Anita Sarkeesian está certa. Viva com isso. | JUDAO.com.br

E o tal trailer live action de Call of Duty: Advanced Warfare taí pra provar

Anita Sarkeesian é uma crítica de mídia, formada em comunicação e pós-graduada em pensamento social e político. Em 2009, ela começou a série de vídeos Feminist Frequency, em que comentava as representações de gênero, mitos e mensagens da cultura pop. Ela já deu várias entrevistas e palestras nesse tempo todo, mas foi nos últimos dois meses que ela ficou de fato famosa.

Ao lado de Zoe Quinn, Anita é uma das principais vítimas do tal do “Gamer Gate” — uma teórica busca por ética em jornalismo de joguinhos, mas que se mostrou algo muito mais próximo de uma organização terrorista. Pra entender melhor a treta, esse artigo do Overloadr resume bem a história.

Na última quarta-feira (29), Anita foi convidada pelo entrevistador Stephen Colbert pra participar de um dos seus últimos programas (o Colbert Report acaba em Dezembro!). Como sempre, Colbert se perfez de radical conservador (satirizando os tipinhos da Fox News ou, se quiser algo mais próximo da nossa realidade, Veja) e, com bastante ênfase, atacou o que defende Anita, justamente pra provar o ponto no qual Anita martela há anos, especialmente na série Tropes VS. Women in Video Games: a maneira completamente sexista com que as mulheres são retratadas dentro (e fora) dos videogames.

Você pode assistir ao segmento completo, em inglês, apertando os plays aí embaixo e entender um pouco mais sobre quão “ética no jornalismo de joguinhos” esse tal de Gamer Gate é.

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Claro, a Anita é uma voz quase solitária — e o pessoal tem feito o possível pra calá-la, o que significa que vai demorar pra chegar o dia em que a gente vai poder assistir a um filme, jogar um jogo ou simplesmente andar na rua e enxergar todos como iguais, como simples seres humanos. Por exemplo, quando universidade em Utah anunciou uma de suas palestras, surgiu, vinda de um de seus alunos, a ameaça do “maior massacre já ocorrido numa escola”. Por segurança — não só de Anita, como de todos os outros — ela resolveu cancelar sua participação. É, a coisa tá neste nível, ultrapassando o “vou xingar muito no Twitter” — o que, especificamente nesse caso, já é errado — e chegando ao “vou te matar, sua vaca”. Ênfase no “sua vaca”.

O foda é que, menos de 24 horas depois dessa entrevista no Colbert Report, a Activision lançou o seu trailer anual live action de Call of Duty: Advanced Warfare. E por mais que eu ADORE olhar pra Emily Ratajkowski, vestida ou não, eu não consegui não sentir vergonha alheia do que tava vendo.

No meio de todos os pulos, socos e tiros — de uma produção bem legal e bem feita pra caralho, é verdade — surge, de shortinho, blusinha branca, barriga de fora e decote a deliciosa modelo. Por poucos segundos. Apenas como uma “ilusão”, “delírio” do personagem caído. Ou, como define muito bem a Anita, “decoração de background”, em que as mulheres são “personagens insignificantes e não-jogáveis cuja sexualidade ou vitimização é explorada de maneira a criar ousadia, coragem ou safadeza nos mundos dos jogos. Esses corpos objetificados sexualmente são desenhados pra funcionar como uma textura ambiental enquanto atiçam os presumidamente jogadores homens heterossexuais. Algumas vezes elas são criadas pra ser uma mobília, mas são mais frequentemente programadas como objetos sexuais minimamente interativos pra serem usados e abusados”.

Se você não assistiu ao tal do trailer ainda, aperte o play e veja você mesmo.

Se você sair daqui e for pro Google procurar por “Call of Duty Live Action Trailer”, vai encontrar muitas referências ao nome da modelo, dizendo que ela “estrela” o vídeo. Se ela aparece por OITÔ segundo é muito, e ainda é trocada por uma cabra, logo na sequência... Mas é considerada o grande destaque. Por que será?

Não vejo NENHUM problema em olhar, babar e o que for pra essa mulher — que é linda, sabe que é linda, gosta de ser assim, tem problema nenhum com seu corpo, mostra mesmo e foda-se. Eu só questiono a necessidade. Precisava MESMO colocá-la, do jeito que a colocaram, nesse vídeo? Não havia NENHUMA outra maneira de contar a piada do “delirando com a cabra” que não com a mulher linda e gostosa e suada e com pouca roupa?

Sei lá, colocá-la como uma soldado mesmo, tipo a Emily Blunt em No Limite do Amanhã? Ou inventar qualquer outra coisa, qualquer outra pessoa que pudesse ter algum “apelo” ao personagem caído, que não a gostosa de pouca roupa? Porra, Activision... Olha o momento em que a gente vive, cara. É sério isso?

Tudo bem ser sexy. Tudo bem tanto para homens quanto para mulheres. Sexo é bom, é legal, é gostoso, é nutritivo e faz bem (tipo Sucrilhos, do Tigre Tony). Só que, cara, você pode ser sexy e ter algum significado que vá além do “ah, vamos jogar uma mulher gostosa ali apenas porque sim”. Porque foi justamente isso o que aconteceu. Sem necessidade, razão... Nada.

O grande lance, num caso como este, não é ser politicamente correto, “ah, agora todas as minorias estão se doendo, bom mesmo era quando a gente podia sacanear todo mundo e ninguém se importava, é só uma piada, #mimimi”. De um lado, o mundo ficou mais chato. Mas do outro, aqueles que se incomodavam com este tipo de retrato passaram a falar, a soltar a voz, a se manifestar. A piada que era divertida para todo mundo não era, afinal, divertida pra TODO MUNDO. A diferença é que as mulheres, que sempre jogaram videogames, resolveram mostrar que estavam incomodadas. Não agora. Mas desde sempre.

Quando o silêncio acaba, ele deixa de ser conveniente e passa a ser incômodo. Lidem com isso.

PS: Aproveitando que levantamos a bola deste assunto, recomendamos que você leia nossas reflexões sobre o assunto também em outras mídias, como a música, os quadrinhos e os filmes-pipoca. O assunto ainda vai render um pouco mais por aqui.