos (como estamos acostumados na obra do roteirista) e uma pegada mais realista e menos fantasiosa. Mas tudo isso foi rechaçado pelo diretor Jean-Pierre Jeunet, que teve carta branca pra modificar o que quisesse em detrimento da sua visão e ideias esquisitas.

Winona Ryder e Jean-Pierre Jeunet

De prima, foi ventilado o nome de Danny Boyle para a direção, mas os produtores não aceitaram. O segundo nome foi logo de Jeunet, por se tratar de um bom contador de histórias, com preocupações estéticas e visuais, muito ligado ao design, que se interessa por iluminação, composição, e com isso, tinham a intenção de dar uma cara de “filme europeu”, retomando aquele visual de quadrinhos franceses de ficção científica.

Assim como todos, ele TAMBÉM queria fazer algo diferente do que já havia sido feito, o que é deveras respeitoso, mas prestando homenagem à direção de arte do primeiro filme, evoluindo a criatura, mas mantendo o estilo do Giger. O problema foi querer enveredar para o humor negro e o isso destoar completamente dos demais filmes e da proposta da franquia em si.

O próprio Jeunet enfatizou que, ao ser abordado, deixou bem claro que não queria fazer filmes em Hollywood (na época, ele estava escrevendo O Fabuloso Destino de Amélie Poulain) e que para ele dirigir Alien – A Ressurreição era “como fazer um comercial, mas esse seria um comercial bem longo”. Ou seja, um cara contratado para um trabalho burocrático e mastigado que não coloca no filme a visceral paixão de um Ridley Scott, James Cameron e David Fincher. O resultado taí nas telas.

O clone da Ripley e o Newborn

Bom, a receita do fracasso também envolve a questão de uma Ellen Ripley clonada, completamente fora do contexto de sua personagem anterior, com uma mistura genética com o DNA do alien que lhe confere “poderes especiais”, além de uma ligação maior com a criatura que passou a odiar com a própria vida. Por sugestão da própria atriz (que recebeu pela sua volta nada menos que 11 milhões de dólares, o orçamento completo do primeiro), ela passou a ser “mais alien que humana dessa vez”.

Quanto ao xenomorfo propriamente dito, a figura do alien guerreiro aparece nesta quarta parte também resultado de clonagem, mais astuta e maligna, com linhas mais direcionais e anguladas, cabeça mais pontiaguda e queixo para frente, ombros exagerados, caixa torácica mais saliente, aumento da espinha e a cauda com uma ponta mais navalhada, inclusive para ajudar na aerodinâmica na cena em que eles nadam. Além disso, a Rainha está de volta, mas dessa vez, por conta do mix com o DNA de Ripley, sua gestação é quase mamífera, o que resulta no nascimento do infame newborn, UM DOS MAIORES ERROS DA FRANQUIA.

Jeunet bateu o pé de que ele teria de ser mais humano que alien, com expressão nos olhos, nariz, língua, e emanasse compaixão, empatia, resultando naquela carinha de dó de cachorro largado na chuva, e assim a criatura albina pudesse expressar emoções diferentes, realmente atuar e não ser apenas uma máquina de matar. Ainda era pra ter genitais masculino e feminino como hermafrodita, mas o estúdio veementemente vetou e até o diretor, no final das contas, achou que era demais.

Fato é que Jeunet conseguiu no final das contas imprimir seu trabalho e um tom completamente diferente dos demais, entregando maomeno um sci-fi europeu com humor negro, seguindo o establishment da franquia com diretores variados e suas visões particulares para cada uma das sequências. Mas não foi o suficiente: o filme foi muito mal na bilheteria americana e não agradou público e crítica, sendo considerado por muitos o pior da série.

Eram os deuses astronautas?

Apesar do subtítulo, Alien – A Ressurreição não conseguiu ressuscitar a franquia, enterrando-a no limbo cinematográfico de vez (melhor nem mencionar aqueles crossovers com o Predador). Até que Ridley Scott, quinze anos depois, surge com uma indagação que nunca havia sido respondida nos quatro filmes: quem a foda era aquele Space Jockey que jazia fossilizado no derelict pousado em LV-426 encontrado pela Nostromo?

Há tempos já se ventilava a ideia de Scott retornar para uma, digamos, prequência do universo do Alien, respondendo a algumas perguntas ao melhor estilo “o que são, de onde vieram”. Então, finalmente era hora de voltar atrás e elucidar não só de onde o navegador espacial e o xenomorfo surgiram, mas também, explorar nossa própria origem, em uma interessantíssima pira criacionista ao melhor estilo Erich Von Däniken.

