Marcos Winter: "Se eu tivesse rede social já tinha tomado um tiro na testa" | JUDAO.com.br
29 de setembro de 2016
ASTERISCO

Marcos Winter: “Se eu tivesse rede social já tinha tomado um tiro na testa”

Asterisco ENTREVISTA!
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A segunda temporada de Magnífica 70 estreia nesse domingo (02) na HBO Brasil, indo um pouco mais fundo no que significava fazer filmes na década de 70 no Brasil, mais especificamente durante a Ditadura Militar e na Boca do Lixo, região do centro de São Paulo que, por vários anos, foi conhecida como a “Hollywood Brasileira”.

Pra um sensacional Asterisco ENTREVISTA!, recebemos no Estúdio Sócrates Brasileiro da Central 3 o ator Marcos Winter, que interpreta o Vicente, pra falar sobre a série, de onde veio e pra onde vai, a Boca do Lixo, censura e repressão nos anos 1970 e 2010 — além, é claro, de palavrões, mulher pelada e a indústria do entretenimento do Brasil.

Como sempre, você pode apertar o play ali em cima pra ouvir a conversa toda ou baixar em .MP3. Mas, pode também ler um resumão da entrevista aí embaixo, se preferir. De qualquer maneira, aproveita que você já tá aqui e assine o feed no seu iTunes, Android ou onde bem entender — até no Deezer!

Magnífica 70

| Falam mais com você sobre o Magnifica 70 ou sobre o MERODAQUE?
Hehehe. Agora, nesses últimos dias, mais sobre o Merodaque. O Merodaque foi muito bacana porque, enfim... Magnifica 70, tamos aí com essa segunda temporada...

Não, deixa te falar. É muito bacana porque a Record achou um nicho muito bacana de se trabalhar e que tem muita história pra contar. Inegavelmente essa história é muito grande, você pode ter a história e as histórias, né, a história e as versões.

Mas o gostoso de ter feito lá foi ter feito uma coisa que foi desprendida do contexto dos hebreus, desprendida do contexto da história mais tradicional, que foi fazer parte de um reino...

| Que virou uma coisa Game of Thrones... Em nenhum momento ninguém pensou em anunciar a segunda temporada de Magnífica 70 como “The Winter is Coming”?
Hahahaha. Por causa de Game... ? Hahahaha. Sabia que eu ganhei uma plaquinha de “The Winter is Coming”? Eu até grudei na porta do meu quarto.

| Era isso! Põe nos trailers! Eu falei brincando no começo essa coisa de Record, de falarem mais com você sobre personagem da Record do que da série, mas eu queria aproveitar – até por causa da piada do Porta dos Fundos, que é velha – que tem essa coisa do “morreu, tá na Record”. Pra você muda alguma coisa de fato o canal que você tá, ou a novela é a novela e você é um ator e é isso que importa?
Exatamente isso. O produto é o produto. Antes de mais nada, a novela é a novela. A cada trabalho que eu começo, aquele trabalho é absolutamente o mais importante. Esse que é o jeito da gente encarar de uma forma mais saudável e mais inteligente, até. Cara, há 20, quase 30 anos atrás ninguém imaginou que fosse acontecer essa coisa. A gente fez uma novela na Manchete no meio do pantanal e foi bacana. Eu fiz novela no SBT e foi muito bacana, conseguimos uma qualidade muito bacana lá até pela própria crítica, vamos lá, a Kogut d’O Globo. A Kogut é uma pessoa muito bacana e tem olhos pra observar o que tá acontecendo por aí. Magnífica ela curtiu muito também. E eu tinha feito Globo...

