A experiência de uma sala de cinema é impressionante, mas o cinema também vive na experiência de ver um filme em casa sozinho ou rodeado por família e amigos. E nada melhor do que ver um filme exatamente do jeitinho que o(a) cineasta pensou.
Há alguns meses estávamos discutindo, na internet e fora dela, sobre a escuridão um episódio da oitava e última temporada de Game of Thrones chamado The Long Night. Primeiro vieram os memes, claro, e na sequência começaram a surgir informações sobre aquilo de fato ter sido um problema, causado pela compactação da HBO e dos provedores de TV à cabo, satélite ou streaming. No dia seguinte, saíram algumas recomendações sobre como o espectador poderia configurar sua televisão para aproveitar o episódio que foi originalmente idealizado pelo diretor Miguel Sapochnik para ser, de fato, escuro.
Não deve ter sido fácil para o diretor ver seu trabalho filmado em longas e árduas 55 noites ser destruído por um “simples” problema de compactação e isso acabou fazendo com que o alarme de emergência fosse ouvido entre a classe. Com a migração dos grandes cineastas para a televisão e o streaming — além de materiais como DVD, Blu-Ray e versões digitais –, os diretores querem preservar ao máximo o trabalho idealizado desde a concepção e, pensando nisso, criaram uma liga chamada UHD Alliance, coalizão de membros da indústria cinematográfica e estúdios com fabricantes de eletrônicos de consumo, como o espelho preto que você tem na sua sala, no seu quarto.
O objetivo da UHD Alliance é criar um “Modo Cineasta” para modelos de televisão que preserve as decisões criativas dos diretores e proporcionem aos espectadores exatamente o que foi idealizado durante as filmagens e edições em termos de cor, contraste, proporção e taxa de quadros.
Durante o processo de desenvolvimento das especificações, a UHDA procurou informações de mais de 400 cineastas, incluindo 140 diretores e diretores de fotografia e conseguiu o apoio de grandes nomes como Ava Duvernay, Paul Thomas Anderson, Christopher Nolan, Patty Jenkins, Ryan Coogler, Rian Johnson e Martin Scorsese. A Aliança também procurou conversar com os principais sindicatos de Hollywood como o de diretores, cinematográfos e editores, e a Film Foundation, organização sem fins lucrativos de Martin Scorsese e outros diretores com o objetivo de preservar filmes, além de exibir clássicos restaurados.
Durante o anúncio, Johnson esteve presente para explicar o “Modo Cineasta” e simplificou com uma frase que faz uma analogia à um clássico cinematográfico: “Sua Skynet é um movimento suave... Felizmente, nosso John Connor chegou”.
O tal “movimento suave” citado por Johnson é uma reclamação constante entre os cineastas e uma questão menos complicada do que realmente parece. Quando acessamos as diversas configurações das nossas televisões inteligentes, encontramos alguns filtros de vídeo já ativados e opções para melhorar as cores das imagens. Claro que alguns desses filtros realmente entregam vantagens como uma imagem mais nítida, mas nem todos os filtros funcionam em todos os filmes. Quanto maior o número de configurações ativas, maior a possibilidade da imagem que você está vendo estar longe do que foi originalmente pensado por um diretor e seu diretor de fotografia. E muito dificilmente um(a) cineasta quer que você assista ao filme dele(a) com um filtro que vai estragar completamente todo o seu trabalho.
Esse “movimento suave” está presente nesses filtros padrões das televisões e causa um “efeito de despertar” leve que interfere em qualquer coisa em movimento em tela. Esse efeito é responsável por entregar maior fluidez da imagem e funciona quando você assiste à um programa de televisão comum, mas atrapalha quando você vê um filme. Sem precisar modificar loucamente as configurações para assistir apenas um episódio de uma série ou um filme específico, com o novo “Modo Cineasta” você poderá ver uma imagem fiel pressionando apenas um botão.
Como parte do anúncio da nova tecnologia, diversos cineastas deram depoimentos especiais, incluindo Scorsese. “Comecei a Film Foundation em 1990 com o objetivo de preservar o filme e proteger a visão original do cineasta para que o público possa experimentar esses filmes como eles deveriam ser vistos. Atualmente, a maioria das pessoas está assistindo a esses filmes clássicos em casa, e não nos cinemas, tornando o Modo Cineasta de particular importância ao apresentar esses filmes com especificações exclusivas para serem filmadas”, afirmou o diretor de The Irishman, que estará disponível nos cinemas e no Netflix. Sem querer nadar contra a maré, Scorsese acredita que entregar um filme da forma mais fiel possível é o melhor caminho para o espectador assistir aos clássicos.
Michael Zink, presidente da UHDA e VP de tecnologia da Warner Bros., afirmou que o primeiro passo surgiu dos próprios cineastas. “Paul Thomas Anderson, Ryan Coogler, Patty Jenkins, Martin Scorsese e Christopher Nolan estenderam a mão para a UHDA sobre a extensão da experiência cinematográfica para a vida. Nós estamos ansiosos e idealmente situados para nos envolvermos na conversa”, declarou. A LG, Panasonic e Vizio já anunciaram o compromisso de implementar a nova configuração em seus futuros televisores, embora não tenham especificado quando eles estarão disponíveis.
Mas essa não é a primeira vez que as empresas de tecnologia criam configurações específicas para melhorar a experiência dos consumidores. Em 2018, alguns modelos de TV começaram a incluir um “Modo Netflix”, com o objetivo de melhorar as imagens dos materiais do serviço de streaming – mas, curiosamente, a empresa não é um membro da UHDA e não esteve envolvida no anúncio da nova configuração.
Com a tal guerra dos streamings se intensificando e os cineastas espalhando seus trabalhos em diferentes lugares, faz todo sentido que a qualidade do material entregue seja uma preocupação dos realizadores. O que adianta fazer um trabalho impecável se o espectador simplesmente não consegue ver o que foi feito por causa das configurações das televisões?
A experiência de uma sala de cinema é impressionante, mas o cinema também vive na experiência de ver um filme em casa sozinho ou rodeado por família e amigos. Minha introdução e paixão pelo cinema nasceu ao ver DVDs alugados com a minha família e filmes na televisão aberta. A indústria cinematográfica e tecnológica parece estar cada vez mais preocupada em transportar a experiência da sala de cinema para a sala da sua casa, pelo menos quando o assunto é imagem. E nada melhor do que ver um filme exatamente do jeitinho que o(a) cineasta pensou.
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