Dublagem não é bagunça! | JUDAO.com.br

Estúdios andam interessadíssimos em traduções cada vez mais regionalizadas de piadas e falas de seriados. O problema é que nem todo profissional sabe bem como fazer isso. :P

Traduzir para dublagem é um trabalho muito maluco e um bom tanto diferente de legendar. É preciso também pensar em como as falas cabem na boca do personagem em outra língua e, usando o que sabe da personalidade de quem fala, adaptar seu discurso para a cultura local. Pra exemplificar: imagine aí na sua cabeça uma pessoa com uma atitude formal. A voz, os trejeitos, tudo. É provável que alguém de um outro país que recebeu as mesmas instruções pense em alguém BEM diferente. Essas coisas são culturais! E faz parte do trabalho do tradutor pensar nisso pra que o produto fique fiel às suas intenções.

Um clássico exemplo de uma regionalização bem feita é o Freakazoid!. No episódio O Encontro de Dexter, por exemplo, o herói encontra o bandido Cerebelo e acaba com seu plano prematuramente. Bravo, ele reclama com Freakazoid e exige pelo menos uma luta. Em inglês, o personagem responde “Next time, I promise, we’ll make a night of it. We’ll have a really big fight!”, que traduz-se diretamente para “Da próxima vez, prometo, passaremos a noite toda nisso. Teremos uma grande briga!”. Mas dando AQUELE TALENTO na localização da fala, virou “Não dá não, na próxima vez eu te encho de bolacha, bordoada não vai faltar!”.

Recentemente, a dublagem de (Des)encanto também foi ACLAMADA por conseguir trazer as piadas pro português brasileiro usando MUITOS memes como “as árveres somos nozes” e “tá pegando fogo, bicho!”. Há quem não goste, mas a recepção foi boa – e acabou dando ideia pra outros estúdios.

Mas nem todo mundo sabe como fazer isso. Às vezes acontece de alguns tradutores se atrapalharem e ao invés de preservarem o sentido original da obra, distorcem tudo pra fazer caber uma ou duas piadas forçadas. No ano passado, a dublagem da 11ª temporada de Doctor Who virou assunto quando alguns episódios apareceram com piadas ruins DEMAIS. No episódio Aracnídeos no Reino Unido, a Doutora pergunta para um senhor se ele é o Ed Sheeran, completando com “todos gostam do Ed Sheeran, né?”. Em português, o cantor foi substituído por Silvio Santos. O que não seria de TODO RUIM se o “né?” do final da frase não tivesse virado um “MA OE” constrangedor. E pior: em outro momento, numa briga entre duas mulheres, uma delas diz: “Pelo menos eu tenho um trabalho, Boulos”, e a outra replica: “Falou então, Bolsonaro!”.

E, nessa semana, Brooklyn 99 virou assunto pelo mesmíssimo motivo. Boyle, um dos personagens da série, acabou virando um ~bolsominion~ sem querer. Na fala original, o personagem usa o termo “tramp”, que significa “vagabundo”. ACONTECE que essa palavra tem grafia e sonoridade parecidas com Trump, sobrenome do presidente dos Estados Unidos. E porque Donald Trump é meio que um equivalente americano do presidente Jair Bolsonaro, o tradutor resolveu que essa seria uma ÓTIMA piada. E deu no que deu: Boyle ganhou as falas típicas dos fãs de Bolsonaro.

A grande piada é que Boyle gostou MUITO do nome “The Tramps” (“os Vagabundos”) para um time com seus colegas de delegacia. E “É melhor Jair se acostumando” substituiu o que se traduziria como “esse é o ano dos vagabundos”. Depois, todas as vezes em que ele diz que é um “tramp” tornam-se momentos em que ele se autoproclama um “minion”.

A bagunça foi tão grande que chamou a atenção de Dan Goor, criador de B99. Ele descobriu pelo Twitter mesmo e avisou aos fãs que estava investigando a origem desse problema. Mais tarde, repostou o tweet de de uma garota para confirmar a ideia de que ele NUNCA havia usado a palavra “tramp” para fazer referência ao presidente americano. De acordo com o Wrap, a redublagem já está a caminho – assim como uma investigação do ocorrido.

A tradução localizada ajeita a forma do discurso para que a mensagem transmitida seja a mesma para culturas diferentes. Doctor Who, um seriado britânico, usa Ed Sheeran como símbolo de popularidade atual. É justo que em sua versão brasileira, figuras como Silvio Santos apareçam (por mais que sua popularidade atual seja questionável). Mas CRIAR piadas estúpidas que não faziam parte do contexto e com isso alterar o comportamento de um personagem não é só algo que estraga tudo – é um desrespeito SEM TAMANHO com os autores daquela obra. No caso de Brooklyn 99, as piadas inclusive perdem totalmente o sentido também porque há um enorme erro de tradução do responsável que confundiu a ideia dos termos.

É muito difícil o trabalho de um tradutor. Mas ele se complica sozinho quando quer usar elementos culturais que são de péssimo gosto pra tentar realizar uma piadinha com prazo de validade e sem graça nenhuma. ¯\_(ツ)_/¯