Andy Serkis lidera a nova Revolução dos Bichos | JUDAO.com.br

Adaptação do clássico livro de George Orwell será produzida pelo Netflix e será dirigida por um cara que tá se especializando em histórias que usam os animais pra retratar o melhor e o pior dos seres humanos

Animais inteligentes que, cansados da opressão e da dominação dos seres humanos, não apenas se organizam mas resolvem criar a sua própria sociedade sem a participação da humanidade — apenas para descobrirem depois que seu próprio grupo pode ter traidores tão violentos, corruptos e sedentos de poder quanto os próprios humanos. Este breve descritivo serve para esta verdadeira instituição da cultura pop que é Planeta dos Macacos, franquia que completa 50 anos em 2018, mas também serve como apresentação de um dos livros mais vendidos e referenciados da história da literatura: A Revolução dos Bichos (Animal Farm, em inglês), do bem-humorado e MORDAZ jornalista britânico George Orwell.

Estes dois ícones enfim terão algo mais em comum do que a influência que o livro de Orwell claramente teve sobre o de Pierre Boulle e consequentemente sobre os muitos filmes que viriam a partir dele: Andy Serkis. O Caesar que resolveu virar diretor e que parece ter REALMENTE se empolgado com o Netflix — porque, depois de ter a sua versão de Mogli levada para os braços do serviço de streaming (o que talvez tenha sido ótimo pra ele mas não muito bom pro cinema), é por lá que vai ser igualmente ENCAMPADO seu projeto dos sonhos, a adaptação pra filme da obra do autor inglês.

Originalmente, lá em 2012, Serkis adquiriu os direitos de filmagem da história via The Imaginarium, seu estúdio londrino em sociedade com Jonathan Cavendish e especializado em produções com captação de movimentos — não por acaso, a especialidade pela qual o ator é renomado. “Eu acho que encontramos uma forma diferente de fazer”, explicou ele, na época, pro THR. “Claro que vamos usar técnicas de captura, mas estamos usando uma amálgama de estilos de filmagem para criar a ambientação”, explicou, dizendo que pensavam também em misturar animação e até bonecos pra fazer a trama acontecer de verdade. E, pelo menos naquele momento, o eterno Gollum também iria atuar no filme.

Com Serkis na cadeira de diretor, A Revolução dos Bichos será produzido numa parceria com o 6th & Idaho, estúdio de produção do cineasta Matt Reeves, que já tinha fechado um baita acordo de first look com o Netflix, aliás. A nova produção reúne outra vez a dupla, que já esteve junta em Planeta dos Macacos: O Confronto (2014) e Planeta dos Macacos: A Guerra (2017), ambos com direção de Reeves e Serkis no papel de protagonista.

“Estamos incrivelmente empolgados por finalmente encontrar a casa criativa perfeita para este trabalho”, afirmou o próprio Andy Serkis, em comunicado oficial. “Além disso, ter a chance de me reunir com o grande amigo Matt Reeves, com sua sensibilidade aguda, inteligência na arte de contar histórias e honestidade, é ter o melhor cenário para o nosso projeto dos sonhos que é trazer esta fábula à vida”. Já Cavendish, que também vai produzir, ressalta que a intenção é dar uma camada contemporânea à história. “Vamos destacar a relevância atual do poder satírico e dramático deste clássico reimaginado de Orwell”.

Relevância. De fato, esta é mesmo a palavra-chave pra se referir ao livro, publicado em agosto de 1945 — quatro anos antes de sua obra mais conhecida, 1984, a famosa distopia sobre o Grande Irmão. Em A Revolução dos Bichos, Orwell se foca no microcosmo da fazenda do Senhor Jones e usa um bando de animais antropomorfizados tão humanos quanto eu e você para fazer uma poderosa crítica ao poder totalitário. Simpatizante do anarquismo e autodeclarado socialista democrático, lutando inclusive ao lado do Partido Operário de Unificação Marxista contra Francisco Franco na Espanha, ele escreveu o livro justamente como uma crítica contra Josef Stalin, o governante soviético que teria traído os princípios da Revolução Russa de 1917.

