Porque o linguarudo do Kiss diz que foi ele quem inventou o jeito de fazer com o polegar estendido e quer patentear para ganhar em cima disso. SIM, ESTAMOS FALANDO SÉRIO.
ATUALIZADO (22/06/2017): Tudo indica que Gene Simmons desistiu da iniciativa. Pelo menos é o que dá a entender o pedido dele no escritório de patentes dos EUA, que agora apresenta o status de “DEAD/APPLICATION/Withdrawn/Abandoned” porque o requerente “manifestou abandono expresso”.
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Texto original:
Em 2009, Dee Snider, o vocalista do Twisted Sister, movimentou o mundinho do metaaaaal ao lançar uma campanha chamada Take Back The Horns. A essência do negócio: o “abuso sistemático” da utilização do símbolo clássico do rock pesado, aquele chifrinho que a gente faz usando o dedo indicador e o mindinho pra simular os chifres do DEMÔNIO. “Os metal horns nunca deveriam ser usados pela galera do hip hop, do country ou do pop”, disse ele à época, em papo com a rádio Tangra Mega Rock. “Lutamos muito e por muito tempo para que a música que amamos seja reconhecida. Eles não têm direito de usar nosso sinal”.
Resumidamente, então, o lance é: chifrinhos são do metal. Miley Cyrus, pare AGORA de fazê-los porque você não é do metal. “Quando até o pequeno Johnny faz chifrinhos com as mãos para avisar a mamãe de que fez o número 2, as coisas foram longe demais”, explica Snider. “Peço que os headbangers de todo o planeta se juntem a mim nesta importante luta. Encontrem os seus próprios símbolos, usurpadores!”. Embora muito camisa preta tenha levado a parada a sério, dá pra sacar em tudo quanto é lugar do site oficial que a campanha tem MUITO do bom humor e da pegada mais crítica que é marca registrada de Dee Snider.
O que o Dee mal imaginava é que, falando em marca registrada, alguém fosse levar de fato TÃO a sério esta história toda quanto Gene Simmons. É, ele mesmo, baixista e um dos líderes do Kiss, que também acha que agora é hora de take back the horns... pra ele, no caso. Porque, sim, de acordo com o Hollywood Reporter, Gene Simmons está tentando PATENTEAR a porra do símbolo do chifrinho que a gente faz com as mãos. Ou, pelo menos, uma das modalidades possíveis do símbolo de El Diablo — no caso, aquela com o polegar aberto.
Vou te dar um minuto aí pra reler o parágrafo anterior e tentar assimilar esta informação. Pode ir lá, eu espero. Enquanto isso, fico aqui pensando o que deve estar passando pela cabeça do Paul Stanley neste exato momento (“Caralho, Gene, mas de novo?”)...
Releu?
É isso aí. Não basta o Kiss ter centenas de produtos licenciados na face da Terra, de bonequinhos a caixões (sério), passando por gibis, camisinhas e o que mais você imaginar, agora ele quer que este formato dos chifrinhos seja uma coisa exclusiva dele, que afirma que o gesto foi feito pela primeira vez de maneira “comercial” em novembro de 1974 – o que equivale à época da turnê de divulgação do álbum Hotter Than Hell. Em sua autobiografia Kiss and Make-Up, de 2002, ele afirma que inventou o gesto “por acaso” no meio de um show e então a coisa foi absorvida por seus fãs e o resto “é história”. Sei.
No processo, iniciado no último dia 13 e que deverá ser avaliado por especialistas em até três meses, serão levados em consideração a possibilidade de confusões e até mesmo se o gesto não é genérico demais pra ser associado a uma pessoa.
Para Simmons e seus representantes, o símbolo seria registrado para “performances ao vivo de músicos e aparições ao vivo de músicos”. Importante explicar detalhadamente aqui o seguinte: de acordo com o pedido feito ao departamento de patentes dos EUA, Gene Simmons quer registrar o gesto da “mão com os dedos indicador e mínimo para cima e o polegar estendido perpendicularmente”.
Ou seja, isso significa NA PRÁTICA que Gene poderia processar qualquer coleguinha músico que faça os chifrinhos metálicos COM POLEGAR durante um show ou, quem sabe, que faça poses para a capa de seu álbum ou fotos de divulgação com os diachos dos chifres nas mãos mas usando o polegar estendido. Se você apertar o polegar contra os dedos médio e anelar abaixados, aí sim, tá tudo bem. Mas se abrir o polegar, não vai ser mais metal horns. Vai ser Gene’s Horns. ¯\_(ツ)_/¯
Exatamente do jeito que o Gene está querendo registrar, com o polegar aberto, já existe um gesto AMPLAMENTE utilizado mundialmente. Na linguagem de sinais (pelo menos LIBRAS e a equivalente em inglês), o gesto quer dizer “eu te amo” – e um cara como Michael Kiske, ex-vocalista do Helloween e atual frontman do Unisonic, cristão assumido e com certos problemas com temáticas ocultistas/satânicas, aprova muito mais esta interpretação, inclusive. Podemos dizer, então, que Gene Simmons, da BANDA BEIJO, quer patentear o “eu te amo”. ;)
Não vamos entrar aqui no mérito do quão bizarro é alguém resolver que vai registrar qualquer que seja a versão de um GESTO tão popular e amplamente difundido não só dentro de um gênero musical, mas na cultura pop como um todo — ainda que ele não tenha sido o primeiro. Tampouco sobre o quanto Gene Simmons, nos últimos anos, foi se transformando de um ótimo frasista cheio de boas sacadas em um MALA SEM ALÇA quadradão que resolveu ter uma opinião formada sobre QUALQUER COISA, mais ou menos a versão rock star encarnada de um comentarista de portal de notícias.
