Artists' Alley: o que faz valer o COMIC das CONS | JUDAO.com.br

São Paulo vai receber duas Comic Cons no final de 2014, ambas baseadas no formato dos eventos grinfos – incluindo aí o tal do “Beco dos Artistas”. Pra te ajudar a entender como isso funciona, o JUDÃO explica o mais importante espaço do tipo no mercado dos EUA: o Artists’ Alley da San Diego Comic-Con

SAN DIEGO ~ Artists’ Alley. Provavelmente essa expressão não fazia parte do seu vocabulário há até pouco tempo, mas vieram os anúncios da Comic Con Experience e da Brasil Comic Con, que vão importar o formato dos eventos dos EUA para o nosso País e... Isso tava lá. Sei o que você está pensando agora: “ok, já ouvi falar nisso, mas... QUE PORRA É ESSA?”. Calma, é pra isso que a gente tá aqui. ;)

Começando de forma simples: Artists’ Alley é, literalmente, o beco dos artistas. Basicamente, surgiu nas convenções de quadrinhos como um local no qual artistas dessa mídia poderiam apresentar seus trabalhos, conversas com leitores, interagir com fãs e, literalmente, fazer o que bem entenderem. O maior evento do gênero no mundo, a San Diego Comic-Con, começou daí e, apesar de dar cada vez mais espaço para TV, games e cinema, ainda mantém um bom ~beco para os quadrinistas em seu Artists’ Alley – que foi visitado por nós na edição de 2014 (e na de 2013, 2012, 2011, 2010, 2009, 2008, 2007...).

Este ano, gente como Ed McGuinness, Whilce Portacio, Len Wein, Scott Williams, Jimmy Palmiotti, Shane Davis, Chuck Dixon, Amanda Conner, Brian Buccellato e Rob Liefeld reservaram suas mesas. Na maioria dos casos (pra não dizer em TODOS) os artistas veem no local como uma forma de tirar um dinheiro a mais, um caminho para ajudar a pagar contas. Dessa forma, quem paga pra estar lá (sim, eles pagam) é pra, basicamente, vender artes originais, fazer as chamadas “commissions” (artes específicas e sob encomenda), vender HQs autografadas e sketch books com tiragens limitadíssimas.

Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br

Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br

Ê, ô ô, vida de gado

São poucos os quadrinistas que possuem contrato de exclusividade com as grandes editoras (leia-se “Marvel e DC”). Os caras são possivelmente mais fodidos que eu e você, trabalhando como “freelancers”. A editora vai lá, chama o cara pra desenhar uma edição e pronto, ele ganha por página que fez. Pode ser que venha muito trabalho do nada com prazo curto e o artista não possa aceitar, pode ser que ele fique meses sem receber nenhum novo projeto. É algo muito instável e um profissional pode ficar sem grana fácil, fácil.

Outra fonte de receita pra esse pessoal são os royalties, a participação nos lucros gerados pelos personagens e elementos que o quadrinista criou. Porém, nem todo mundo criou alguma coisa (ou algo relevante) e, pra quem fez isso, o dinheiro que chega é uma ínfima parte da grana gerada pelo personagem. Ano passado, por exemplo, Rob Liefeld ~reclamou que recebeu apenas US$ 4,69 por royalties da Marvel num encadernado – e olha que o cara criou personagens como Deadpool e Cable. Como qualquer gênio, Liefeld é desbocado e publica nas interwebs esse tipo de coisa sem pensar duas vezes. Imagina, então, como é com aquela galera mais reservada? Pois é.

É bom ressaltar que por muitos anos Liefeld não recebia nem essa mixaria, já que a Casa das Ideias não pagava NADA pro cara. Ele teve que buscar os próprios direitos pra resolver esse problema.

Um outro exemplo é Don Rosa, lendário quadrinista dos títulos da Disney, que se nega a assinar encadernados com o trabalho dele publicados pela BOOM! Studios. O motivo? Simplesmente porque ele não recebe nada por essas republicações. Nos últimos dias, a Marvel anunciou para o próximo ano a republicação de HQs de Star Wars originalmente da Dark Horse – e já tem gente levantando a dúvida se vão receber algo ou não da Casa das Ideias.

Blank Sketch Cover

Blank Sketch Cover

Se você pesquisar no eBay e em sites de leilões, encontrará artes originais, commissions, gibis autografados e coisas do tipo sendo vendidas por algumas centenas (em alguns casos, até milhares) de dólares. Em comic shops esse tipo de venda é comum. Há algumas que chamam quadrinistas de sucesso para autografar títulos recentes que são vendidos depois por US$ 10 ou US$ 15.

