E lá vamos nós para mais uma rodada da 38.ª Mostra Internacional de Cinema, um dos maiores eventos cinematográficos do nosso país. Já tô me sentindo até mais magrinho. :)
O sexto dia da Mostra foi de caos. Não, ninguém morreu. Nem faltou água. Ainda. Só faltou um pouco de amor mesmo. Dois bons filmes, e um pouco de tiro, porrada e bomba... hehehe!
O primeiro, o belo drama franco-argentino Ciências Naturais (Ciencias Naturales), que faz parte do segmento Festival da Juventude (no qual Mostra oferece sessões para alunos de instituições públicas, o que é uma bela de uma iniciativa, verdade seja dita), foi prejudicado por um problema de incompatibilidade de mídia em uma sala de exibição, o que forçou a Mostra a juntar, em uma única sessão, o público habitual da Mostra com muitos alunos de uma escola. Não teria sido um problema, se uma das turmas não tivesse atrasado 50 minutos e a organização da Mostra, liberado sua entrada na sala mesmo assim. Sem noção! Você está lá, totalmente imerso na história, e um bando de molecada invade a sala bem no meio do negócio? E o pior: para ver 20 minutos de filme, já que Ciências Naturais tem uma metragem curtíssima – uma hora e dez de filme. Palmas para o gênio que teve essa ideia.
Pelo menos o filme ajudou, já que Ciências Naturais, vencedor de alguns prêmios importantes por aí (como o prêmio de Melhor Primeiro Filme no último Festival de Berlim e o troféu principal do Festival de Cinema Independente de Buenos Aires), é um drama muito comovente e bem interessante sobre uma menina de 12 anos, estudante em uma escola rural, que arrasta sua professora em uma jornada para descobrir a identidade do pai que ela nunca conheceu. Uma fita sensível, bem recomendada, mas muito curta e que se resolve muito, mas muito rápido. Ficou um gostinho de “quero mais”.
A segunda sessão simplesmente não aconteceu. Na fila do road-movie espanhol Viver é Fácil Com Os Olhos Fechados, a equipe avisou que a cópia do longa estava com problemas e que a sessão seria cancelada. Isto, faltando apenas dez minutos para a sessão começar (!). E lá vamos nós correr para outro canto, buscar outro filme, mudar toda a programação... Nem vou falar muito sobre esse porque ainda assistirei na Mostra, já que é basicamente um filme sobre os Beatles. Esperem pelos próximos capítulos. :)
O substituto, no caso, também veio da Espanha, mas aqui o buraco é mais embaixo, já que ainda não consegui me decidir se eu realmente gostei ou não da comédia de humor negro As Bruxas de Zugarramurdi (Las Brujas de Zugarramurdi), do maluquíssimo Álex De La Iglesia, que pode muito bem ser definido como “Um Drink no Inferno encontra Convenção das Bruxas” (lembram desta simpática fitinha infantil dos anos 80?). É que As Bruxas começa de uma forma extremamente fodona para, lá perto do final, desbancar em uma saraivada de câmeras tremendo e efeitos visuais sem sentido, como se no meio do processo o Álex De La Iglesia resolvesse se mudar para Hollywood e entregar o comando da fita ao McG... Ficou esquisito.
Mas se você fizer como eu, deixar o cérebro do lado de fora da sala e não se importar com a horrorosa meia-hora final, vai dar boas gargalhadas com a história de dois meliantes (os galãs de novelas mexicanas Hugo Silva e Mario Casas) que se unem a uma quadrilha de “tiozinhos fantasiados que ficam na rua pedindo dinheiro”, assaltam uma loja de penhores em Madrid e que, na fuga, vão parar na bizarríssima cidade de Zugarramurdi, onde são aprisionados por uma irmandade de bruxas malignas liderada pela eterna Carmen Maura (musa de Almódovar), todas interessadas em suas almas. Só pra constar, esta fitinha sem sentido ganhou oito prêmios no último Goya Awards, além de ter sido escolhido o terceiro melhor filme de fantasia do Festival de Toronto, duas premiações importantíssimas da categoria.
