Homem-Aranha: De Volta ao Lar é a jornada de um herói entendendo o seu papel em um mundo confuso repleto de deuses, monstros e supersoldados
Cabeça de Teia, Aracnídeo, Escalador de Paredes, Teioso, Cavaleiro das Teias, Tigrão... Existem muitas formas de se referir ao Homem-Aranha. Mas aquela que definitivamente diz mais a respeito do que o personagem é DE VERDADE é mesmo “Amigão da Vizinhança”.
O apelido é representativo porque fala sobre o herói que está ali, todos os dias, enfrentando malucos fantasiados de escorpião, rinoceronte, abutre e gibão enquanto dá uma parada pra trocar ideia com o tiozinho da barraca de cachorro-quente e o caixa daquela loja de conveniência que vende o sanduíche mais incrível do bairro. Com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades – pra cuidar da galera da sua vizinhança em primeiro lugar, antes de qualquer coisa.
Eu costumo dizer sempre que aqueles cinco minutos finais de O Espetacular Homem-Aranha 2, com o Andrew Garfield, nos quais ele reaparece pra encarar o Rhino e tira o molequinho fantasiado da linha de tiro, valem o filme todo, praticamente. Aquilo é Homem-Aranha puro, na essência. Agora, imagina só um filme INTEIRO com aquela pegada, que sonho seria? Pois é. O sonho é real e atende por Homem-Aranha: De Volta ao Lar.
Leitor tarado pelo personagem desde, os meus 7 anos de idade, basicamente tenho duas coleções distintas de quadrinhos. Uma de tudo que você puder imaginar, Marvel, DC, mangás, europeus, brasileiros, independentes, e uma SÓ do Homem-Aranha, que se completa com camisetas, bonequinhos, canecas e todo tipo de quinquilharia. “Por que você gosta tanto do Homem-Aranha?”, você poderia me perguntar. E eu te diria: “Porque se eu tivesse poderes, eu seria como ele”, seria a resposta na ponta da língua.
Apesar de muito inteligente, ele não é uma mente científica brilhante e reconhecida academicamente como Tony Stark, Bruce Banner ou Reed Richards. Ele não recebeu o soro do supersoldado e se tornou o símbolo de uma nação e tampouco é um mutante imortal com ossos de adamantium que todo mundo teme por ser uma máquina de matar. Ele é só um cara que pisa na bola, que toma decisões equivocadas, que não tem grana pra pagar o aluguel e fica se perguntando se vai magoar as pessoas que ama a cada cagada. Este é Peter Parker, o cara simples, comum, everyman superhero, que poderia ser eu ou você, caso um de nós fosse picado por uma aranha radioativa; que se troca no beco, no meio do lixo, meio com pressa, e acaba perdendo a porra da mochila.
Neste sentido, Tom Holland entrega o que se esperava dele desde Guerra Civil, que é de fato não apenas o melhor Homem-Aranha do cinemas (falador, piadista, infame, insuportável quando de máscara), mas sim o melhor Peter Parker, misturando um tanto do Garfield, um pouco do Tobey Maguire, melhorando, aperfeiçoando e elevando tudo à décima potência. Mas o segredo de sua empatia vai além disso. No começo do filme, enquanto Adrian Toomes (Michael Keaton, mais um para a galeria de exceções da Marvel na categoria “vilões que dão gosto de ver”) cavuca os escombros da Batalha de Nova York, ele diz que o mundo mudou. Mais pra frente, o futuro Abutre se dá conta de que eles precisam mudar também — ele e seus CAPANGAS, que vão passar a vida cavando e lucrando nas entranhas obscuras das lutas entre os heróis e vilões superpoderosos lá no topo.
E, claro, o Homem-Aranha também precisa mudar. Evoluir. E se adaptar.
Total e 100% integrado ao MCU, Homem-Aranha: De Volta ao Lar funciona porque sabe exatamente qual é o conflito que esperaria o Cabeça de Teia numa realidade em que temos os Vingadores em plena atividade. Neste sentido, a presença de Tony Stark é essencial, porque ele ajuda a tornar o conflito ainda mais palpável. Porque, entre nós, foda-se o Abutre, foda-se o Shocker, foda-se o Consertador, foda-se esta galera toda. Tudo muito legal e tal, mas o coração deste filme é um moleque de 15 anos que repentinamente ganha superpoderes e, depois de perder a sua maior bússola moral, começa a se questionar qual o seu lugar no mundo, que quer provar a que veio a qualquer custo. Como estudante e como herói.
Basicamente, um tipo de questionamento que nem os filmes de Sam Raimi e nem os do Mark Webb levantaram ou, bom, conseguiriam levantar de alguma forma. Porque ele vê este monte de heróis por aí, chutando bundas e se pergunta se ele tem lugar ao lado deles, combatendo alienígenas ou poderosas organizações maléficas nascidas na Segunda Guerra Mundial...
