Habemus um Ghost flertando ainda mais com o pop e prestes a conquistar o mundo | JUDAO.com.br

Sabe aquilo que a banda liderada por Tobias Forge fez com o hit absoluto Square Hammer? Então, agora multiplica por 10 e faz um disco inteiro naquela pegada — e sim, não apenas o novo álbum faz jus ao hype como o extrapola pra todos os lados.

Se a gente parar pra pensar, a trajetória da banda sueca Ghost chega REALMENTE a ser algo impressionante. Surgido em 2010, meros OITO anos atrás, o que parecia ser um despretensioso projeto do músico Tobias Forge (que, sob a alcunha de Mary Goore, cantou death metal no Repugnant e tocou guitarra de sabor hard rock farofa no Crashdïet) surpreendeu a galera do metaaaaaal com seu debut, Opus Eponymous, um ode satanista com jeitão de filme de terror e que soava como o occult rock setentista de caras como o Blue Öyster Cult.

O sabor de mistério, com o vocalista interpretando um personagem, uma espécie de papa satânico de cara pintada a la Kiss/King Diamond, e todo o restante dos músicos devidamente mascarados e tratados como Nameless Ghouls, só ajudou no impacto inicial, que se estabeleceu com o aguardadíssimo Infestissumam (2013), agora já saindo por uma grande gravadora, aquela coisa toda. Mas então parece que Forge percebeu que o Ghost tinha potencial para mais. Que seus flertes com o pop podiam ser mais do que uns beijinhos na boca e sim um relacionamento sério, do tipo que muda status no Facebook. E com Meliora, de 2015, o terceiro Papa Emeritus adicionou mais camadas ao som da banda.

Se os dois discos anteriores falavam, de maneira geral, sobre a chegada do Anticristo, este terceiro era bem mais sobre o vácuo que a ausência de Deus deixava nas vidas das pessoas e como elas teriam que encontrar sentido em si mesmas e uma nas outras, em meio a um futuro urbano até dizer chega, caótico, distópico. Em termos temáticos, portanto, o Ghost continuava sombrio, obscuro, canalha, mas ganhou uma dose considerável de carisma em sua perversidade.

Mais do que apenas Black Sabbath e Deep Purple, por exemplo, o som passou a brincar com o hard rock oitentista de arena, com o tal do AOR (adult oriented rock) e, sim, mesmo com verdadeira máquinas de hits pop como o ABBA. O resultado foi não apenas uma música como Cirice ganhar espaço nas rádios americanas (não necessariamente as especializadas em rock, é bom que se diga) e ser premiada com um Grammy, mas também a blockbuster Square Hammer, que sairia no ano seguinte dentro do EP Popestar, conseguir conquistar a primeira posição nas paradas roqueiras da Billboard.

Se os dois primeiros discos já dividiam opiniões entre os headbangers tradicionais, o Ghost pós-Meliora resolveu também dar uma bitocas no mainstream e aí fodeu, porque o metaleiro véio, raiz, cabeludo e camisa preta, parece simplesmente desprezar qualquer tipo de aproximação deste verdadeiro palavrão de três letras que atende por POP e, obviamente, as tochas se acenderam mais uma vez. O Ghost não teve qualquer medo de ser feliz e abraçou o pop, se entrelaçou no pop, foi pra cama com o pop, tomou café da manhã com o pop e fez juras de amor ao pop. E, caralho, aparentemente isso é um pecado tão grande, uma heresia tão imensa quanto a própria banda invertendo as principais frases do Pai Nosso na letra de Ritual.

Corta então pra 2018. Quando um Ghost que virou hit, virou cult, virou banda favorita dos caras do Metallica e do Dave Grohl, enfim lança Prequelle — que, sem exagero, é uma verdadeira delícia de se ouvir, daquelas coleções de canções que dão vontade de cantar junto já na primeira ouvida, com refrões fáceis de pegar, com melodias que AH O HORROR te fazem bater o pezinho junto e, em certos casos, até sair dançando por aí. Pois é, pode parecer uma péssima notícia para alguns, mas Prequelle é um Ghost totalmente Square Hammer. É rock? É. Mas tem pop pra DIABO. Lidem com isso.