Outros filmes importantes do dia 06: Motivação Zero, comédia israelense vencedora de dois prêmios no último Festival Tribeca (aquela mostra de cinema independente fundada por Robert DeNiro); El Cinco (Uruguai), um falso documentário sobre um jogador de futebol da série C que se aposenta aos 35 anos e fica perdido na vida; Rhino Season (Turquia), drama estrelado por Monica Bellucci; e Gabbeh (Irã), um dos longas mais aclamados de todas as edições da Mostra (no caso, a Mostra de número 22, em 1996), que ganha um repeteco dentro da Retrospectiva MK2.
E a lição que fica deste sexto dia: doeu bastante no coração ver o coitado do Bob Esponja sendo assassinado a sangue frio pela polícia de Madrid – e se você ainda não assistiu As Bruxas de Zugarramurdi, você não sabe do que estou falando. :(
Foi quando consegui bater o recorde: quatro filmes em sequência, e em uma única sala de cinema! Não saí da sala nem para mostrar a credencial, só para ir ao banheiro e me alimentar rapidamente (as malditas bolachas de morango estavam na mochila, mas honestamente não aguento mais NEM PENSAR nelas). Minha coluna agradeceu imensamente por isso. :)
E devo dizer também que, neste sétimo dia, conferi dois grandes trabalhos que já são os meus preferidos nesta Mostra – e outros dois que não são tão bons assim... O primeiro fodão é o espetacular suspense norueguês O Cidadão do Ano (Kraftidioten), de Hans Petter Moland, fita OBRIGATÓRIA para qualquer um que se diz fã de filmes de ação. Uma mistura genial de pancadaria e comédia, na história do pacato Nils Dickman, defendido com honra ao mérito por Stellan Skarsgård. Nils mora em um povoado isolado nos Alpes noruegueses e trabalha limpando a neve das estradas. Este sujeito tão legal e tão bonzinho, detentor do título de Cidadão do Ano entregue pela prefeitura do local, perde um parafuso quando descobre que seu filho foi assassinado por engano pela gangue de um traficante vegano (Pål Sverre Hagen, um ator simplesmente foda) e decide se vingar matando violentamente cada um dos integrantes do bando usando as ferramentas que possui – um bando de máquinas escavadeiras de neve e qualquer outra coisa que esteja em sua mão. E como se isso não bastasse para instaurar o caos, as ações de Nils desencadeiam uma guerra sem precedentes entre o traficante vegano e a máfia sérvia (!!!). Sério, não lembro de Hollywood ter feito um filme de ação tão perfeitinho e tão divertido quanto este. Vá correndo!
Bem, você sabe que o filme é realmente bom quando descobre que é um filme de ação indicado ao Urso de Ouro em Berlim, não é? Diz a lenda que Liam Neeson assistiu a esse filme, foi pra casa, deitou em posição fetal debaixo da mesa e chorou baixinho chupando o dedo. :-D
O segundo longa já não foi lá essas coisas... mas a culpa não é do roteiro de Paris do Norte (París Norðursins), até bem intencionado, e nem de sua maravilhosa ambientação. O problema está mesmo nas miudezas desta comédia dramática islandesa, que conta o martírio de um professor (Björn Thors) que vive em um minúsculo vilarejo no norte da Islândia e tenta superar seu vício em álcool e ser uma pessoa melhor. Mas tudo vai por água abaixo quando o pai dele (Helgi Björnsson) chega de repente, trazendo confusão a rodo e virando a vida do filho de cabeça pra baixo. Paris do Norte peca bastante em um único detalhe: o ator Helgi Björnsson, que interpreta o pai, que não consegue convencer como um sujeito sedutor e boêmio e tem sérias limitações interpretativas (hehehe). Sério, não achei que um único ator teria o poder de destruir todo o conjunto da obra, o que é uma pena, já que a história é bonitinha e as locações nas montanhas islandesas são lindas. Pô, o papel central precisa ser dado a alguém de responsa! Enfim, não vai fazer diferença, até mesmo porque aposto um dedo do pé como este filme jamais será lançado em circuito comercial aqui no Brasil. E preciso contar: metade do cinema dormiu. Desculpa por ter nascido.
