Pelo que sugeriu o roteirista, em seu primeiríssimo trabalho como autor exclusivo da DC, este seria exatamente o tipo de Homem de Aço que o mundo precisa AGORA
E eis que, depois de muita especulação, não apenas Brian Michael Bendis revelou qual vai ser o seu trabalho inaugural como novo contratado da DC Comics mas, mais do que isso, mostrou que vai MESMO pras cabeças. Se na Marvel o cara partiu direto pra joia da coroa da Casa das Ideias e reinventou o Homem-Aranha no Universo Ultimate, na Distinta Concorrência o desafio é igualmente grande — ou talvez ainda maior, já que ele vai tratar de escrever o super-herói QUINTESSENCIAL, ninguém menos do que o Superman.
Tal qual um certo John Byrne, que em 1986 saiu da Marvel e foi parar na DC com uma minissérie em seis partes chamada The Man of Steel, uma releitura da clássica origem do último filho de Krypton pós-Crise nas Infinitas Terras, Bendis vai começar os trabalhos também com uma minissérie semanal em seis partes, a ser lançada no dia 30 de maio e ilustrada por caras como Ivan Reis, Evan “Doc” Shaner, Ryan Sook, Kevin Maguire, Adam Hughes e Jason Fabok. Adivinha o nome da dita cuja? Isso aí, Man of Steel. Curioso, não? ;)
“A história de Man of Steel vai apresentar um grande e novo vilão, um daqueles vilões blockbuster que se conectam profundamente com a origem do Superman e sua herança”, explica Bendis, em entrevista pra Forbes. “Vamos cavar bem fundo, este é um dos meus objetivos”. Mas ele faz questão de destacar que, não, depois de Novos 52 e Renascimento, este não é um novo reboot do personagem. “Praqueles que tão preocupados, não deveriam. As passagens recentes de caras como Dan Jurgens, Peter Tomasi e Pat Gleason pelo Superman foram fenomenais e eu vou seguir a partir deles. Não vamos jogar nada fora, não vamos abandonar nada, só estamos seguindo em frente e levando isso para novas áreas surpreendentes”.
Ao final da minissérie, então Bendis vai escrever os dois gibis mensais do herói, Superman e Action Comics – enquanto aquele que leva o nome do herói vai ser relançado com um novo número 1, Action Comics continua normalmente depois do icônico número comemorativo de 1000 e o retorno da cueca por cima das calças. “Teremos uma das maiores mudanças de status do Superman literalmente desde a Crise. Então, Superman, o gibi, será bastante focado no herói, em grandes histórias de ação na melhor tradição da DC. Já Action Comics será mais focada no Clark, em Metrópolis e no Planeta Diário — e também em como o Superman afeta todo o mundo da DC”. E ainda completa: “quero tornar Metrópolis tão provocativa quanto Gotham City”.
Bom, digamos é que nesta parte da “mudança de status” é que a coisa passa a ficar REALMENTE interessante aqui. :)
“Minha conexão com o Superman é muito profunda, geneticamente até”, explica Bendis. Não, não que ele seja de Krypton. Mas... “Eu também sou um garoto judeu de Cleveland”. Exatamente como Jerry Siegel e Joe Shuster, os criadores originais do personagem. E esta conexão foi fundamental até para que ele aceitasse fechar o acordo com a DC. “Eu voltei pra Cleveland pela primeira vez em cinco anos pro casamento do meu irmão, justamente quando me fizeram a oferta. E fui com um amigo de infância na biblioteca pública da cidade, da qual ele cuida, e onde estava rolando uma exibição do Superman. E eu entrei ali e foi como se o universo estivesse falando comigo. Aquilo tomou conta de mim da maior maneira possível e aqui estamos nós”.
Bom, mas indo além, onde é que nós estamos mesmo? Que pegada terá o Superman de Brian Michael Bendis? “Honestamente, posso te dizer que as escolhas que fizemos para o Superman estão profundamente conectadas com suas origens. Não posso dizer muito agora, mas é uma reflexão sobre o lugar de onde ele veio e o mundo no qual vivemos agora”, respondeu, ainda enigmático, o escritor, quando questionado sobre as origens judias do personagem e sua abordagem original, sobre a qual já vamos falar.
Segundo ele, escrever este personagem nos dias de hoje é uma experiência muito poderosa. “Vivemos num mundo em ouvimos ‘verdade, justiça e o modo americano’ as nossas vidas todas, certo? Mas é a primeira vez em que estas coisas não são exatamente garantidas”, afirma. “A verdade já não é mais preto no branco como pensamos; a justiça tristemente não é pra todos; e o tal Sonho Americano, a promessa de que qualquer um vir aqui e pensar que pode viver uma vida saudável e rica — a gente sempre acreditou nisso, mas não mais. Não importa como você se posicione politicamente, mas não estamos mais aí”.
Bendis tá falando dos EUA mas poderia verdadeiramente estar falando de praticamente qualquer lugar no mundo, incluindo este país bem aqui onde vivemos. “Este é o momento em que o Superman se levanta e nos dá aquela esperança que sempre quisemos dele. É incrível poder escrever um personagem que exala esperança em um momento em que as pessoas REALMENTE precisam”. Porra, e agora tô aqui querendo dar um beijo na careca do Bendis. Porque ESTE é um Superman que a gente precisa. O Superman que há muito anda sumido dos gibis e que só começa a dar as caras nos cinemas naqueles meros 10 minutos finais do filme da Liga da Justiça, com ou sem bigode apagado digitalmente.