Antes, quando eu era uma criança pequena lá na Penha, eu comecei a fazer teatro muito menino. Tinha 17 anos. Quando eu entrei na universidade, já entrei fazendo teatro. E aí eu comecei a fazer Globo, fui fazer Manchete, fiz muitos anos de Globo, de volta. Fiz SBT. Fiz Record... Uma das primeiras lá, quando o velho Avancini ainda tava lá, logo depois dele, que teve Xica da Silva. Aqui em São Paulo ainda fiz Essas Mulheres, que foi na Record, aí a Record mudou pro Rio... Eu fiz muita coisa na Globo, tal. E agora tem essa possibilidade das grandes distribuidoras tarem produzindo aqui no Brasil. Então eu acho que o mercado é muito grande, apesar de estar muito diferente quando você fala da carreira do ator, do que é a profissão, do que o ator virou.

A gente vê, por exemplo, com raríssimas exceções, que é muito difícil o ator se sustentar com a bilheteria do teatro, pagar o aluguel, pagar a conta de luz. Às vezes você faz um espetáculo e não paga a gasolina, bicho. Fazer teatro é muito caro e o ator é o último a receber, tem que pagar todo mundo antes. E o aluguel do teatro é um absurdo, tem que pagar a porcentagem do autor, tem que pagar a porcentagem do tradutor, tem que pagar a porcentagem do diretor... Quando vai ver, você acaba não pagando a gasolina. Então a possibilidade dessa abertura, onde tem muita gente produzindo aqui, é muito bacana. A loucura é isso, que agora toda família tem um artista. Haha. Antigamente a gente brincava que, enfim... Quando comecei era aquela coisa, todo mundo que faz teatro é maconheiro, puta, viado e tal...

| Olha que tem gente que ainda fala isso, hoje!
É um trabalho que virou meio que nem jogador de futebol antigamente, pra dar um trampolim... Aí que tá, não é o ator ou a atriz, é a celebridade. Hoje as pessoas fazem tudo pra chegar lá e, pior, fazem tudo pra se manter. Eu tava aqui, falando pro Judão [que era o Borbs, mas isso deixa pra lá], a minha profissão hoje tem armas e ferramentas que eu não tenho, que eu não faço questão de ter. A gente já acaba, depois de muito tempo, escutando coisas por aí que é uma loucura. Então é muito complicado, você tem que distinguir muito bem o que é o trabalho do ator, o que que é aquele trabalho que é feito... Você sabe que 90% dos flagrantes são armados, enfim, são escolhas, não é. E a profissão do ator ficou um pouco renegada por isso. É claro que não vai deixar de ter, tem que ter. E a gente vai ter que fazer.

| A Boca do Lixo ou um lugar parecido com esse, um polo onde muita coisa aconteça, faz falta no Brasil, hoje em dia?
A Boca do Lixo, especificamente... Por que aconteceu ali? Porque aquele lugar, a Rua do Triunfo, esse pedacinho, era muito próximo da estação de trem. Era um jeito dos filmes serem feitos, ficarem prontos e a distribuição ser muito rápida, por trem. E naquele lugar, especificamente, que foi conhecido como Boca do Lixo, foi um lugar onde tinha uma concentração de produções cinematográficas muito grandes. Não era só pornochanchada. Tinha filmes cults. Então aconteceu de juntar geograficamente ali, que tinha fácil acesso à distribuição.

Na verdade, trocando em miúdos, foi isso, foi um lugar que possibilitava que a distribuição das latas fosse feita de forma mais rápida. E aí juntou todo mundo e se fazia de tudo lá, e era um momento no qual a pornochanchada... A gente fala da pornochanchada no Brasil, mas se você olhar Magnífica, vai ver que tem menos pornochanchada, apelo sexual, seja lá o nome que você quiser dar pra isso, do que o filme do James Bond. A coisa da mulher nua, a coisa de ter um seio... A gente até brinca na minissérie: “pra passar na censura, tira um peito e bota meia bunda, só”. O cinema francês teve a sua época de muito apelo sensual. Teve no México a mesma coisa. Foi uma coisa universal, né. E até hoje é muito difícil você assistir a um filme que não tenha uma boca bonita, uma mulher que chama atenção, alguém que queira ver um peito, uma bunda em uma calça jeans. Sempre vai ter. Não tem jeito.

