San Diego disputa uso da marca Comic Con no Brasil

Nos bastidores, surge uma disputa pelo direito da marca “Comic Con”, no Brasil – uma briga que envolve os dois eventos brasileiros e, agora, a própria San Diego Comic-Con

SAN DIEGO ~ A cultura pop brasileira está sendo agitada neste segundo semestre de 2014. Afinal, teremos a Brasil Comic Con (organizada pela Yamato, a mesma empresa do Anime Friends), a Santos Comic Con em novembro e a Comic Con Experience (do pessoal do Omelete e da Chiaroscuro Produções) em dezembro. Porém, não são só os nerds que estão se movimentando para estarem lá. É que, nos bastidores, surge uma briga de cachorro grande: QUEM tem o direito de usar a marca “Comic Con” no Brasil?

E, por cachorro grande, leia-se San Diego Comic Convention, a organizadora da Comic-Con International: San Diego, aquela que você conhece como San Diego Comic-Con e da qual a edição 2014 acabou de acabar.

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Tudo começou com o próprio anúncio das duas convenções Brasileiras de cultura pop. Quem acompanha de perto já sabe: muitas empresas, incluindo grandes anunciantes, começaram confundir os dois eventos. Teve gente, por exemplo, que jura(va) que a SDCC era ou a Comic Con Experience ou a Brasil Comic Con, para você ter uma ideia. SEM CONTAR quem nem sabe do que acontece aqui na Califórnia e não tá entendendo que vão acontecer DUAS grandes convenções em menos de duas semanas, e não uma só. “Mas não é a mesma coisa?”, alguns perguntam.

Como você deve imaginar, isso é péssimo, claro, já que um evento acaba canibalizando o outro. E não só o evento: o mercado corre atrás do próprio rabo com tanta confusão.

Comic ConA primeira tacada para tentar “resolver” isso surgiu do pessoal da Comic Con Brasil Eventos, que, apesar do nome, é a empresa criada pelo Omelete e pela Chiaroscuro para organizar a CCXP. Eles entraram com o pedido de registro no Brasil da marca “Comic Con”, sem qualquer outra adição, no INPI. O processo já tem até um logo, que é esse aí que você vê ao lado – uma variação clara daquele usado pela Comic Con Experience.

“Não tivemos nenhum planejamento específico sobre isso. Simplesmente registramos os dois nomes ao mesmo tempo”, explica Pierre Mantovani, CEO da CCXP. Realmente: o pedido de registro da marca Comic Con Experience aparece com data de 14 de março, enquanto o pedido da marca Comic Con consta como 13 do mesmo mês. Tudo quase dois meses depois do primeiro anúncio da realização da CCXP.

De qualquer forma, no hipotético cenário do registro sendo aceito, o Omelete e a Chiaroscuro seriam os únicos donos legítimos da marca “Comic Con” no Brasil e qualquer evento – incluindo a Brasil Comic Con e até a Santos Comic Con – teriam que pedir autorização para o uso da marca. MAS, tem outra empresa que se considera de fato dona da marca no nosso País...

Convention Center no qual rola a SDCC (Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

Convention Center no qual rola a SDCC (Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

“Comic-Con International é a única dona do nome Comic-Con nos Estados Unidos e é a entidade que controla todos os usos de ‘Comic-Con’ e variantes confusas como ‘Comic Con’, sem hífen”, nos explica Robert Sayler, da Diretoria de Marketing e Relações Públicas da San Diego Comic-Con. “Dada a notoriedade internacional e a fama da marca Comic-Con, nós também podemos afirmar que temos o direito de controlar o uso da marca fora dos Estados Unidos”.

Lendo nas entrelinhas: todo e qualquer uso da marca Comic-Con tem que ser autorizado pelo pessoal de San Diego. Isso é até fácil de conferir, já que as únicas marcas de eventos com a expressão registradas nos EUA são da San Diego Comic Convention, incluindo aí Los Angeles Comic-Con, San Francisco Comic-Con e Anaheim Comic-Con. Existem outros pedidos de registros do tipo aceitos pelo escritório do governo dos EUA que controla esse tipo de coisa, mas não são de eventos, mas sim de produtos relacionados a eles.

É proibido fazer uma “Algum Lugar Comic Con”? Não, não é – temos até o exemplo do segundo maior evento do tipo, a New York Comic Con, que é feita pela Reed Exhibitions. Mas, como a declaração do Sayler deixa claro, é necessária uma autorização prévia para isso.

A San Diego Comic-Con tomará então alguma atitude contra os eventos brasileiros? “Infelizmente, não podemos comentar assuntos legais ou pendentes”, afirma Sayler. Mas não é muito difícil imaginar o que pode acontecer. Na última semana, a empresa avisou que tomaria todas as medidas legais contra os organizadores da Salt Lake Comic Con, de Utah – e que também não tem hífen no nome. “Participantes, exibidores e fãs vendo o uso de ‘Comic Con’ em conexão com a convenção irão incorretamente assumir que nós de alguma forma estamos afiliados a eles”, disse a organização do evento de San Diego em uma carta divulgada na última sexta-feira (25).