Isso significa que este é um Ghost menos sombrio, denso, macabro? PORRA NENHUMA. A bolacha já abre tensa com Ashes, uma introdução tétrica na qual um coral infantil canta Ring Around the Rosie, uma rima que, segundo consta, teria surgido justamente quando a peste bubônica se abateu sobre a Europa, por volta de 1665, e dizimou mais de um 1/4 da população de Londres. O prenúncio de um apocalipse, portanto, que soa como aquelas apavorantes meninas cantantes enquanto pulam corda na franquia A Hora do Pesadelo, faz total e completo sentido que depois venha imediatamente o primeiro single do disco, Rats, uma das grandes canções DO ANO, sem exagero algum.

Mas é bom que se diga, e isso é um resumo interessante do que se pode esperar do restante do disco, a mais do que infecciosa melodia da canção, tal qual a própria peste, é ADORNADA por riffs certeiros de guitarra e uns solos animalescos que lembram um pouco a carreira solo do Ozzy, lá naqueles primórdios meio Bark at The Moon. É rock pra cacete, de responsa, de qualidade, com um tipo de fúria que soa estranhamente acessível, do tipo que tocaria em qualquer rádio ou no palco de qualquer festival pelo mundo. Como isso?

É, talvez seja a proposta, afinal, dar praticamente um bug sonoro aí na sua cabeça. Tanto quanto daria Dance Macabre, uma espécie de filho bastardo do Survivor, com suas linhas limpinhas de pura energia para empolgar o treinamento de qualquer Rocky Balboa, com um tantinho daquela sujeira e sedução do Mötley Crüe, versando sobre um amor que a gente sabe que é tóxico, que machuca, e ainda assim a gente continua querendo mais, querendo se aproximar, pra se enfeitiçar sob a luz do luar. O resultado soa como uma disco music infernal.

Quer bater cabeça PRA VALER? Tá tudo bem, tem uma canção no álbum, Faith, que pode te ajudar a cumprir este papel, vá lá. É pesada, intensa, com uma bateria corpulenta, uma guitarreira acelerada, meio Judas Priest até. Dá pra comparar inclusive com os primeiros dois discos da banda, com direito até uma voz macabra no meio dos trabalhos, quase gutural — mas que depois se encaixa num refrão beeeeem melódico. E aí? ;)

A letra de Rats também é uma boa introdução do tema que percorre Prequelle. Por mais que não se trate de um disco conceitual, os tais ratos estarão lá, em toda parte, estes pequenos roedores que infestam as nossas cidades e carregam um belo lote de doenças nos dentes. Mas não estamos falando aqui só dos ratos propriamente ditos, aqueles que espalharam a peste negra no velho continente durante a Idade Média e sim de uma outra variedade de ratos que tão espalhando pragas ainda maiores pelo mundo: NÓS.

“Ratos são um inimigo que vem em grande número e estão em todas as partes, ao seu redor”, explica Forge, em entrevista para a Revolver (por sinal, uma de suas primeiras de cara limpa, sem se esconder sob a maquiagem dos Papas ou então com uma máscara de Nameless Ghoul). “Os ratos vêm dos esgotos, entram no seu banheiro, sobem pela sua pia”. Para ele, é claro que os ratos proverbiais, os comandantes do mundo atual, são uma ameaça considerável. “Existe uma similaridade entre ontem e hoje no sentido de que temos esta sensação de que o mundo vai acabar, de que ele já está acabando enquanto estamos falando. Claro, o fim do mundo acontece a todo em tempo em cada lugar, como a Síria. Mas se a gente olha pra tudo que tá ao nosso redor, Donald Trump, Vladimir Putin, Coréia do Norte, Estado Islâmico, a economia mundial, a sensação global de que não sabemos o que vai acontecer é ainda maior”.

