Divertida Mente e o caminho pra transformar o sonho em realidade | JUDAO.com.br

Indo do layout à dublagem em português, o JUDÃO conta um pouco de como o novo filme da Pixar foi criado – em um processo que pode levar de quatro a cinco anos

As luzes apagam. Hora dos trailers e depois do que parece ser uma vida, começa o filme. Uma animação da Pixar. E aí, cara, não importa muito se você tem 8 ou 88 anos. É como se os olhos brilhassem e entrasse num mundo que não existe, criado no computador. Só que filmes assim não saem diretamente da cabeça de uma pessoa e vão pra tela grande. É resultado de um longo e árduo processo, que envolve muita, MUITA gente. Do pessoal que escreve o roteiro aos dubladores.

“A produção inteira de um filme é, em média, de quatro a cinco anos. Isso desde o pitch inicial da ideia até o filme terminar”, conta Léo Santos, brasileiro que trabalha como artista de Layout da Pixar e fez parte do projeto de Divertida Mente. “Eu trabalhei por cerca de um ano no filme”. Não é coincidência que o JUDÃO já tenha conferido o conceito do filme e visto algumas cenas em agosto de 2013, durante a Disney D23 Expo, quase dois anos antes do lançamento. E, na época, Divertida Mente estava previsto para ser lançado no final de 2014. Merdas e mudanças de planos acontecem, também.

“A equipe de trabalho muda muito durante esse processo. Começa com um punhado de gente, vai pra 300 ou 400 pessoas, e no finalzinho diminui novamente”, explica um empolgado Léo. “Eu comecei [na produção] no final de 2013 e fui até o meio pro final de 2014”.

A presentação dos personagens, lá em 2013

A presentação dos personagens, lá em 2013

Mas o que DIABOS exatamente é o tal do Layout no qual nosso amigo Leo trabalha? “É o primeiro passo que o filme dá em 3D. Basicamente o que a gente faz é um protótipo do filme. Pegamos as ideias do story board, que são excelentes já, o diálogo está lá, mas é temporário ainda, então a gente pega aquilo e trabalha com o editor e o diretor do filme pra achar a narrativa. O que fazemos é a cinematografia, fazendo todo o trabalho de câmera que faz a coreografia do filme. Em inglês, seria Camera and Stage, que é o título oficial do departamento”. É lá que lidam com software, aquela parte mais técnica, mas também com o lado mais criativo, que é “basicamente fotografia de cinema”. Para o novo filme, cerca de 10 pessoas trabalharam nesse departamento, mandando o que faziam pro diretor de fotografia – e com feedbacks do próprio diretor do longa.

Lindo, não é? Mas não é nada fácil. Bom, deve ser até um pouco mais aceitável quando você faz um Toy Story, ou um Procurando Nemo, que são filmes que são baseados no mundo real, o que facilita pra entender os cenários, como os personagens interagem com eles e tudo mais. Afinal, Sydney é Sydney, por exemplo, mesmo que a Wallaby Way não exista de verdade. Agora, pense em Divertida Mente: um filme que em boa parte da história se passa DENTRO da mente de uma menininha, em algo totalmente abstrato. É um trabalho que acaba sendo bem diferente.

“A pesquisa começou no roteiro, antes de ir pra arte, com psicólogos, psiquiatras, quais são as teorias mais recentes de como funciona o cérebro, de como funcionam as emoções. Foram coletadas o máximo de informações possíveis e começaram a ver o que funcionava, o que era interessante para a história – até pra achar algumas piadas”, explica Léo Santos. “A pesquisa desse material levou à história, e da história você passa a fazer a direção de arte. Eles fazem milhares de desenhos, milhares de pinturas”.

No final, Divertida Mente acabou com dois estilos bem diferentes de layout, um justamente com o mundo ~real, o da protagonista Riley (“no qual fizemos como se fosse uma steady cam, usa câmera no ombro”); e o outro dentro da cabeça dela, o das emoções (“que é basicamente uma câmera de estúdio dos anos 40, que corre em rodinhas e não treme a lente nunca”).

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No meio disso tudo entra a dublagem. Na real, a dublagem começa até antes dos dubladores entrarem na brincadeira, já que é parte importante do processo para os animadores construírem a história. “O pessoal do estúdio mesmo faz as vozes temporárias. As vezes, elas ficam no filme, como por exemplo a Edna Moda de Os Incríveis, que é dublada pelo diretor, o Brad Bird. Isso tudo são vozes temporárias que ficaram. Mas tem uma hora que realmente você tem que escalar o ator, e as vezes isso é bem tarde no processo. Essa escalação é mais necessária na animação do personagem, que vem depois do layout, isso sim tem que ter o personagem já com a voz final. Antes disso, no story board, no layout, não. Lógico que ajuda, mas dá pra trabalhar sem ter a voz final”.

No caso de Divertida Mente, os dubladores americanos entraram bem cedo nessa brincadeira. Em agosto de 2013 eles foram apresentados lá na D23 Expo, antes mesmo do Léo Santos começar a trabalhar na produção. Nesse modelo, dublagem e animação funcionam como uma coisa só, com um lado influenciando o outro – e com a movimentação de boca, que o pessoal da dublagem BR chama de “batida”, sendo criada a partir do que o ator gravou.

Isso nos EUA. Tudo muda de figura quando um filme como Divertida Mente chega ao Brasil e precisa ser dublado no português, iniciando um outro processo, também bem complicado, já que a dublagem é feita a partir do que já está pronto e finalizado. Tudo isso começa não só com a tradução dos diálogos, mas também com a procura dos dubladores mais indicados para cada personagem – um processo no qual a Disney leva em conta a adequação deles com os personagens e o quanto eles podem ajudar a levar mais gente pro cinema, claro.