Os organizadores alegaram ainda que estavam de olho na confusão entre os nomes dos dois eventos em “múltiplas instâncias”. Pra piorar, um carro da Salt Lake Comic Con foi visto passando pelas imediações do Convention Center de San Diego durante a própria SDCC, o que deve ter irritado ainda mais a diretoria.

San Diego tomada pela galera da Comic-Con (Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

San Diego tomada pela galera da Comic-Con (Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br)

Enquanto isso, no Brasil, apuramos que a Comic-Con International já contratou o escritório Salusse Marangoni Advogados para defendê-los no Brasil. Inclusive, o próprio escritório entrou em nome do cliente com o pedido de registro da marca “Comic-Con” no País no começo de junho. O advogado Wilson Pinheiro Junior confirmou ao JUDÃO que está defendendo a empresa de San Diego pelo escritório, mas não foi autorizado a dar mais informações.

Para entender melhor tudo isso, contatamos Marcio Gonçalves, ex-secretário executivo do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual do Ministério da Justiça; e Patrícia Garbin, que atuam como advogados especializados em propriedade intelectual no escritório Siqueira Castro. Ambos afirmam que a alegação da San Diego Comic Convention é real e tem respaldo na legislação brasileira: eles são donos de qualquer variação da marca “Comic-Con” no País, seja com hífen, tudo junto, o que for. Para Patrícia, essa variação “não é suficiente para possibilitar a coexistência dos sinais sem que leve o consumidor a erro quanto à origem do serviço que será fornecido”. Dessa forma, os registros e usos das marcas Brasil Comic Con (pela Yamato), Comic Con Experience e, principalmente, Comic Con (pelo Omelete/Chiaroscuro) seriam ilegais.

Pra piorar, não é possível alegar desconhecimento, mandar um “ooops, mandei registrar porque não sabia”. “Como se trata de um evento amplamente divulgado e conhecido, um depositante que atua nessa área não poderia alegar o desconhecimento do nome para produzir um evento no Brasil da mesma natureza”, afirma a advogada. Ela ainda acredita que o registro das marcas “São Paulo Comic Con” e “SP Comic Con” pela Reed Exhibitions Alcantara Machado (sobre a qual já falamos aqui no JUDÃO) também fere a lei e também cabem medidas legais contra isso.

A opinião é compartilhada por Andrea Pitthan Françolin, também advogada especialista em direito autoral. “A titular desse evento [no caso, a San Diego Comic Convention] poderia adotar medidas contra a organizadora do evento mencionado no Brasil independentemente da existência de registro prévio no INPI”, explica.

Sendo mais direto: essa peleja das Comic Cons no Brasil chamou a atenção do dono da bola – no caso, da marca. E ele está bravo porque não foi chamado pra brincar... Agora ele pode tirar a bola da brincadeira e acabar com tudo. Ou só dar aquela bela bronca, talvez tirar alguma vantagem, e deixar por isso mesmo.

Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br

Foto: Thiago Borbolla / JUDAO.com.br

Enquanto isso, claro, existem opiniões contrárias. A já citada Salt Lake Comic Con conversou com a Associated Press e afirmou que a San Diego Comic-Con já teve o uso da marca “Comic Con”, sem hífen, negado ainda nos anos 90 e que o registro de “Comic-Con” não abrangeria essa variação. “Nós pretendemos nos defender vigorosamente contra essa ação frívola”. Além disso, dá pra alegar que Comic Con é mais do que uma marca, mas um tipo de evento em si só – da mesma forma que um “Salão do Automóvel” ou “Bienal de Artes”.

No final das contas, é tudo questão de nomenclatura. Seja com o nome que for, vamos ter a Brasil Comic Con em novembro, a Comic Con Experience em dezembro... “Inclusive as vendas de ingressos estão dentro da expectativa para a época”, nos conta Leandro Cruz, da Yamato, que desmente aquela nossa informação (que nós, no entanto, mantemos) sobre cancelamento de ingressos vendidos na Brasil Comic Con. “Não estamos preocupados com ‘a guerra das Comic Cons’, mas sim em fazer o nosso evento, e nosso cronograma segue sem alterações”, explica.

Pois é. Eles podem não estar preocupados com disputas, batalhas... mas dá pra ver que o pessoal da Califórnia já está se preparando.

Para esta apuração, entramos também em contato com a Reed Exhibitions Alcantara Machado para entender como as ações da San Diego Comic Convention afetariam o registro da São Paulo Comic Con no Brasil e se há algum tipo de acordo para o uso do nome “Comic Con” na New York Comic Con, mas não obtivemos uma resposta até o fechamento desta matéria.