Na história, o velho porco idealista chamado Major (que muitos especialistas dizem ser uma representação de Karl Marx ou então do próprio Lenin, ainda que esta representação seja controversa) resolve enfim convocar os colegas animais a compartilharem de seu sonho: uma sociedade autossustentável na qual possam ser governados por eles mesmos, sem a exploração do homem — que leva seu leite, sua lã, sua carne, seu couro e o usa para carregar suas carroças. Então, quando o fazendeiro se descuida, começa uma verdadeira revolução na Granja do Solar, sob o comando dos porcos e amparada na filosofia do Animalismo. Todos os humanos são expulsos e agora a fazenda está de fato sob controle dos bichos, que estabelecem sete importantes mandamentos, entre eles “qualquer coisa que ande sobre duas pernas é inimigo”, “todos os animais são iguais” e “nenhum animal matará outro animal”. Para as ovelhas, isso rapidamente vira uma máxima repetida aos quatro cantos: quatro pernas bom, duas pernas ruim.

Depois que o Major morre, o comando da revolução fica a cargo de outros dois porcos, Bola de Neve e Napoleão, que lutam contra as tentativas humanas de retomar o território e levam o ideal adiante. A vida segue boa e tranquila, até que começam os desentendimentos entre os dois. E a ambição e a sede pelo poder faz com que Napoleão — que é claramente uma caricatura do próprio Stalin — afaste Bola de Neve (facilmente entendido como o revolucionário marxista Leon Trótski) que, desaparecido, deixa o antigo parceiro como um soberano que, aos poucos, começa a mostrar suas garras. Sabe o que acontece? UM GOLPE. Olha só.

Protegido por uma matilha de cães ferozes, ele e os outros porcos se encastelam na antiga casa da fazenda e, aos poucos, vão mostrando uma impiedosa crueldade ainda pior do que a dos humanos. As condições de trabalho se tornam ainda mais perigosas e degradantes, em troca de ração, enquanto os suínos vão sutilmente banindo os hinos da revolução e mudando os seus mandamentos para algo como “todos os animais são iguais mas alguns são mais iguais que os outros”.

No fim, a fazenda passa a voltar a negociar com humanos, fazendo os bichos se questionarem se estar sob o controle do Napoleão é mesmo melhor do que um dia foi o jugo do Senhor Jones. Os porcos cheios de privilégios agora comem do bom e do melhor e celebram a prosperidade, andando sobre duas patas, vestindo roupas, dormindo nas camas que foram dos homens e jogando baralho com os vizinhos enquanto seus parceiros cavalos, burros, cabras, bois e vacas sofrem sendo tratados como lixo.

Onde foi parar a tal da liberdade mesmo? E a igualdade?

Existe uma frase famosa, atribuída ao historiador britânico John Emerich Edward Dalberg-Acton, o 1º barão Acton, que é assim: “O poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. É sobre isso que as metáforas cheias de camadas de A Revolução dos Bichos falam: mais do que sobre qualquer ideologia em particular, o que pode gerar uma primeira análise bastante distorcida dado o período em que a obra foi escrita, trata-se de uma história sobre a tirania. Sobre a ambição pelo poder. Sobre ditadores e, em especial, sobre aqueles que são difíceis de reconhecer em sua sutileza, inflamando as massas com um discurso que diz aquilo que elas querem ouvir.

Basicamente, é um livro sobre porcos disfarçados de homens. E se você souber ler bem mais do que APENAS as manchetes dos jornais ao seu redor, vai sacar que estamos vivendo um momento em que MUITOS deles estão ao nosso redor, alguns já no poder, alguns inclusive no poder há MUITOS anos, e outros sedentos pra se REFESTELAR na lavagem mais próxima.

A Revolução dos Bichos, versão Andy Serkis, ainda não tem data de lançamento confirmada.