Existem planos para que apenas os medalhões e grandes tiragens dos Novos 52 continuem no impresso, enquanto todo o resto seria colocado em uma divisão exclusivamente digital, com edições físicas dependendo da recepção dos fãs (e isso explicaria o cancelamentos de Março de 2015…)
Ao que parece, há muito mais por trás dos 13 títulos da DC Comics que serão cancelados em março, nos EUA.
Fontes do JUDÃO ligadas diretamente à editora apontam que o projeto é investir mais em títulos exclusivamente digitais a partir de junho do próximo ano, deixando o impresso para os personagens mais conhecidos ou para aquilo que deu certo, primeiro, na versão digital. Isso tudo incluindo Os Novos 52, que é a principal linha de HQs da DC e que compreende a cronologia pós-reboot.
O projeto, caso seja colocado em prática no formato que está sendo discutido nos bastidores, é dividir a DC em duas partes. A primeira continuaria com foco nas edições físicas, com franquias como Batman, Superman, Mulher-Maravilha, Liga da Justiça, Lanterna Verde, Flash e outras do tipo – ou que estejam na TV, como Constantine, tudo sob o comando de Dan Didio e Jim Lee, atuais publishers da DC. Como hoje, essas revistas continuariam tendo uma versão online lançada no mesmo dia da impressa.
Na segunda parte seriam colocadas franquias menos conhecidos ou que, no momento, não se mantenham no impresso. O comando ficaria nas mãos de outro editor e a distribuição seria 100% digital. Apesar dessa linha compreender parte dos títulos dos Novos 52, também abriria espaço para personagens e conceitos autorais dos quadrinistas da casa, já que os riscos seriam minimizados. Caso algo aqui se mostre um sucesso, migraria para a versão impressa.
Os rumores sobre estratégias do tipo já correm nos bastidores há algum tempo, mas a saga Convergence teria criado o momento ideal para a mudança. O crossover representa uma pausa de dois meses na linha habitual de revistas, por conta da mudança de sede – que está saindo de Nova York e indo para Burbank, na Califórnia, onde também fica a Warner. Ao acender as luzes do novo escritório, fica realmente mais fácil reorganizar a casa e fazer a divisão entre essas duas linhas.
Isso explicaria também os 13 cancelamentos de março – afinal, a atitude abriria espaço para serem substituídos por novos títulos, a partir do número 1 e 100% digitais, em junho, após o final de Convergence. Inclusive, repare bem no que vai para o limbo: são coisas como um título secundário do Aquaman (Aquaman and the Others), três das CINCO revistas mensais dos Lanternas Verdes (Green Lantern Corps, Green Lantern: New Guardians e Red Lanterns), personagens que se perderem recentemente (Swamp Thing e Batwoman) e títulos que tinham tiragem menor de 15 mil exemplares, o que realmente não devia fechar as contas (Star-Spangled War Stories Featuring G.I. Zombie, Infinity Man and the Forever People e Klarion).
Apesar dos cancelamentos serem públicos, os planos para junho não são abertamente discutidos entre editores e equipes criativas – há quem ainda não saiba de nada, mas tem gente já se movimentando e até preparando suas próprias propostas de HQs para a nova divisão digital. “Enquanto alguns títulos terão alcançado suas edições finais em março de 2015, isso não quer dizer necessariamente que os personagens relacionados a eles vão sumir”, afirmou um porta-voz da DC Entertainment ouvido pelo JUDÃO. “Ao contrário, fiquem de olho, que estes personagens terão papel chave, com funções importantes em novas publicações e em títulos em andamento”. Não confirma, nem nega, mas fecha todas as caixas da mudança da pulga pra trás de nossas orelhas. ;)
“Não acredito que seja verdade”, nos respondeu um artista da DC. “A editora iria perder muito com isso”. Por isso, fomos a fundo estudar a questão – e identificar se a estratégia faz sentido, seja para junho, seja para mais adiante.