A gente deve o desenvolvimento da comunicação, por incrível que pareça, principalmente, a duas coisas: à guerra e ao sexo

| No cinema brasileiro, tem duas coisas que você tem o tempo todo. A primeira é “porra”, a palavra “porra” é usada a torto e direito. Ninguém usa tanto. A outra coisa que tem no cinema brasileiro, mais, mas não só, é a mulher pelada. Não é só natural ver a mulher brasileira pelada o tempo todo, mas parece que não dá pra você contar uma história que não tenha peito.
É difícil você contar uma história que não tenha um caso de amor. Senão não tem o conflito, o caso de amor para ser resolvido. Para ser “conflituado”, enfim. E com um caso de amor eventualmente vai ter um beijo na boca, que vai pegar na mão, ter um sexo. As pessoas trepam, né, enfim. Eu acho bacana, por exemplo, que pra você arranjar uma revistinha de sacanagem era uma loucura.

A gente pegava uma revistinha de sacanagem, a gente tremia. Eu acho que ainda bem que a coisa da sexualidade tomou, hoje, uma dimensão diferente. É claro que aí você pode questionar outras coisas, a promiscuidade, a falta de caráter nas relações, mas você não é mais criado naquela coisa da culpa, do sexo.

O que aconteceu, naquela época quando tinha a promessa de um filme com um peitinho e uma mão na bunda, era uma loucura porque a galera tremia. Ainda bem que isso tudo mudou, ainda bem que hoje tem o acesso não só a putaria em si, a sacanagem em si, mas o que eu acho mais legal disso é que você tem o acesso à informação. Esse é que é o grande barato, naquela época, como era tudo tão velado, tão hipocritamente feito, enfim, as pessoas também tinham esse atraso. Não tinham a informação. Eu acho hoje em dia que é bacana você ir no cinema e ver o corpo de uma atriz nua, um seio, tal, e entender que aquilo lá faz parte da história e não desperta mais aquele furor que despertava antigamente. E hoje a galera tem informação, você tem o computador e com dois cliques você tá vendo peito na tua cara.

| E tem essa coisa que meio que a putaria que acabou com a pornochanchada, de certa maneira. Não tinha mais aquela relação, por que você vai esperar o filme para ver aquela coisa mais inocente se você podia alugar uma fita ali no XVideos?
Tem uma coisa que pouca gente sabe, mas hoje a gente tem o desenvolvimento da comunicação via internet, essa coisa toda, é tão sofisticado, tão sofisticado, e agente deve a isso, por incrível que pareça, principalmente, a duas coisas: à guerra e ao sexo. Não é... Por exemplo, eu tava brincando aqui essa coisa, eu realmente não tenho rede social, fiz questão de nunca ter, porque eu já teria tomado uma bala na testa, com certeza. Porque eu tenho que falar as coisas, a gente fala mesmo, não dá pra ser mentiroso, nem pra ficar escondendo as coisas, mas o advento... Quando fez o Facebook, tinha o mínimo respeito. Quando vi o filme, perdi o respeito totalmente. Fez o negócio pra comer mulher, pra comer gente. Neguinho invento o negócio foi pra comer gente, mermo.

| Foi literalmente pra isso.
Foi literalmente pra isso. A gente deve muito o avanço, pra quem usa internet e todo esse universo pras coisas de informação, deve muito à putaria e à guerra. Pode ter certeza

