Banda, que acabou de lançar um novo disco, continua em sua missão de celebrar os nossos sons
“Uma banda de rock com musicalidade brasileira”. É assim que o vocalista Rafael Moromizato descreve o som que a banda Huaska faz, em entrevista ao JUDÃO. A descrição é simples, mas é preciso admitir que o barulho que estes caras fazem é bem mais complexo do que isso. Basta ouvir o recém-lançado Fim, quarto disco de estúdio do quinteto paulistano. Produção 100% independente, é rock de guitarras fortes e corpulentas, letras emocionais em português, temática profunda e influências que vão de bandas de rock alternativo como os Deftones até... Tom Jobim.
Aliás, uma boa descrição para Fim seria “Tom Jobim e Vinicius de Moraes, com seus vinte e poucos anos e ligadões no rock n’ roll, chamam uns amigos pra fazer um som”. É rock? Claro que é. Mas também é uma parada tipicamente brasileira – de um jeito diferente do que você poderia ouvir num Holy Land (Angra) ou Roots (Sepultura), por exemplo. “Como essa mistura sempre fez parte da banda, nunca ouve receio de preconceito porque é uma característica. Quem conhece o Huaska desde o underground da cena new metal de 2000 e pouco, sabe que isso sempre soou natural vindo das nossas composições”, explica Rafael. “Isso faz parte do desafio de criar alguma coisa original, autêntica”.
A brasilidade do som do Huaska, presente desde a batida do violão do álbum inaugural, E chá de erva doce (2006), abriu muitos caminhos pra mergulhar mais na cultura musical brasileira. “Começamos a colocar os instrumentos de percussão e naturalmente com o tempo vieram novas idéias, novos ritmos e com isso novos experimentos musicais. O futuro do Huaska é resgatar o passado da riqueza cultural da música brasileira”. Rafael conta que, quando era mais jovem, gostava muito de metal e, conforme o tempo foi passando, acabou se interessando cada vez mais pela música brasileira. Talvez o próprio Huaska ajude seus fãs mais jovens a descobrir outros tipos de musicalidade? Ele concorda. “Quem sabe isso não acontece com quem gosta bastante de rock e ainda não descobriu como a raiz da música brasileira é boa?”.
A história do CD Fim começou (...) em outubro de 2014, quando os cinco partiram pra Europa para divulgar seu terceiro disco, Samba de Preto, aquele que foi de longe o seu trabalho mais bem-sucedido até o momento. “No final daquele ano, ninguém tinha muita certeza sobre o futuro da banda mas todo mundo queria gravar um CD que fosse o sucessor do que deu maior visibilidade pra banda até então. No começo de 2015 fizemos um crowfunding pra gravação desse CD e conseguimos arrecadar 93% da meta. A participação dessas pessoas que contribuíram na campanha foi fundamental pra gente seguir em frente”.
Ele conta que o processo de composição e criação foi bem diferente do Samba de Preto e, no final, a sonoridade dele é exatamente o ‘clima’ que a banda estava vivendo naquele momento. “Entramos em estúdio em novembro de 2015 e finalizamos em março de 2016”. O resultado talvez seja um dos melhores álbuns nacionais deste ano. Basta ouvir a versão deles para Canto de Ossanha, acrescentando vibração e um lado bastante sombrio para a dupla Tom/Vinicius. No contexto geral, uma continuação bastante interessante e digna para o anterior, que facilmente beira o “genial”, ao flertar inteligentemente com um tipo de som que muitos roqueiros ainda consideram como o seu “inimigo público número 1”.
Em Samba de Preto, além dos covers memoráveis de Gávea e Chega de Saudade, eles gravaram uma faixa-título que representa idealmente esse casamento de rock com samba de raiz e bossa nova, respeitando as características de ambos. Ao lado de Rafael, nos vocais, ninguém menos do que Elza Soares. “Foi uma das experiências mais incríveis da vida. Não só pela música, mas pela pessoa. Um coração enorme, uma voz única”, conta o frontman. “Entrei em contato com o empresário dela na época, ele gostou do single (Foi-se) e mostrou pra ela a proposta da banda. Ela topou na hora”. Os dois se conheceram num show que ela fez em São Paulo e, sempre que ela passava pela cidade, eles se encontravam para ensaiar e bater papo. “Foi tudo natural, parecia que éramos parceiros musicais de longa data e ficamos muito satisfeitos com o resultado”.
Rafael conta que Samba de Preto foi um trabalho bastante minucioso que tinha como objetivo apresentar da melhor maneira possível essa mistura que vem sendo feita desde o CD demo de 2003 (o EP Mimosa Hostilis). Além da Elza, também participou o maestro Eumir Deodato (que trabalhou com nomes tão diferentes como Tom Jobim, Frank Sinatra, Björk) na canção Ainda não acabou. “Dois anos depois do lançamento, o Huaska deu uma bombada no Japão em 2014, quando o bossa metal se tornou um assunto muito comentado no Twitter pelos japoneses na época”, explica. “A audiência lá cresceu muito e isso abriu várias portas para novos caminhos pra banda”.
Embora diga que, hoje em dia, possa falar apenas por ele mesmo, Rafael reforça que no geral, metal é uma das coisas que a galera da banda menos ouve. “Os gostos musicais de cada um são BEM diferentes e acho isso essencial pra ‘mistura’ ter infinitas possibilidades”. Além do grunge que o acompanhou na época em que começou a tocar guitarra (Nirvana, Alice In Chains, Pearl Jam e Stone Temple Pilots) e do new metal que serviu como gênero em comum para que os integrantes se encontrassem e formassem o Huaska (Korn, System of a Down, Slipknot, Papa Roach, Incubus), a coisa que ele mais ouve hoje ainda é Faith No More. “Na minha opinião uma das maiores bandas de rock do mundo pela qualidade musical em mesclar gêneros tão distintos com rock”.
Desde 2002 sempre na pegada independente, sem o apoio de um selo/gravadora, claro que todo mundo no Huaska tem alguma atividade paralela. “Ainda não dá pra dizer que vivemos só da música”. Mas Rafael não fala sobre o assunto com algum tipo de amargura – pelo contrário. Ele deixa claro que o quinteto tem muito firme em mente que, para embarcar numa parceria com uma gravadora, um dos fatores seria não abrir mão da autonomia musical. “Se perder a liberdade de criação, perde a autenticidade”. E ainda completa: “Quero fazer músicas que façam parte da vida das pessoas, passando de uma geração pra outra. A ideia sempre foi criar algo original, legítimo, verdadeiro e que expresse quem somos”.
Sem grande exposição naquela tal de “mídia de massa”, como os assessores de imprensa adoram dizer, ele diz que sabe que quem conheceu o Huaska no boca a boca e continua ouvindo, é porque gosta mesmo, de verdade. “Essa relação verdadeira de banda pra fã é o mais importante pra mim. Espero que cada vez mais a gente encontre as pessoas que querem encontrar a gente”.