Ou será que ele teria um papel DIFERENTE? Mais aqui perto de nós, nas ruas, levando porrada nos jornais mas aguentando firme e forte enquanto uma senhorinha ainda precisar de informação na próxima esquina ou um pobre coitado qualquer tiver a bike roubada por um bandidinho de rua? O líder comunitário, o operário, alguém que, como o Stark diz em determinado do filme, é uma espécie de Bruce Springsteen da comunidade heroica, que pode não ser aquele rock star dos ingressos esgotados tipo Stones, Beatles, AC/DC, Metallica e U2 e que pode até ficar justamente frustrado com isso porque acha que tem potencial pra ser MUITO mais, mas que vai ser o primeiro cara com quem a galera se reconhece de fato.
...tipo eu.
Esta dualidade é algo que é intrínseco ao Homem-Aranha desde sempre. Desde o número 1 de The Amazing Spider-Man, quando ele foi lá pedir pra se juntar ao Quarteto Fantástico, em março de 1963. Um Homem-Aranha nos gibis que, ao mesmo tempo em que sempre recusou convites para se juntar aos Vingadores, ficava ressentido, pensando “porra, esta galera nem lembra que eu existo”. Um Homem-Aranha que, quando finalmente se juntou aos Vingadores de uma vez, ficava, ao lado do Wolverine, se sentindo deslocado, inadequado, como se alguma coisa estivesse errada ali.
Porque talvez ele seja mais importante como Amigão da Vizinhança, afinal. E, neste sentido, a interação dele com os habitantes da cidade é fundamental – nem tanto de Manhattan, dos arranha-céus de NY, mas sim das casas de subúrbio, da galera do Queens. As pessoas ao seu redor são ainda mais protagonistas do filme do que em qualquer outra das suas cinco encarnações cinematográficas anteriores. E isso é daqueles acertos que dão gosto de ver.
Um único diálogo com o personagem de Donald Glover, por exemplo, entre piadinhas daqui e dali, já ajuda a dar a dimensão do que se pode esperar do jovem herói. Pra ele e pro Queens. Porque as melhores histórias do Homem-Aranha não são cósmicas, de ameaças gigantescas ao mundo, Doutor Destino, Galactus, bwahahahahaha, mas sim de pequenas ameaças ao microcosmo no qual ele vive, salvando a pele do primo de alguém.
Homem-Aranha: De Volta ao Lar é ágil, inteligente, jovem, repleto de referências aos gibis que farão os fãs do personagem saltarem na cadeira – e os fãs de cultura pop como um todo também vão pirar com o que se pode ler nas entrelinhas em termos de ótimas sacadas. Aliás, dá pra dizer que este talvez seja um dos filmes mais pop do MCU ao lado dos dois Guardiões da Galáxia. Pop no sentido de não ter medo de abraçar o que é mainstream, de homenagear os Ramones nas cenas de ação, de brincar com a lendária música-tema do personagem em meio à dramaticidade da trilha orquestrada, de mandar uma Sessão da Tarde ali pra fazer muito marmanjo sorrir.
Este é um filme que emociona e faz rir em proporções equilibradas, que tem muito do bom humor e da linguagem visual da melhor série animada do aracnídeo, O Espetacular Homem-Aranha (se nunca viu, veja, de verdade). Também carrega, claro, altas doses do começo da passagem de Brian Michael Bendis pelo Homem-Aranha Ultimate, naquela releitura contemporânea que é uma declaração de amor ao personagem – aliás, sério, obrigado a todos os envolvidos que tiveram a brilhante ideia de colocar Jacob Batalon como o Ned, clara alusão ao Ganke do Miles Morales e que, caralho, baita moleque sensacional, que vontade de abraçá-lo e tê-lo como melhor amigo pra vida toda — enfim o Luis do Homem-Formiga ganhou concorrência à altura.
Mas, acima de tudo isso, Homem-Aranha: De Volta ao Lar é extremamente respeitoso ao coração da criação de Stan Lee e Steve Ditko, em tudo que o Aranha representa. E fico muito feliz não apenas como aquele leitor fanático desde os 7 anos de idade mas também como pai de um menino que, prestes a completar seus próprios 7 aninhos e finalmente numa fase interessado pelos velhos gibis de super-heróis do pai orgulhoso, vai ter o momento ideal para se apaixonar pelo herói como eu tive quando comecei a ler quadrinhos.
Este é, de verdade, o filme do Homem-Aranha que quero levar o meu moleque pra ver comigo. Valeu, Marvel. De verdade. Mas que PUTA presente vocês me deram. <3
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