O mercado de quadrinhos digitais vem crescendo a olhos vistos nos EUA. Em 2013, de acordo com dados do Comichron, foram movimentados US$ 90 milhões com esses lançamentos. Ainda assim, nas comic shops, principal canal de venda dos títulos físicos, foram movimentados US$ 340 milhões em revistas mensais – quase quatro vezes mais. Só que a tendência é que, em 2014, essa proporção seja um pouco mais equilibrada.
De qualquer forma, esses números por si só não dizem muita coisa. Primeiro, precisamos ver quais personagens renderem a maior fatia do bolo da DC no impresso em 2013. E aí você realmente só vai ver Liga da Justiça, Batman, Superman, Arlequina (que, nos últimos anos, tem experimentado uma popularidade meteórica), Sandman, Mulher-Maravilha, Lanterna Verde, Aquaman, além da saga Vilania Eterna. Há também edições excepcionais de Batgirl, Asa Noturna, Aquaman, Earth 2, Teen Titans, Flash, Catwoman e Green Arrow. Se você olhar o que está garantido para junho do ano que vem, bom... Vai ver exatamente os nomes que estão nessa lista, com uma ou outra adição – como no caso do Constantine.
Dessa forma, fica claro que a DC manteria uma boa fatia do bolo das vendas impressas com apenas a parte mais famosa dos Novos 52. Mas, por que deixar o resto no digital?
Ao publicar uma edição física, a DC tem bastante trabalho. Inicialmente, define equipe criativa de cada edição, dá direcionamento e encomenda a capa. Cerca de quatro meses antes do lançamento, a revista Previews, da distribuidora Diamond, informa aos donos das comic shops o que será lançado. Com base no que os consumidores pedem e na força de cada franquia, eles encomendam quantos exemplares querem de cada título. Muitas vezes essas estimativas são tímidas, então as editoras (em casos raros) dão incentivos para aquelas publicações que elas apostam, além de ser aberto um novo prazo, mais próximo do lançamento, para fazer algumas mudanças nessas encomendas.
Com base nisso, a DC (ou a Marvel, enfim) pega o trabalho que veio do editor e da equipe criativa, mandando rodar a publicação. O custo dessa equipe criativa é mais ou menos fixo, já que ganham por páginas. Por outro lado, a tiragem pode variar entre 5 mil e 200 mil exemplares.
Quando se soma custo de criação, impressão, distribuição, fatia da distribuidora e do revendedor, dificilmente a DC deve fechar a conta nas publicações mais humildes. Ou, na pior das hipóteses, ficar apenas perto do lucro esperado de uma divisão da Time-Warner que tem que dar dinheiro por si só.
Ao se lançar algo 100% online, esse caminho se encurta bastante. Não há mais as solicitações, comic shops, distribuidoras, frete... Eles simplesmente sobem os arquivos, vendem pelo mesmo preço e a única despesa, tirando o pagamento a quadrinistas e editores, é com a empresa que faz a venda online, a ComiXology – que, hoje, já é parte da Amazon. Além disso, deixa-se de depender das comic shops para fazer esse tipo de venda – já que elas são menos comuns lá nos EUA do que você pode imaginar.
Isso, claro, se a DC quiser manter a parceria com a ComiXology. Nada impede a editora de desenvolver uma plataforma própria no digital, ficando com o bolo totalmente para si – algo que a Marvel já está desenvolvendo. Por fim, um benefício que interessa os brasileiros: a internet não tem fronteiras, então um gibi pode ser lançado para todo o mundo no mesmo dia, em diversas línguas. Aliás, os leitores daqui já podem comprar as versões digitais das revistas no mesmo dia que são lançadas, mas apenas em inglês.
Porém, há riscos na estratégia. O primeiro são os próprios lojistas. Por mais que títulos menores não representem tanto assim das vendas, há sempre aqueles que podem se sentir lesados por uma diminuição do número de gibis na prateleira. Também é justamente esse cara, o do balcão, que é responsável por indicar coisas novas aos leitores. Basicamente, as coisas novas surgiriam primeiro no digital, e não na loja dele. Esse pessoal ficaria sem ter o que indicar.