Magnífica 70| Magnifica 70 é uma sátira, porque assim... Quando você fala de Boca do Lixo e de pornochanchada você até imagina que vai ser mais focado nisso, mais mulher pelada, mas ela é meio melodramática, ela tem toda essa coisa, envolve o sexo, é óbvio... Ele tem muito a ver ali, tem a coisa de mostrar a mulher pelada. A série se utiliza dos mesmos elementos da pornochanchada para contar uma história sobre ela. Criticando e brincando.
Não é só isso, como tem coisas na minissérie... E na série, que vem na primeira e que vem na segunda muito forte. É que a gente utiliza pequenos filmes, ou pequenos filmes que a gente produz na produtora, para desvirtuar a realidade. Você chegou a ver na primeira temporada, tem homicídio, tem muito crime ali, que a gente vai resolvendo isso criando uma ficção, filmando uma pseudoverdade que é mentira. A gente vai brincando com a própria realidade dentro da série. Na segunda temporada isso vem também muito forte. Não sei o quanto que eu vou poder falar aqui sobre a segunda temporada, a HBO ali já tá arrancando o meu cabelo.

A gente lança muito a mão de lançar filmes pseudo-documentais que na verdade são ficção, para tentar ir burlando e criando uma outra realidade. Isso acontece muito na segunda temporada, que é muito mais pesada, muito mais densa. Venho aí em dez episódios preparando a minha morte.

| Deixa eu trazer essa discussão pra mais perto do teu personagem, inclusive. A história do censor, e não sei o quê. No ambiente cultural, na cultura, especificamente, como você enxerga esse panorama hoje?
Cara, vou te explicar uma coisa. Eu lembrei de uma historinha. Eu vou lembrar essa história do Consea, lá. Eu fui lá fazer parte do Consea, sempre gostei de ser bom aluno. E eu fui bom aluno lá também. Então estudei muito, falei muito, propus muito, aquelas coisas. Então uma vez eu tava voltando de Brasília, e tem um lugar no Rio, que é a Fiorentina, que é ali no Leme, que é um antro da galera de teatro, que a gente se encontra lá, foi por muito tempo meu escritório lá, frequentei por muito tempo da minha vida. E um dia entrei na Fiorentina e dei de cara com a dona Laura Cardoso, que eu amo, minha mãezinha. E aí a dona Laura, sabendo que eu tava lá em Brasília, falou “e a cultura?”.. Cara, eu parei.

Falei assim: “porra, dona Laura, a cultura, a cultura... Tá em 18º lugar, porque se você for olhando cada uma das mazelas do Brasil, você vê que na fronteira agrícola tem um trabalhador escravo que, pra poder trabalhar, ele tem que comprar o facão, tem que comprar o arroz com feijão que normalmente já tá vencido, já foi desviado da merenda escolar, sabe... É um ciclo vicioso muito perpetuado, muito profundo. Tomara que tenha alguém que venha aí um dia pra falar sobre essas coisas, porque não é mais possível que continue.

E aí tem o pobre do moleque que tá lá, escravizado, sem documento, não pode sair, se tentar sair ele vai ser... Eu já vi valas com 25 corpos. O escravo hoje não tem valor, né. Antigamente se vendia escravo. Hoje, como é proibido, o cara que dá trabalho é morto, mesmo.

Aí tem o moleque lá que consegue juntar R$ 13 no mês. E aí o dia que é pagamento passa o caminhão com as meninas prostitutas de 12 anos. Enfim, virou uma coisa, que assim, esse é o país que a gente vive. A gente fica um pouco iludido com essa história que a gente vive, no Rio, em São Paulo, grandes centros, que fazem, que produzem. Mas o país é muito grande. O país tem mazelas e desgraças profundas, mesmo. Não é brincadeira, não é demagogia. É foda. Por isso que não tenho rede social...