Volte, agora, para o quadrinista: as editoras ganham muito em cima do trabalho dele. O mercado especulador ganha muito em cima do trabalho dele. E, muitas vezes, ele não sabe quando receberá o próximo contracheque – nem se vai vir só uns centavos nele. Por isso o comércio de artes originais, a venda de autógrafos. Se o mercado ganha um dinheiro, é importante o quadrinista também ganhar o dele.

As editoras são coniventes com isso, claro. Pode parecer idiota, mas a DC poderia processar seus artistas que ficam vendendo artes do Superman ou fazendo isso sob a encomenda de leitores. A Marvel poderia fazer a mesma coisa com quem vende algo do tipo com o Homem-Aranha. Porém, eles sabem que seus artistas precisam disso para sobreviver. Como até a conivência pode resultar em um trocado, a Marvel e DC publicam constantemente revistas com as chamadas “blank sketch covers”, edições com capa variante branca e papel especial para desenhar – e, assim, serem completadas pelos artistas.

Ninguém vai de graça pro Artists’ Alley, é convidado ou algo assim. Na SDCC, um espaço no beco custou US$350 agora em 2014. Na brasileira CCXP, as mesas custaram R$500 e já estão esgotadas.

Por tudo isso, o mais comum ao andar no Artists’ Alley é encontrar nas mesas uma tabela de preços. Cada quadrinista cobra o valor que acha justo pelo seu trabalho ou até levando em consideração o mercado especulador que existe por aí. Uma arte original do Rob Liefeld, por exemplo, pode custar até uns US$ 600 ou US$ 800 – simplesmente porque ele sabe que as pessoas podem vender por muito mais depois. Sim, tem gente que paga muito dinheiro por um homem com seios. Ou US$ 1.500 por uma página original de New Mutants #89. ;)

Rob Liefeld, o gênio, recebendo a ~cria no Artist's Alley (Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

Rob Liefeld, o gênio, recebendo a ~cria no Artists’ Alley (Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

O bacana é que encomendar uma arte pro cara do qual você é fã se torna, além de tudo, numa puta experiência. Você senta ali na mesa, na frente do cara, vai acompanhando o trabalho, a forma que ele cria, vai conversando, falando da vida, de quadrinhos, se vai ter Copa... É um bônus que, com toda a certeza, paga o investimento que você está fazendo ali. Isso sem falar que existem os quadrinistas mais tranquilos, que não cobram por autógrafos e fotos (que não é o caso do Liefeld).

Há também os artistas mais organizados. Esses abrem listas de commissions na internet, produzem previamente o que os leitores encomendaram e só marcam de entregar o ~pedido durante a Comic-Con. Maximizam lucros, por assim dizer, até porque, né, não tem Comic-Con toda a semana.

Quem quer fugir do aperto das mesas do Artists’ Alley e até atrair um público diferente, aquele visitante que não vai necessariamente ver os quadrinistas, mas que pode se interessar em comprar um original, compra um stand num outro ponto do Centro de Convenções. Em uma San Diego Comic-Con, normalmente isso acontece com grupos de artistas que se reúnem para diluir os custos ou com caras mais fodidos e com bastante produto para vender, como Alex Ross e Neal Adams. Falando no Adams, uma curiosidade: ele tem um aviso bem claro em seu stand. Lá diz “Foto do Neal Adams, de graça. Foto com o Neal Adams, US$ 10”. E, se você comprar uma HQ ali da mesa dele, não paga nada pelo autógrafo. Se compra em outro lugar pra ele autografar, US$5.

Neal Adams (Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

Neal Adams (Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

No Brasil, sabemos que tanto a BCC quanto a CCXP estão seguindo esse formato e comercializando stands para quadrinistas, e não só as mesas em seus Artists’ Alley.

Com algumas pequenas mudanças, é basicamente assim que também funcionam os Artists’ Alley das outras Comic Cons nos EUA. Na New York Comic Con, por exemplo, os organizadores separam metade de um andar no Javits Center para as mesas e artistas – e, neste ano, a lista de confirmados tem nomes como Cully Hamner, Terry Moore, David Finch, David Lloyd, Klaus Janson e James Robinson. Vale dizer também que o formato já foi aplicado em alguns eventos no Brasil, como a Multiverso ComicCon.

Outro detalhe é que a presença dos quadrinistas não se resume a apenas o espaço dedicado à eles ou a stands próprios. Muitos autores são convidados no booths das editoras e, por lá, normalmente dão autógrafos de graça, mesmo entre aqueles que cobram por isso.

Resumindo tudo isso: se você realmente valoriza o trabalho de desenhistas, arte-finalistas, coloristas e todo mundo que faz as HQs que você adora – e, acima de tudo, quer um pouco disso com você – separe uma grana pra gastar nos Artists’ Alley das Comic Cons que vão rolar no Brasil. Afinal, o quadrinista que está ali quer ver o trabalho dele valorizado e, claro, pagar as contas no final do mês. O mercado de quadrinhos, como um todo, agradece. ;)