“Eu fui chamada pra fazer o teste e eu achei que não tinha passado”, conta Katiuscia Canoro, que você deve conhecer pelo Zorra Total, meio que encarnando o próprio personagem que dubla em Divertida Mente, a Tristeza. “Quando me ligaram da Disney falando ‘você passou no teste’, eu disse ‘não, não passei’. Eu tinha certeza que não tinha passado. Foi tão complicado. É um trabalho minucioso, diferente do ator americano que faz parte do processo, do que pra gente que chega e tem que adequar as palavras na boca do personagem. Foi bem difícil”.

Dani Calabresa, que dubla a Nojinho, conta um pouco melhor como funcionou esse teste – e, por extensão, o próprio processo de dublagem. “Você bota um fone de ouvido e você ouve em inglês a personagem. Assiste e escuta um ‘all right, let’s go’ e fica assim, peraí, 1, 2, 3 e você tem que encaixar na boca... Não adianta, você não vai criar a personagem. Você vai dar vida a uma personagem que já existe. Tem que encaixar a voz e personalidade parecidas com que a dubladora americana fez e pegar o senso de humor, agilidade e o ritmo. Eu saí do teste achando que teria que andar na rua de peruca, chorando, pensando que não tinha passado”.

O medo delas não é sem motivo: a Disney, apesar de algumas exceções (sim, Luciano Huck, toca aqui _o/\o_) é bem exigente com o processo de dublagem de seus filmes e com as escolhas das vozes. Inclusive o Léo Jaime, que em Divertida Mente dubla a Raiva, explica que esse não foi o primeiro filme que ele fez pra Disney, ou que TENTOU fazer – a diferença é que, em Oliver e Sua Turma, ele foi dispensado no meio do processo por ser muito lento. “Eram rolos de filme que você passava numa tela de cinema, então não dava pra arrumar, não era como hoje. Se não ficasse bom, tinha que voltar o rolo e fazer tudo do zero”, explica o próprio. Pro novo filme, Léo Jaime teve que também abraçar uma emoção que é tão forte nele mesmo. “Raiva não é exatamente uma característica minha, nem tenho feito personagens assim. Como ator, achei um desafio bacana”.

Miá Mello, SIDNEY MAGAL, Léo Santos, Dani Calabresa, Léo Jaime, Katiuscia Canoro e Otaviano Costa

Miá Mello, SIDNEY MAGAL, Léo Santos, Dani Calabresa, Léo Jaime, Katiuscia Canoro e Otaviano Costa

Do exato outro lado, Miá Mello, que faz a versão em português da Alegria, teve menos dificuldade pra encontrar a voz da personagem. “O encontro foi muito sútil. Eu basicamente fiz o que eu sou, porque quando eu vi no teste que era alguém que tinha que falar rindo, falar muito rápido, falar sem parar, eu falei ‘gente, sou eu!’. Eu não precisei pensar muito como é que eu ia fazer a voz. Simplesmente fiz como eu acho que tem que ser uma Alegria, mas respeitando a dublagem original, que é muito legal”.

Miá, justamente por ter mais falas, pode improvisar um pouco mais. “Eu sempre faço uma brincadeira com a minha filha, que eu falo cantando, e quando eu fiquei mais à vontade eu fui encaixar isso, que cabe. E ele [o diretor de dublagem] deixou, sabe? Mas, na terceira vez que fui fazer, ele disse que ‘agora já acabou’”.

Outro momento que houve uma adaptação na versão Brasileira é em uma cena na qual Riley vai com a mãe comprar pizza, mas só tem de BROCÓLIS. Se você já fica com raiva, imagina uma menina de oito anos? “Tinha uma fala da Raiva que, pros americanos, faz o maior sentido, ‘ah, já não bastam os havaianos, e agora vem isso?’, porque a pizza Havaiana nos EUA é a pizza que tem abacaxi, fruta em calda, que no Brasil chamamos de pizza Califórnia”, relata Léo Jaime, “em português, isso pra mim pareceu que seria uma implicância do personagem com os havaianos, o que não é exatamente o que queríamos, até porque não ia fazer sentido, então mudamos”. Outras expressões da fala da Raiva também foram adaptadas, como “tá querendo treta”, pra dar uma voz mais brasileira, segundo o ator. “Nós tínhamos essa liberdade. Evidente que o filme já estava pronto, mas demos também um pouco da nossa personalidade, da nossa voz”.

Isso tudo com o tempo correndo, afinal tempo é dinheiro – principalmente tempo de estúdio. Miá, por exemplo, teve 28 horas de estúdios alocadas divididas em 6 dias. “Não foi nada cansativo, nada penoso”, ameniza a atriz. Pro Léo Jaime foi bem menos: apenas dois dias. “Consegui fazer no primeiro, e deixei os gritos pro segundo dia, pra não ficar rouco”. Miá também deixou por último outra cena que a Alegria precisa cantar, que rola mais pro final do longa-metragem. “Foi um grande desafio pra mim. Eu tinha que cantar muito rápido, tinha uma melodia e tinha que gritar”.

Ok, como diriam os ingleses, “no pain, no gain”. Não é exatamente fácil chegar no resultado final de Divertida Mente, começando lá do story board, passando pelo layout, modelagem e, claro, chegando na dublagem aqui em português. Mas ninguém que participou está reclamando, ao contrário. Foi a realização de um sonho pra todo mundo.

É bem como resumiu o Léo Santos (que, depois de Divertida Mente, já ajudou em O Bom Dinossauro e agora está trabalhando com Procurando Dory) no final do nosso papo: “é o melhor trabalho do mundo”.

Com toda a certeza. ;)