Se eu tivesse rede social, já teria tomado um tiro na testa

| Na série tem essa coisa da censura, tem essa coisa que “se você é contra o regime, você é comunista”. Tem essa coisa que, hoje em dia, você ouve aqui, que é inacreditável em 2016 isso ser ouvido. Mas um grande momento assim, pra mim, é quando a chefe diz pro Vicente que ele tá sendo muito “bonzinho” com o cinema brasileiro. Você acha que tem uma chance disso voltar?
Uma vez eu escutei no começo desse processo todo que alguém pensou em militarismo. Eu acho que se alguém pensou nisso, cara, na boa... O mínimo que eu posso pensar é que é uma pessoa muito mal informada, que as pessoas não têm noção o que era aquela época. Eu era moleque naquela época – ainda bem, porque se eu fosse um pouco mais velho também eu acho que já tinha dançado – mas assim, era tudo proibido. Você não podia ficar na rua, você não podia conversar com os amigos. Não podia ir num lugar, não podia ir no outro. Você não podia frequentar uma coisa que não fosse a escola pública. Porra, eu comecei a trabalhar com dez anos de idade, bicho. Com dez anos de idade eu tava dentro de uma fábrica. Entendeu? Naquela época eram poucas coisas que a informação... Só se você imaginar que a informação pode não chegar em você... Isso é uma loucura.

Eu acho que qualquer regime ditatorial, em qualquer sentido, não é bem-vindo. Eu acho que as pessoas que pensam assim deviam se informar um pouquinho mais, porque não é pra alegria e a felicidade dela que tanta e tanta e tanta gente vai se foder. Por que a ditadura, seja ela qual for, ela é muito doída pra quem não pensa como o governo, como a cabeça que tá ali governando o país. Essas pessoas realmente sofrem muito, são vidas que... Muita gente morre, muita gente sofre. Eu acho que essas pessoas tinham que estudar um pouquinho mais. Infelizmente não dá pra se falar que tem uma saída hoje, um nome aqui, um partido ali que possa fazer alguma coisa. Sinto muito. Mas pensar em uma coisa militar é chocante. A gente tá falando disso justamente na peça, na série. A série se passa nesse momento. As pessoas que viveram aquilo, de uma forma ou de outra, a não ser aqueles que tiveram benesses, como até hoje tem... É impressionante também, porque quem teve benesses no próprio governo que fez a cagada queriam que continuasse com as benesses. As pessoas deixaram de olhar um pouco para o próprio rabo. “O quanto que eu tô contribuindo pra essa porcaria acontecer, continuar acontecendo?”. Mas, tirando as pessoas que receberam benesses, que recebem de qualquer ditadura, o resto da população sofre. Então eu acho que isso é uma coisa impensável, realmente não dá pra tá certo. Mesmo.

Magnífica 70

| A gente tem uma coisa no site... Já fizemos até um programa sobre isso aqui no Asterisco, no ano passado. Que é assim: muito nessa história toda, a gente falando de cultura, mas gente tá sempre tentando mostrar o quão política essas coisas são. Não só, no exemplo mais óbvio, Star Wars não é só fantasia e o sabre de luz. Tem uma coisa muito pesada por trás, que você pode trocar os personagens por pessoas reais e você vai enxergar.
Se parar pra pensar, Judão, você tem duas histórias do mundo: ou é sobre amor, ou é sobre poder. O resto é versão. Tudo que envolve o amor, tudo que envolve o poder. O resto, são tudo dois polos. O resto é tudo versão.

| E ainda algumas de amor tem a ver com poder, também.
Elas se mesclam muito, claro. É até daí a graça da coisa, tudo se mescla muito. Mas aí entra, tirando algumas vertentes que são mais modernas – essa coisa toda da realidade fantástica, do esoterismo e essa loucura toda. Mas são duas histórias que tem no mundo, o tempo todo. Ou é sobre amor, ou é sobre poder. Como é que o cara vai contar essa história de amor?

| E, no final, Star Wars é sobre isso. É uma história de amor e de poder.
E é sobre isso que se fala. E o Magnifica tem uma coisa muito bacana, que acho que são essas pessoas... “Pessoas” não, a gente tem que falar “personagens”. Esses personagens influenciados por uma época, vivendo uma situação absolutamente pontual, uma situação que tá ali na beira da transformação, e como eles se transformarão para observar isso depois. Porque os personagens começam a primeira temporada de um jeito, terminam de outro e quando começa a segunda temporada, você fica completamente chapado de como que você vê aqueles mesmos quatro magníficos, mas como se tivesse duas escalas acima, entendeu? A barra ficou tão pesada ali para os magníficos, na Magnífica, que assim, essa história de você ir manipulando a realidade por meio da ficção chega ao mais extremo de tudo, que é o que eu tava aqui conversando. Preparando a minha própria sorte, o meu próprio destino na mão de um filme. Que eu quero que vá pra Cannes. Hahaha.