É importante a gente relembrar aqui que as páginas originais do Homem de Aço com Shuster e Siegel traziam o herói numa pegada bem diferente do que temos hoje. E ainda que esteja falando num tom obviamente cheio de segredos, a mera sugestão de que ele possa referenciar este tipo de abordagem é ao mesmo tempo sintomático dos nossos tempos e EMOCIONANTE. Empolgante até dizer chega. Porque, senhoras e senhores, doa a quem doer, precisamos dizer aqui que o Superman originalmente era um SOCIAL JUSTICE WARRIOR. É, desculpa aí, mas agora a gente vai MESMO esfregar este termo aí na sua cara.
Nos dias de hoje, a figura do Superman é quase MESSIÂNICA. O sujeito é, nas HQs e até mesmo na versão Henry Cavill, praticamente um Jesus Cristo, que morreu e voltou pra nos salvar, uma entidade sorridente, asséptica e superpoderosa que serve como um raio de luz para a humanidade e nos livra das mais diversas ameaças cósmicas completamente além da nossa compreensão. Esta parte de seu legado ainda permanece, de alguma forma, do que Siegel e Shuster criaram nos anos 30, muito com base no Velho Testamento — ou a nave na qual Kal-El foi enviado, ainda bebê, para o nosso planeta em fuga da destruição de Krypton não te lembra em nada a cestinha na qual Moisés foi colocado para descer o Nilo e fugir da execução dos recém-nascidos hebreus?
Mesmo o nome, claro, Kal-El, e toda a questão com relação ao sufixo “El”, para marcar algo relacionado a Deus, divino — não por acaso, os nomes dos anjos, Miguel, Gabriel, Ariel, todos têm estas duas letrinhas no final. Talvez não seja Jesus em pessoa, este Superman, mas no entanto estaria próximo de um anjo, sagrado, um enviado dos céus (literalmente, aqui) para nos proteger.
O ponto é que o primeiro personagem a ser chamado SUPERMAN surgiu no fanzine Science Fiction, na história O Reino do Superman, publicada por Siegel sob o pseudônimo de Hebert S. Fine e ilustrada por Shuster.
Nessa história, o Super era apresentado como um vilão careca e de jaqueta que queria dominar o universo. Só que Jerry Siegel não estava contente. Ele achava que o personagem era bom demais para ser desperdiçado como vilão e resolveu transformá-lo em herói. Essa versão jamais foi publicada oficialmente, mas o mundo não ficaria privado por muito tempo de seu Superman — que então daria as caras em 1938.
Basicamente, o Superman fazia o que qualquer mortal poderia fazer, só tudo de uma forma bem mais SUPER. Ele saltava, mas seus saltos podiam ser maiores que arranha-céus; ele corria, só que sua velocidade era maior que uma locomotiva; ele era forte, tão forte que entortava barras de aço.
E, aí é que está a grande diferença, quando tirava seus óculos e deixava a identidade do tímido repórter Clark Kent para trás, o foco do Homem de Aço não era no Darkseid, mas sim nos fracos e oprimidos. Ele encarava empresários corruptos, salvava mulheres de maridos abusivos e... que rufem os tambores... socava um bando de nazistas bem no meio do nariz (não por acaso, Joseph Goebbels, ministro da propaganda do regime de Hitler, cravou que o Superman era judeu e, portanto, uma péssima influência para os jovens MAS ORA ESTA NÃO É MESMO).
Muito mais do que um sujeito superpoderoso e divino, o Superman de Siegel e Shuster era a cristalização do mensch, a palavra hebraica que significa “uma pessoa de honra e integridade”, aquele que faz a diferença em sua comunidade. Estes valores estão acima de qualquer capacidade de voo, superforça ou visão de calor.
A época em que a dupla de autores viviam era outra: além do Holocausto, estamos falando de um mundo no qual as plaquinhas “No Jews or Dogs allowed” eram comuns. A intolerância contra os imigrantes era brutal — e lembremos que os criadores do Superman, ambos, eram legítimos filhos de imigrantes judeus que vieram para a América tentar uma nova vida, os Siegels diretamente da Lituânia, os Shusters de lugares como Roterdã (Países Baixos) e Kiev (Ucrânia). O Superman, a seu modo, também é um IMIGRANTE, filho de um planeta moribundo e aceito na Terra, no coração dos Estados Unidos, como um cidadão comum.
Seu maior inimigo, Lex Luthor, não é um vilão superpoderoso, mas sim um bilionário bastante influente e com um discurso de intolerância contra aquilo que não entende. Segundo alguns historiadores, inclusive, a principal influência para a criação de Luthor foi o senador Ellison DuRant Smith, defensor da supremacia branca e que fez o infame discurso “Shut The Door” a respeito da imigração, defendendo a chamada Johnson-Reed Act ou Lei da Imigração de 1924, regulação que surpreendentemente vigorou entre 1924 e 1965. “Vamos fechar a porta e então assimilar o que temos, criando americanos puros e desenvolvendo nossos próprios recursos americanos”, disse o sujeito. Troque “americanos” por “terráqueos” e BOOM!, olha aí o Lex Luthor em carne e osso.
Como nós já falamos aqui, o mundo que se desenha dentro do Universo DC em Doomsday Clock, para daqui 1 ano à frente da cronologia, é muito mais sombrio e bélico, questionador, assustador. Sabe esta coisa toda de intolerância com imigrantes? Nazistas? Supremacia branca? Isso não te lembra nada? Não é algo que está apenas em Metrópolis ou Gotham City, mas também em Nova York, Chicago, São Paulo e Rio de Janeiro. O mundo de Siegel e Shuster está, infelizmente, se repetindo.
E este mundo precisa de um Superman que desça de seu pedestal e venha ser este raio de luz e esperança aqui, bem mais perto de nós. Porque hoje, mais do que nunca, Lex Luthor é uma ameaça muito maior do que o Darkseid.
A gente realmente espera que sim, Supinho.