Na sequência, um exímio representante do Irã – se você vai à Mostra e não assiste um filme iraniano, você não foi à Mostra (!). Que Horas São No Seu Mundo? (Dar Donyaye To Sa’at Chand Ast?) tem a seu favor uma trama interessante e uma excepcional dupla de atores centrais, Leila Hatami (do oscarizado A Separação) e um dos grandes nomes do cinema local, Ali Mosaffa (de O Passado). Ela é Goli, uma garota que retorna ao Irã depois de vinte anos vivendo na França, carregando consigo a culpa de não estar presente no ocaso da morte da mãe. Ele é Farhad, um fabricante de molduras que passa a persegui-la do momento em que ela desembarca em Teerã até sua chegada em Rasht, sua aldeia natal, revelando que conhece sua vida como ninguém. Mas quem é esse sujeito e porque Goli não lembra dele? E por que toda a comunidade de Rasht parece amá-lo e estranhar que ela não o conheça? Trama interessante, atores sensacionais, mas condução bem fraca... o roteiro se perde em flashbacks confusos e, em dado momento, fica realmente complicado decifrar o que é passado e o que é presente. Mas vale pela curiosidade. Se você nunca teve contato com as produções iranianas, porém, é melhor correr atrás de A Separação e Filhos do Paraíso, duas obras-primas que revelam o quanto estes caras entendem de cinema.
E o último (ufa!) e o melhor do dia também é, até o momento, eleito pelo público (e por mim também) como o melhor filme desta edição da Mostra. Winter Sleep (Kis uykusu), o grande vencedor da Palma de Ouro em Cannes e apontado pela crítica especializada como o provável vencedor do próximo Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, pode parecer um teste de resistência por conta de sua metragem (196 minutinhos), mas quem se arriscar e for de coração aberto presenciará não um filme, mas uma EXPERIÊNCIA SENSORIAL. Não há exatamente uma trama, somente acompanhamos a rotina de três pessoas em um ambiente isolado – um aspirante a escritor que é também o ríspido dono de um hotel e de vários imóveis na região central da Anatólia (Haluk Bilginer, praticamente o pai do Comendador José Alfredo da novela das oito, e eu tenho vergonha de saber o nome do personagem), a esposa mais jovem dele (Melisa Sözen) e a irmã dele (Demet Akbag), que ainda tenta superar a separação do ex-marido. Em pleno inverno, o hotel fica quase vazio, e o clima de desolação no ar libera algumas rusgas do passado entre os três protagonistas. Winter Sleep é um daqueles filmes que se tornarão cult e serão discutidos por algum tempo, não só por conta de seus diálogos intensos ou pela brilhante fotografia, mas pela construção das ideias e pela maravilhosa atuação do elenco central. Me arrisco dizer que, por enquanto, não há outro filme na Mostra como este. Confesso sem medo de parecer exagerado que ainda estou tentando juntar os cacos depois deste soco no estômago.
Outros filmes importantes do dia 07: A Gangue (Ucrânia), drama premiadíssimo em Cannes que tem dado o que falar por conta de sua proposta – não há diálogos e toda a trama é centrada em um grupo de surdos-mudos (a proposta do diretor é tornar a história compreensível somente pela linguagem de sinais, “já que o amor e o ódio não precisam de tradução”); A Ilha dos Milharais (Geórgia/Alemanha/República Tcheca), drama selecionado pela Geórgia a uma vaguinha entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2015; e Tsili (Israel), o novo trabalho do cineasta Amos Gitai, praticamente um arroz-de-festa da Mostra.
E a lição que fica deste sétimo dia: senhorinhos e senhorinhas do meu coração, por favor TENTEM CHEGAR NO HORÁRIO DA SESSÃO! Não dá pra aguentar povo entrando na sala depois que o filme começa e ainda ficar em pé pensando na vida enquanto o restante dos pobres mortais que não se atrasam querem ver o filme, né? :-P
Pra não concorrer com Mulan, Bill & Ted 3 vai estrear em VOD mais cedo: 28 de Agosto! https://t.co/Bu3VBYYW8X