Jessica Jones: não apenas diferente, melhor também | JUDAO.com.br

Nova série da Casa das Ideias aposta em uma protagonista que é humana como nós e como você, uma heroína por natureza, que nem precisaria ter superpoderes, aliás

Jessica Jones. Tá aí um nome que, até bem pouco tempo atrás, era pouco conhecido por quem não era leitor assíduo dos gibis da Marvel. Mas agora só se fala nela. Numa jogada que muitos chamariam de “arriscada”, a Casa das Ideias resolveu investir na personagem criada por Brian Michael Bendis e colocá-la numa das suas séries — o que não deveria surpreender, tendo Guardiões da Galáxia e Homem-Formiga no currículo.

Assistimos a apenas sete episódios até agora, mas já dá pra cravar sem medo: é uma das melhores coisas que a Casa das Ideias poderia ter feito – e a melhor já feita pela divisão de TV do estúdio (incluindo aí no balaio Agents of SHIELD, Agent Carter e, sim, Demolidor, que nós dissemos aqui que não era SÓ a melhor série Marvel, na época).

Primeiro de tudo: Jessica Jones (vivida por Krysten Ritter) não é uma super-heroína. Aliás, pouco importa como ela ganhou seus poderes. Um acidente é mencionado, mas tanto faz. Esta não é uma história de origem. Os poderes estão lá e são parte importante da personagem, mas não são eles que a define. Um conceito dos quadrinhos, genialmente pensado por Bendis, que foi incorporado ao live action de forma bem inteligente. Tanto é que, aqui, o nome da série é Jessica Jones – e não Safira, codinome que ela usou por um tempo nos quadrinhos, ou Alias, nome da firma de investigação que ela abre para trabalhar como detetive — e ao contrário de todos os outros filmes e séries lançados até agora, em que o título é o nome “artístico” dos personagens ou das esquipes.

Jessica Jones é como eu ou como você. Alguém que não necessariamente pensa que tem o emprego dos sonhos, que eventualmente faz umas merdas, que pra conseguir uma grana se veste de hot dog, que carrega o celular na tomada do lado da cama todo santo dia, que TOMA UMAS no final do expediente (ou não tão no final dele) pra ajudar a vida a ficar um pouquinho mais fácil... Talvez a mais humana dos protagonistas Marvel, a mais trash de todos eles, que mora num muquifo desgraçado em uma vizinhança PIOLHENTA. E que tem, segundo a melhor amiga, Trish Walker (Rachael Taylor na versão civil da Felina e que, mesmo sem poderes, sabe lutar até melhor do que a Jess), a habilidade suprema do sarcasmo, talvez o seu poder mais incrível — ESSE SIM um que define quem é Jessica Jones.

Jessica Jones

Só que ela tem superforça, resistência sobrehumana, a coisa de dar uns saltos que não chegam a ser considerados “vôos”. E Jessica tem uma boa índole: é alguém que, mesmo sem usar máscara e roupa colorida, não vira as costas quando alguém precisa de ajuda. Uma heroína, que também poderia ser como a gente ou você. Com grandes poderes, vem grandes responsabilidades, sabe? Pois é.

Mas, numa noite, ela encontra Kilgrave (David Tennant, brilhante, assustador). Ele tem superpoderes, também. Consegue manipular as emoções das outras pessoas, numa adaptação turbinada do Homem-Púrpura das HQs. A partir daquele momento, Jessica Jones se torna uma marionete das maquinações de Kilgrave, de seus desejos e vontades.

E é aí também que Jessica Jones, a série, ganha seus contornos. De uma forma não-linear, que vai deixando o espectador com um nó na garganta, percebemos que Kilgrave pode ter poderes, sim, mas que ele poderia fazer aquilo tudo sem eles, também. Da mesma forma que existem, em menores proporções, incontáveis Kilgraves pelo mundo. Um manipulador. Um sedutor. Um abusador.

Sim, a Jessica tem seu envolvimento com o Luke Cage (Mike Colter), nas mais quentes cenas de sexo do MCU até o momento (é, gente, super-herói também trepa, viu?). E ela também tem lá alguns casos pra resolver, alguns coadjuvantes no meio do caminho pra ajudar e até um letreiro de vidro pra consertar. Mas o que move mesmo a série é essa relação com Kilgrave.

Aliás, eis aí uma grande diferença em relação a Alias, o gibi que deu origem a tudo isso. Lá, o passado da protagonista é algo mais antigo, uma dor que ela ainda sente, só que não vem de uma ferida aberta, mas sim de uma cicatriz. Por isso, nos primeiros arcos, Jessica faz coisas mais habituais pra uma investigadora particular: vai atrás do Rick Jones, se envolve com o preconceito aos mutantes, investiga o desparecimento da mais recente Mulher-Aranha...

É só lá no final que Jessica Jones finalmente cutuca a cicatriz, percebe que ela ainda sangra, e o leitor descobre a doentia manipulação do Homem-Púrpura.

Esse claramente não é o caminho da série. Ainda bem, aliás. O chamado Universo Marvel dos Cinemas ainda é novo, com a Batalha de Nova York recente no imaginário POPULAR. Tudo isso aproximou o passado da Jessica, tornando-o não só recente, mas também algo ainda a ser enfrentado. A série tem nitidamente o espírito da HQ original, sem precisar se transformar numa adaptação literal, espelhada. Além disso, como já falamos aqui no JUDÃO, toda essa construção se tornou oportunidade perfeita pra abordar a questão do abuso.

Por tudo isso, é impossível não se simpatizar com Jessica Jones. Mais do que qualquer personagem da Marvel em todas essas adaptações que vimos nos últimos anos, ela é humana. Ela erra. Ela falha. Ela cai. Ela levanta. E ainda consegue chutar bundas a rodo mesmo assim. Se o Gavião Arqueiro fizesse com ela metade das graças que fez com a Viúva Negra, já teria umas duas costelas a menos.

Jessica Jones

É impossível não odiar Kilgrave

Por tudo isso, é impossível não odiar Kilgrave. Mais do que qualquer antagonista da Marvel em todas essas adaptações que vimos nos últimos anos, ele é um VILÃO, de verdade. É escroto o suficiente para você desejar que ele morra. E, de preferência, sofrendo um bocado. É alguém que você chama de “desgraçado” com gosto. Por mais fofo que ele seja como Doctor Who, aqui ele não será o “vilão que a gente ama odiar” como o Loki. É algo bem diferente — e humano. Sem que seja necessário se esconder sob alguma pele roxa, que desse pra disfarçar o que ele é, de fato.

Também chama a atenção a Carrie-Anne Moss (a eterna Trinity) no papel de Jeryn Hogarth — um importante advogado nos quadrinhos e que aqui aparece como a principal fonte de trabalho para a Jess. Sim, nos gibis é um cara.

É difícil prever o sucesso da série antes do lançamento – até porque estamos falando de streaming, então não teremos audiência pra ver, números de bilheteria, nem nada disso. Mas em termos de conteúdo, que é o que importa aqui, Jessica Jones tem tudo pra ser a mais surpreendente e fascinante produção da Casa das Ideias até hoje. Mais surpreendente que Guardiões da Galáxia, mais fascinante que Demolidor.

O Demolidor é um cara que aos poucos vai se tornando herói, ainda que de maneira relutante. Jessica Jones é alguém que quis ser heroína, se fodeu e agora quer tocar a vida sem se preocupar com isso. Ou pelo menos tentar.

Essa é a Marvel, que, por necessidade ou inteligência, não para de tirar ótimos coelhos da cartola.