Com o título temporário de Alien: Engineers e depois Alien: Genesis, o primeiro tratamento de roteiro de Jon Spaihts fazia uma ponte que conectaria aos acontecimentos de O Oitavo Passageiro, mas com pano de fundo na busca da humanidade pelos seus criadores, mostrando que o que se passa no primeiro filme seria apenas a ponta do iceberg de algo intrinsecamente ligado ao surgimento da vida em nosso planeta.

Basicamente, muitos conceitos foram aproveitados na versão final, porém originalmente ela traria todos os elementos estabelecidos na franquia: ovos, facehuggers, chestbursters e por aí vai.

A nave exploradora Magellan iria encontrar o planetoide LV-246, assim como os Engenheiros mortos em uma nave que carregava uma arma biológica geneticamente modificada, incubada dentro dos ovos estocados em uma certa câmara que John Hurt viria a conhecer de perto. A tripulação ainda se depararia com versões prévias de um xenomorfo de pele branca (conceito reaproveitado como o neomorfo de Alien: Covenant). Apenas um Engenheiro está vivo e, ao ser acordado, quer completar sua missão de destruir a Terra, mas a nave é abatida e uma outra criatura colossal, chamada ultramorfo, eclode de seu peito. A única sobrevivente da Magellan, presa na rocha espacial, emite então um sinal de perigo, aquele mesmo captado muitos anos depois pela Nostromo.

Tudo lindo e maravilhoso e o ciclo se fechava. Mas não, Ridley Scott começou a interferir no roteiro cada vez mais, a coisa toda ESCALONOU para algo mais espetaculoso e a origem do alien era deixada cada vez mais marginalizada. O prego no caixão foi quando Damon Lindelof foi contratado pelo estúdio para reescrevê-lo (provavelmente já se pensando mercadologicamente nos desdobramentos para futuros filmes), e aí que a sopa primordial entornou.

Ridley Scott e Noomi Rapace

A correlação com a mitologia original foi abandonada e a ligação com O Oitavo Passageiro deixada de lado em detrimento de um stand alone dentro do universo de Alien que caminhasse de forma paralela, e não só como uma prequência direta. A Prometheus aterrissa em outro planeta, o LV-223, e o foco seria lidar com questões filosóficas, os perigos de brincar de Deus, e assuntos como vida, morte e religião, e não apenas só mais uma abordagem da criatura.

Justíssimo, mas não precisava então ser um filme do Alien, certo? Talvez fosse até melhor a idealização de um sci-fi completamente independente. Com certeza seria mais honesto. Mas não é, pois o Space Jockey está ali, a Weyland Corp. está ali, e até um novo xenomorfo está ali.

Mas claro, Prometheus tem lá seus elementos válidos, como os Engenheiros e a revelação que o visual paquidérmico do Space Jockey era um exoesqueleto orgânico para voo, e não a verdadeira forma fossilizada do piloto; o líquido preto, poderoso patógeno mutante capaz de modificar o material genético, responsável pela mutação no geólogo Fifield e na transformação de minhocas no hammerpede, aquela criatura meio cobra/meio centopeia que ataca o biólogo Milburn (a maior dupla de patetas da Prometheus); e o Deacon, o que seria a penúltima combinação do alien, resultado da gestação do trilobite – aquele facehugger molusco lovecraftiano repleto de tentáculos – dentro do Engenheiro, combinando tanto seu DNA quanto o humano.

Mas talvez a mais importante contribuição de Prometheus à mitologia é a figura de David, o sintético quase-humano criado por Peter Weyland em pessoa, interpretado por Michael Fassbender, frustrado pela fraqueza de seu criador, despeitado pela humanidade, com muito rancor por servir xícaras de chá, cheio de ideias de superioridade e desejos de criação e experimentação. Quem já assistiu a Alien: Covenant, sabe bem do que eu estou falando e o porquê da importância deste personagem para o surgimento do xenomorfo como nós o conhecemos hoje.

Qual o futuro do xenomorfo, ainda mais depois desse novo capítulo oficial em sua saga? Scott já afirmou que Covenant é o primeiro filme de uma nova trilogia, mas que ele tem material para outros filmes e nenhuma intenção de abandonar a franquia novamente. Então só o tempo, o espaço, e os resultados da bilheteria, poderão responder essa pergunta.