E esse papo de “quem inventou e/ou tornou popular” o símbolo do metal, com ou sem polegar, é velho — tanto quanto a história de que o Kiss teria copiado a maquiagem do Secos e Molhados.
Antes de qualquer coisa, estamos falando de um símbolo culturalmente difundido em determinados lugares/crenças para a invocação e/ou afastamento de demônios e demais entidades maléficas. Preste atenção nas antigas estátuas de um senhor chamado Siddhartha Gautama, por exemplo. Na Itália e em outras regiões do Mediterrâneo, os antigos usavam o gesto com o polegar abaixado, batizado de corna, como uma forma de espantar o tal do “mal-olhado” (malocchio). Em rituais religiosos da Wicca, há quem use para se referir ao chamado Deus Chifrudo, Cernunnos/Kernunno.
No universo da música, lá em 1969, na capa do disco Witchcraft Destroys Minds & Reaps Souls, a banda ocultista-psicodélica de Chicago chamada Coven já faz chifrinhos – um símbolo que eles usavam, inclusive, para encerrar os seus shows.
No mesmo ano, dá pra ver que a versão cartunesca de John Lennon na capa de Yellow Submarine estava fazendo os chifrinhos, repetindo um gesto que ele mesmo faz anos antes nas fotos de divulgação que se tornariam uma das capas do single Yellow Submarine/Eleanor Rigby, lançado em 1966. E olha só, Gene Simmons, o John tá com o polegar aberto, QUE ABSURDO.
No comecinho dos anos 70, os chifrinhos que todo mundo associa ao metal eram, isso sim, a senha para se entrar na Mothership, elemento fundamental da mitologia dos caras do Parliament-Funkadelic. Nada de metal horn: para George Clinton e Bootsy Collins, isso era o P-Funk Sign.
No entanto, a versão que por enquanto está liberada por Gene Simmons, aquela com o polegar apertando os dois dedos do meio, teve um divulgador bastante icônico: um talentoso baixinho chamado Ronnie James Dio. Quando o cantor saiu do Elf e assumiu a bronca de entrar no Black Sabbath como vocalista no lugar de Ozzy Osbourne, em 1979, uma das coisas que o deixou cabreiro foi: Ozzy sempre se despedia usando o símbolo da paz, o V feito com os dedos. Dio também queria se conectar de alguma forma com os fãs, sem copiar seu antecessor. Aí, ele optou pelo tal do malocchio, gesto que viu sua avó italiana repetir tantas e tantas vezes.
“Eu não fui o primeiro a fazer isso, seria como dizer que inventei a roda”, disse Dio, em entrevista para o Metal-Rules. “Mas acho que eu fiz virar moda, eu fazia o tempo todo e ele se tornou minha marca registrada até que o público da Britney Spears decidiu fazer também. Aí, saquei que ele perdeu o significado”, brincou, sem imaginar que o símbolo ainda viraria Emoji. ?
“Era um símbolo para espantar o Evil Eye ou para aplicar o Evil Eye em alguém, dependendo do jeito que se usasse. É só um símbolo, mas tem a conotação mística e a atitude que achei que combinavam com o Sabbath. Passei a ser notado por isso e as pessoas começaram a fazer também”, completa. Em sua iniciativa Take Back The Horns, Snider defende que, conforme os fãs do Black Sabbath cresceram, envelheceram e começaram a formar suas próprias bandas, os chifrinhos se tornaram obrigatórios. “Quase como uma equação geométrica infernal”, diz ele. “Obrigado ao Dio por nos dar um presente ainda maior do que sua música ou sua poderosa voz”.
Só que Dee também tem um tantinho a dizer sobre as alegações do amigo Gene e seu processo em busca da patente dos chifrinhos com polegar estendido. “Qualquer fã do Kiss sabe que ele sempre citou os gibis como sendo uma grande inspiração para a sua postura de palco, para sua movimentação, seus gestos, seus figurinos. E aí tem o Homem-Aranha, que Gene sempre amou”, questiona. E, bom, todo leitor de HQs sabe que Peter Parker deixa o polegar aberto. Ou seja... “Como fã de Gene e do Homem-Aranha, posso dizer bem de onde vieram as ‘demon hands’ dele. E não, não é o Homem-Aranha que está imitando Gene Simmons”.
Ops. Acho que a Disney deve estar acionando seu próprio batalhão de advogados neste exato momento. Te cuida, Gene.
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