Quando a doutora Sueli quer que eu fique fazendo filmes ufanistas, e salvando Duque de Caxias. “Salve, salve Duque de Caxias!”, por baixo dos panos eu fico tentando ainda botar a cabeça em pé e tentando livrar a barra de todo mundo dignamente. Como? Com cinema.

Eu acho que o grande barato da Magnifica é a paixão por cinema. O que o cinema, a força que o cinema tem e teve e vai continuar tendo, pra realmente transformar as pessoas. Tenho certeza que cada um de nós, e cada uma das pessoas que tá ouvindo, tem um filme que fala “caramba, esse filme marcou tanto a minha vida que alguma coisa me transformou”. Pras pessoas que fazem isso, é muito mais contundente, é muito mais forte isso. Por exemplo, o que eu faço na Magnífica, a pessoa que caiu de paraquedas no universo do cinema. É que nem eu tava falando pros meninos antes de chegarem... A própria rádio, a rádio é uma cachaça. Isso é um vício. Pergunta se você quer sair daqui, se você quer fazer... Olha o tesão que tem aqui, o prazer que tem de se fazer um negócio desse. E isso realmente é transformador. O cinema como fator de transformação absurdo para essas pessoas.

| Recentemente teve o Emmy Awards e, pelo menos lá fora, começou uma discussão que eu queria saber a sua opinião. Você acha que existe, não como ator, mas alguém que sabe o que tá acontecendo quando assiste, que série de TV é melhor do que cinema, ou não tem nada a ver?
É uma discussão boba, não precisa. Acho que tem espaço pra tudo. A gente brinca muito que Magnífica é isso, Magnífica é um pouco... A gente conseguiu juntar um pouco o que é a mescla da dramaturgia para a televisão e o cuidado pro cinema. A gente tem, pra fazer a Magnífica, uma equipe que é absolutamente de primeira linha do cinema. A gente tem ali o Claudio Torres dirigindo, e tem o grande barato que é um dos caras que escreve. Então dentro do próprio set a gente consegue mudar, e muda. Eu paro pra ver o Claudio trabalhar. É um diretor que é um artista trabalhando. No começo, quando a gente começou a trabalhar, eu fiquei muito agoniado, porque ele lembra muito o pai dele, o Fernando Torres. O olho é muito doce, o jeito, o carinho que ele tem, e, ao mesmo tempo, aquela impetuosidade, o cara é um demônio trabalhando. Quando você vê o cara trabalhando, você para pra assistir. Então a gente conseguiu juntar essas duas coisas bacanas aí, que é a qualidade e o cuidado que se tem em cada take, em cada sequência. Com esse chavão, “cinematográfico”, mas ao mesmo tempo pensada e pra ser vista na televisão. A gente não foge disso, não foge e não quer, porque é um produto para a televisão.

E aí eu acho que a HBO entra com tudo. Porque, assim, é engraçado... Você pergunta pra eles como é que foi, se as pessoas assistiram, se teve ibope... Eles são muito sinceros que eles falam assim “a gente tá realmente preocupado com a qualidade. A gente não quer saber se hoje dez pessoas viram, ou 300 mil. A gente quer que as 10 pessoas que tenham visto o melhor que pode ser feito”. Eu acho que é o mérito da HBO isso. Se eu pudesse, eu faria a mesma coisa. Se tivesse esse cacife.

Eu acho que é isso. E a HBO tem essa mentalidade. Eles realmente querem colocar em primeiro plano um trabalho do caralho.

A entrevista completa você ouve no Asterisco ENTREVISTA!