Além disso, na soma, um corte de 13 gibis indicaria uns 200, 250 mil vendas a menos nas comic shops. Isso representaria uma queda da DC no ranking mensal da Diamond. O dinheiro pra editora continuaria entrando, mas por um caminho que (atualmente) ninguém vê. Os profetas do apocalipse já anunciariam uma queda da Distinta Concorrência frente à Casa das Ideias.
O outro problema é a penetração dos tablets, que são a leitura ideal para esse tipo de HQ. O estudo mais recente do tipo, de 2013, aponta que existem 70 milhões de dispositivos do tipo “de grandes marcas” em uso nos EUA – no mundo, são 285 milhões. Os números são da ABI Research. No mesmo ano, um levantamento indicou que mais de 24 milhões de estadunidenses se declaram fãs de HQs no Facebook. Porém, nada garante que a maioria desses 24 milhões está dentro dos outros 70 milhões.
Isso tudo, claro, quando falamos de dados recentes. A tendência é haver uma convergência maior entre os dois grupos. Com toda a certeza, os números de junho serão melhores.
Também é bom mencionar que a Casa do Superman já caminha, com cuidado, nessa trilha. Afinal, Hoje, alguns lançamentos já são inicialmente digitais – e você nem percebe. Há os casos de Batman 66, Injustice: Gods Among Us, Sensational Comics Featuring Wonder Woman, Flash: Season Zero, Arrow Season 2.5, Teen Titans Go!, Adventures of Superman, entre outros. Apenas o que se destaca aí vai pro impresso, com revistas que compilam mais de uma edição digital.
A migração de parte dos títulos para o digital também abre caminho para um mercado que vem crescendo ano a ano, o dos encadernados. Em 2013, as editoras venderam US$ 415 milhões em edições do tipo nas livrarias e comic shops dos EUA, de acordo com o Comichron. É mais do que todo o mercado de gibis mensais impressos por lá.
Tudo que é lançado em revista mensal vira encadernado. Inclusive, muitos leitores preferem assim – dessa forma, já sabem se a HQ é boa e podem ler todo um arco de uma vez, sem ficar esperando os próximos capítulos.
Com mais títulos saindo, indo muito além dos 52 mensais, abre-se espaço para mais compilações no futuro. É o tipo de situação win-win para a editora, quadrinistas e revendedores.
É bom dizer também que os leitores dão mais oportunidade para títulos inesperados e bem comentados ao adquirir o encadernado. Saga Vol.1 foi o mais vendido entre as publicações do tipo em 2013, enquanto as edições mensais ficaram longe das mais vendidas. A boa fase de Hawkeye também rendeu posto entre os mais vendidos do ano passado, assim como com Fables, Manhattan Projects, entre outros.
Isso tudo com menor custo para editora, preços de capa maiores e margens mais interessantes.
Com menos riscos, como já comentamos, abre-se espaço para novas publicações autorais dos quadrinistas. E esse é um dos grandes problemas enfrentados hoje pela DC e pela Marvel.
Veja bem: um roteirista e um artista podem fazer um arco incrível do Superman, por exemplo – e ele ser utilizado como base em um novo filme do personagem. Porém, a equipe criativa nada recebe. Isso só aconteceria se eles criassem um novo personagem naquele contexto e, toda vez que ele fosse utilizado, receberiam alguma coisa. Mas, nem sempre é fácil convencer os editores a aceitarem um novo personagem – e nunca há a garantia dele colar.
Quando se faz algo autoral, a equipe criativa é dona daquilo – e as editoras menores têm dado espaço para esse tipo de material, tirando talentos das grandes.
Ao dar espaço para publicar aquelas ideias dos quadrinistas, mesmo que no online, a DC mantém aquela equipe dentro de casa, além de garantir alguns direitos sobre os personagens. Os criadores abrem mão de uma parte do que teriam direito, mas, no sentido oposto, garantem que seu material sairá por uma grande editora.
É. A divisão da DC entre digital e impresso é um passo arriscado e assumi-lo em junho, como o JUDÃO apurou, seria de colhões enormes da editora. Mas, talvez, seja também o passo mais importante para manter a indústria de HQs saudável nos EUA.
Vamos, agora, acompanhar o desenrolar dos próximos capítulos.