Só que o líder do grupo ainda faz questão de deixar claro que o jeito que certas pessoas se comportam em lugares tipo as redes sociais, por exemplo, é como verdadeiros bárbaros, tão violentos e vorazes quanto aqueles da Idade Média. “Vinte anos atrás, antes da internet e das redes sociais, se você era uma criança que sofria bullying, pelo menos tinha o luxo de correr pra casa, fechar a porta e tentar deixar os bullies lá fora, na escola. Agora isso te persegue por todos os lados, não dá pra se esconder, você está sob os holofotes sempre”. E é disso, aliás, que parece tratar See the Light, uma power ballad 80s com direito a sintetizador e tudo, que seria tranquilamente cantada por uma versão trevosa do Elton John e cujo refrão diz sem rodeios: “Every day that you feed me with hate / I grow stronger”. No fim das contas, até o Cardinal Copia tem uma mensagem positiva (ou algo próximo disso) pra te passar em meio às trevas.

Aliás, a nova persona de Tobias Forge também foi selecionada a dedo para se encaixar perfeitamente neste conceito, já que ele também é, de seu jeito bem particular, um rato. Ele é uma espécie de impostor, que não pertence à linhagem do Papa Emeritus Zero (ou Papa Nihil), que não é do mesmo sangue dos anteriores, se aproveitou da frágil saúde do patriarca para encontrar seu espaço, que precisa provar seu valor para ganhar o direito de ter a pintura na cara e o título de Papa IV. E que promete fazê-lo ainda que tenha que ser tão calhorda quanto sua maquiagem sutilmente sugere.

Não dá pra imaginar um personagem diferente dele, aliás, cantando algo como Pro Memoria, uma espécie de hino flower power só que com tempero satânico, uma espécie de irmã de sangue de He Is, na qual faz questão de deixar claro que a morte, cara, ela vem pra todos nós, e que não temos que ter medo dela (“Don’t you forget about dying / Don’t you forget about your friend death / Don’t you forget that you will die”).

Mas dá pra imaginar o Cardinal Copia dançando de maneira absolutamente canastrona, tal qual no clipe de Rats, ao lado de uns quatro caras trajados do mesmo jeitão, formando uma espécie de boy band infernal ao som da fofíssima Witch Image — cuja letra fala de peles que apodrecem enquanto você está dormindo e da alma do seu pai queimando nas chamas infernais. Bota umas guitarras fritando no meio de uma música mais animadinha dos Bee Gees e vai dar pra sacar mais ou menos qualé.

O mais legal, no entanto, é que Prequelle ainda tem duas surpresas bem interessantes guardadas na manga antes que se chegue à faixa final, Life Eternal — no caso, este Fábio Junior (!!!) das trevas que é de uma breguice absolutamente deliciosa, que se encerra perguntando: afinal, se você tivesse a chance de viver pra sempre, será que REALMENTE escolheria isso?

Mas antes de se pegar pensando nisso, calma, porque o disco tem duas ótimas canções instrumentais e que, coincidentemente, são as mais longas dentre as 10 faixas no total, ambas bastante progressivas, ajudando a dar um clima ainda mais cinematográfico ao pacote completo.

Enquanto Miasma tem uma coisa bem mais 80, com guitarras dobradas meio Iron Maiden duelando, tecladinho e até uma porra de um solo de saxofone (SÉRIO!), Helvetesfonster é meio medieval, mais épica, grandiosa, ainda que viajandona na medida certa, Yes e King Crimson aprovariam, contando inclusive com a preciosa participação do parça Mikael Akerfeldt, do Opeth.

Prequelle é um disco que, em resumo, é feito para grandes públicos, para estádios enormes, com direito a celular e/ou isqueiro aceso com a mãozinha pra cima, “vamo pulá!”. Pra galera cantar junto, pra ouvir depois do ASTERISCO enquanto lava a louça ou leva o cachorro pra passear. Pra entrar tanto no clima que, no fim das contas, você mal vai perceber que tá é cantando sobre Satanás e seus antigos espíritos do mal, isso sim.

Amém.